Olavo de Carvalho
Folha de Londrina, 26 de abril de 2003
Num livro já antigo, Wilson Martins escreveu que o Paraná era “um Brasil diferente”. Tenho comprovado isso, repetidamente, desde que comecei a dar aulas neste Estado, dois ou três anos atrás. Os brasileiros de hoje são tagarelas e preguiçosos: não estudam nada e opinam sobre tudo. Os estudantes paranaenses são notavelmente mais humildes e interessados em aprender.
A importância da humildade no aprendizado já era enfatizada, na Idade Média, por Hugo de São Vítor, um dos maiores educadores de todos os tempos. Humildade significa, no fundo, apenas senso do real. O culto universal da juventude obscureceu essa verdade óbvia ao ponto de que todo mundo já acha natural esperar que, aos quinze ou dezoito anos, um sujeito tenha opiniões sobre todas as coisas e, miraculosamente, elas estejam mais certas que as de seus pais e avós. O resultado dessa crença generalizada é desastroso: todos os movimentos totalitários e genocidas dos últimos séculos — comunismo, nazismo, fascismo, radicalismo islâmico, etc. — foram criações de jovens, e sua militância foi colhida maciçamente nas universidades.
O culto da juventude traz, como um de seus componentes essenciais, o desprezo pelo conhecimento: se ao sair da adolescência o sujeito já traz na cabeça todas as idéias certas, para quê continuar estudando?
No Brasil, esse preconceito arraigou-se tão fundo, que já parece impossível extirpá-lo. O efeito disso é que milhões de jovens, incapacitados para perceber as mais óbvias realidades, se crêem investidos do direito divino de julgar todas as coisas, homens e fatos. Além do conhecimento, falta-lhes às vezes até aquele mínimo de integração da consciência, sem o qual um sujeito não pode sequer argumentar de maneira razoável. Sua pretensão arrogante contrasta tão deploravelmente com a sua falta de recursos intelectuais, que nenhum educador dotado de bom senso se aventuraria a lhes ensinar o que quer que fosse.
Raríssimos estudantes, hoje em dia, sabem distinguir princípios gerais de tomadas de posição sobre acontecimentos específicos. Adotam uma opinião sobre isto ou aquilo, sobre o homossexualismo, sobre a guerra no Iraque, e fazem dela imediatamente um princípio universal, extraindo dela conclusões que desmentem os próprios princípios da lógica ou do direito nos quais, não obstante, continuam se baseando para raciocinar sobre tudo o mais. A “autodeterminação dos povos”, por exemplo, é usada para justificar a soberania de Saddam Hussein, ao mesmo tempo que se deixa de aplicá-la à minoria curda, sendo quase impossível mostrar ao falante que há aí uma contradição. Em casos como esse, uma opinião política singular se sobrepõe de tal modo aos princípios fundantes do próprio raciocínio, que uma pessoa neurologicamente normal acaba tendo o desempenho cerebral de um mongolóide. Outro dia encontrei na internet um site de jovens homossexuais que demonizavam os EUA, terra de promissão do movimento gay, e defendiam entusiasticamente as ditaduras islâmicas, nas quais o homossexualismo é crime punido com a morte. Na antiga retórica greco-latina, isso chamava-se “argumento suicida”, como no caso de um judeu que fizesse propaganda nazista. O argumento suicida era tão raro que os manuais de retórica mal o citavam. Hoje em dia, tornou-se a coisa mais comum do mundo e, nas falas de estudantes brasileiros, quase um paradigma. Os exemplos que citei são só dois entre milhares. Quanto mais lisonjeada por pais e educadores, mais a juventude se torna estúpida e incapaz, anunciando uma maturidade de ressentidos, fracassados e invejosos.
Tenho me defrontado com esses tipos no Brasil inteiro, mas garanto: entre os estudantes paranaenses o número deles é bem menor.
Não sei como explicar esse fenômeno. Não conheço a história cultural do Estado ao ponto de arriscar alguma hipótese. Apenas assinalo o fato e reconheço ver nele um raro sinal de que, para a cultura deste país, nem tudo está perdido.