Entrevista a um grupo de estudantes da PUC-Minas

17 de outubro de 1999

Sr. Olavo de Carvalho,

Somos alunos de Jornalismo da PUC-Minas. Estamos nos formando no final deste ano e conforme exigido pela universidade, estamos realizando uma pesquisa acadêmica sobre a objetividade no jornalismo impresso. O titulo da monografia e “Objetividade Jornalística: Um Conceito Subjetivo”.

Como parte deste trabalho, temos entrevistado vários profissionais de imprensa. Se fosse possível, gostaríamos que o Sr. colaborasse respondendo as questões a seguir:

Desde já agradecemos e aguardamos sua resposta

Adrilles Jorge, Rodrigo Morais e Leonardo Martins

Respostas de Olavo de Carvalho

1) Quais as principais conseqüências, positivas e negativas, da influencia do jornalismo americano e seus conceitos de objetividade e imparcialidade na imprensa brasileira?

A suposição de que a realidade possa ser picotada em “fatos” e de que estes possam ser expressos numa linguagem padronizada não está presente só no jornalismo americano. Há no mundo anglo-saxônico toda uma tradição filosófica que pensa assim e cujo peso na formação das normas jornalísticas vigentes é geralmente negligenciado pelos estudiosos de jornalismo. “O mundo é o conjunto dos fatos. Fatos são alterações de um estado de coisas.” Estas palavras poderiam constar de qualquer manual de jornalismo, mas são o começo do “Tractatus” de Ludwig Wittgenstein. O dano que esta obra trouxe à inteligência mundial é incalculável. As viseiras mentais que o molde jornalístico americano impõe a leitores e profissionais são apenas uma parcela ínfima da herança mórbida da escola de Wittgenstein e Russel.

 

2) A objetividade jornalística e uma utopia ou uma realidade possível?

A objetividade é sempre possível. O que não é possível é garanti-la mediante regrinhas e norminhas padronizadas. A objetividade é, em última análise, humildade perante o real – a humildade da inteligência. É talvez a mais difícil das virtudes. Não é coisa que se conquiste sem uma ascese interior, dificilmente acessível a pessoas que, como os jornalistas, vivem num meio antes propenso à tagarelice do que à reflexão. A probabilidade de que a massa dos jornalistas alcance essas alturas é a mesma de que todos os homens do mundo se tornem virtuosos por força das normas legais. Em geral, o conceito padronizado de objetividade é justamente um refúgio contra a necessidade de um esforço pessoal de descoberta e admissão da verdade.

 

3) A imprensa atual pratica a objetividade jornalística?

No sentido redutivo do termo, sim. Mas no sentido forte da palavra objetividade, não.

 

4) A quem interessa a hegemonia deste tipo de jornalismo (dito objetivo e imparcial) preconizado atualmente?

Há dois grupos de interesse que hoje partilham quase sem conflitos, por um acordo de cavalheiros, o domínio sobre o jornalismo nacional: os donos das empresas e os grupos políticos que fazem a cabeça da classe jornalística. Os primeiros entendem jornais e revistas como produtos, que devem atender à demanda do mercado. Os segundos entendem-nos como meios de criar ressentimento e ódio no povo para produzir uma revolução e tomar o poder. Na perspectiva dos primeiros, objetividade significa dar igual tratamento à verdade e ao erro, de modo que o leitor se torne incapaz de distingui-los. Na dos segundos, consiste em jogar a culpa de tudo sobre alvos previamente selecionados, destinados a perecer como bodes expiatórios numa futura carnificina redentora. Misture essas duas coisas, em doses equilibradas, e terá a fórmula do jornalismo brasileiro atual: a perfeita mistura da amoralidade com o falso moralismo.

 

5) Na sua opinião, quais veículos impressos atualmente fogem a essa regra do jornalismo dito objetivo?

Que los hay, los hay. Mas não vou citar nomes.

 

6) No que se refere a estruturação de linguagem, o jornalismo mantém estreitas relações com outras áreas do conhecimento, tais como a economia, a literatura, a ciência, etc. E possível manter a objetividade adequando essas outras linguagens – nem sempre objetivas – ao padrão de linguagem jornalístico?

É sempre possível converter uma linguagem especializada numa linguagem geral, mas com isto se perde a virtude máxima da terminologia técnica, que é a brevidade, e se torna necessário fazer textos mais longos. Como o jornalismo atual, paradoxalmente, tende a exigir textos tanto mais curtos quanto mais aumenta o número de páginas dos jornais e revistas, o resultado é que a conversão do especializado no geral se faz de maneira estereotipada e falsa, mediante a adoção de cacoetes verbais cuja repetição contínua e cuja aparente simplicidade produzem no leitor uma ilusão de compreensão.

 

7) A crescente despersonalização do jornalismo não seria mais útil a própria empresa jornalística, posto que, com uma liberdade diferenciada do que hoje existe para o jornalista escrever (exceção feita aos colunistas), poderíamos criar um publico especifico do jornalista e ano do jornal?  

A despersonalização do jornalismo é útil aos senhores da imprensa, mas, como expliquei, há dois grupos de senhores e não um só. Há de um lado os proprietários, de outro os mentores políticos. Ambos lucram com a despersonalização: os primeiros conseguem assim definir melhor o “perfil do produto”, tornando o jornal uma coisa tão fixa e repetível quanto uma embalagem de sabonete; os segundos conseguem dar às opiniões do seu grupo um ar de impessoalidade que as faz passar por convicções gerais da sociedade. “Tutto è burla nel mondo”, concluía o Falstaff de Verdi.

 

8) Não ha uma evidente contradição na apologia que se faz ao discurso da objetividade jornalística, sendo que esse mesmo discurso e sustentado por regras e enunciados subjetivos, ou seja, regras produzidas pela própria mídia?

Há sim. Isto já está dito na resposta a uma pergunta anterior.

 

9) A delimitação do espaço e o molde preestabelecido da enunciação da noticia não são fatores que podem superficializar os assuntos tratados e, por conseguinte, prejudicar a chamada “objetividade jornalística”?

Sem a menor sombra de dúvida.

 

10) Qual seria o modelo de jornalismo ideal?

Cada um tem o seu ideal, e o jornalismo ideal seria aquele que desse campo livre à pluralidade de ideais, portanto à variedade das formas também. Se eu fosse dirigir um jornal, me inspiraria na divisa do “Pif-Paf” de Millôr Fernandes – “Enfim, um escritor sem estilo” – e estamparia logo na primeira página: “Enfim, um jornal sem linha editorial.”

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