Por Percival Puggina
6 de julho de 2002
O ideal teria sido ocultar o fato. Ignorar a destruição do monumento. Considerar que o relógio nunca existiu. Retirar dos calendários brasileiros o dia 22 de abril, tanto no ano de 2000 quanto no de 1500. Não ouvir o governador sobre coisa alguma a menos que ele queira e, por fim, considerar perfeito tudo que sua excelência diz e faz. Bastaria essa polida e conivente atitude para vivermos no mais sereno dos mundos. Não precisaríamos sequer de jornalistas, nesse paraíso oficial. Seríamos informados por publicitários do próprio governo, assistiríamos a TVE, evitaríamos a circulação de jornais de outros estados e seríamos tão felizes quanto nos dissessem que éramos. Em Cuba é assim e o pessoal só se lança ao mar porque gosta de esporte náutico.
Há uma outra possibilidade, também utilizada na ilha do doutor Castro: ver e agir como se não tivesse visto; ouvir e proceder como quem não ouviu. As pessoas que fazem assim se dão muito bem; não são perseguidas, nem processadas, nem condenadas. E quando aparece, no rebanho, alguma ovelha desgarrada, disposta a balir de modo impertinente, desabam sobre ela as hostilidades institucionais. Todo cubano sabe que a tranqüilidade é fruto do silêncio.
Sei que tudo isso pode parecer estranho ao leitor que aprecie os sonoros acordes da democracia. Mas convenhamos: eles não costumam soar muito harmônicos a certos detentores de poder. Para estes, a liberdade de opinião, como o próprio nome parece sugerir, é um atributo da opinião e não da pessoa. E tudo resulta muito desconfortável e complicado quando cada um – jornalistas em especial – resolve exercer um suposto direito, tão burguês quanto esse de dizer o que pensa.
No mais sereno dos mundos, as coisas funcionam exatamente assim: você pode explodir um monumento, desde que a explosão seja feita por companheiros, com supervisão de autoridades do Estado; você pode impedir a realização de um congresso jurídico desde que nele se tratem de assuntos que desagradem o partido do governo; você tem toda segurança pública à sua disposição, desde que o evento seja de esquerda; você pode bloquear uma rua ou estrada, desde que o protesto seja contra o governo federal; você, servidor público, tem dispensa de ponto para viajar, desde que seja para protestar contra o FMI e o FHC; e você, jornalista, tem todas as informações que desejar desde que leve uma estrelinha no peito. E se você não pode criticar o governador, tem todo o direito de se vingar criticando o presidente da República. Ele deixa.
Surpreendente? Não! Surpreendente é que ainda tenha gente, por aí, que não entendeu o espírito da coisa.