Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 27 de junho de 2007

O mesmo governo que continua paparicando as Farc enquanto elas ensinam o Comando Vermelho e o PCC a matar cinqüenta mil brasileiros por ano está ocupadíssimo em proteger gays e lésbicas contra o risco temível de ser atingidos, em plena via pública, por versículos da Bíblia.

O mesmo governo que promove o ensino do homossexualismo nas escolas infantis quer defender as almas puras das crianças contra a imoralidade dos programas de TV.

O mesmo governo que com lágrimas nos olhos denuncia mais de um milhão de mortes de mulheres em abortos ilegais informa-nos agora que o número total de abortos ilegais é mais ou menos esse – o que não deixaria muitas mulheres para contar a história.

Esse governo ficou louco ou quer apenas nos enlouquecer a nós?

Aposto, decididamente, nas duas hipóteses. Ele quer nos enlouquecer porque é louco — mas não é louco do tipo que quer que nós nos tornemos. Ele quer infundir em nós a loucura da estupidez, da completa desorientação no espaço e no tempo. Para si ele conserva a loucura da ambição ilimitada, o sonho infame de tornar-se o “poder invisível e onipresente” de que falava Antonio Gramsci, o manipulador supremo de tudo e de todos, o autor secreto do curso da História. Ele quer para nós a loucura que debilita e paralisa, a loucura da impotência. Para ele próprio, a loucura do poder absoluto.

Ninguém jamais compreenderá o governo Lula se não levar em conta a sua dupla agenda, decorrente da sua condição mesma, mil vezes proclamada ante ouvidos moucos, de governo de transição para o socialismo.

Um governo normal joga segundo uma regra preexistente: ele tem metas econômicas, administrativas e sociais declaradas, as quais têm de se transformar em resultados e tornar-se visíveis para ser julgadas, na próxima eleição, pelo mesmo público que aprovou o plano inicial.

Um governo revolucionário joga segundo uma regra futura que só ele conhece. Ele não tem de ser aprovado senão por si mesmo, porque sua finalidade única é justamente impor a nova regra, à qual o público tem adaptar-se sem julgá-la, sem nem mesmo pedir explicações.

Um governo de transição é uma criatura bicéfala que tem de jogar ao mesmo tempo segundo as duas regras, operando a transmutação alquímica que mudará a primeira de realidade vigente em mera aparência, a segunda de vaga hipótese em dura realidade.

Lula é ao mesmo tempo o presidente regularmente eleito para consolidar a democracia e o agente do Foro de São Paulo incumbido de tranformá-la no seu contrário. Quanto mais louco ele parece no primeiro desses papéis, mais hábil e eficiente se revela no segundo, aos olhos de quem é capaz de observá-lo nesses dois planos ao mesmo tempo. Quanto mais insensato o seu desempenho de economista e administrador, mais admirável ele se torna como mago alquimista, transmutador não só do Brasil mas do continente inteiro.

Cada uma de suas ações reflete a ambigüidade do seu papel histórico mas, para o observador atento, serve como índice do progresso alcançado na realização alquímica.

O futuro deste país depende de que o número de observadores atentos cresça antes que a transmutação se complete invisivelmente.

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