Olavo de Carvalho

Época, 7 de julho de 2001

É tanta cultura que eles já não agüentam: precisam reparti-la

Sob a coordenação do professor Lejeune Mato Grosso Xavier de Carvalho, presidente da Federação Nacional dos Sociólogos, um lobby de proporções colossais, constituído de sindicatos, associações estudantis, sociedades científicas, CUT, OAB, Contag, CNBB e não sei mais quantas instituições, está sendo organizado para pressionar o Senado a aprovar o projeto de lei que torna obrigatório, nas 17 mil escolas de ensino médio do país, o ensino de sociologia e filosofia.

O próximo passo da luta, segundo o professor Lejeune, será “a mobilização total nos cursos, CAs, congregações, departamentos, reitorias e entidades correlatas”. Essas entidades deverão: (a) produzir uma chuva de e-mails sobre os senadores; (b) exercer pressão direta sobre “FHC, Weffort, Moisés, Wilmar Faria e outros do alto escalão do governo”; (c) agitar a massa estudantil para que ocupe as ruas e faça caravanas a Brasília; (d) abrir espaço na mídia e municiá-la de informações favoráveis ao projeto. É uma campanha das dimensões das Diretas Já. Mas aí se tratava de luta política, que facilmente desperta as paixões da massa angustiada. Um observador extraplanetário ficaria comovido até às lágrimas de ver tão poderosas forças agitando-se em vista de um objetivo puramente cultural e pedagógico.

Tamanha vontade de ensinar tem, no entanto, algo de estranho. O professor Lejeune entusiasma-se sobretudo com a mobilização dos filósofos – pilhas e pilhas de filósofos, massas de filósofos. Ao ouvi-lo, damos por fato consumado que, no momento presente, pelo menos 17 mil deles se encontram tão repletos de conhecimentos filosóficos que, se não os derramarem sobre as cabeças juvenis, explodirão de pletora intelectual.

O país que tem 17 mil filósofos prontinhos para ensinar é, decerto, o mais culto do mundo. É de fato uma injustiça que tanta cultura fique retida na geração mais velha, sem ser repassada aos jovens.

Por isso mesmo o professor Lejeune repele, como procrastinação odiosa, qualquer tentativa de discutir, antes da aprovação da lei, o conteúdo a ser ensinado nas novas disciplinas. Para que discutir, se ele, Lejeune Mato Grosso em pessoa, já sabe esse conteúdo de trás para diante? Eis como ele o resume: sociologia e filosofia consistem em fazer o aluno “entender seu mundo, a realidade que o cerca, as classes e as lutas de classe, o papel do Estado e modos de produção” (sic).

Que haja 17 mil pessoas habilitadas a ensinar essas coisas, eis algo de que não se pode mesmo duvidar. Na verdade há mais. Milhões de militantes da CUT, do PT e do MST estão convictos de que a realidade que os cerca se constitui, essencialmente, de luta de classes. Trata-se apenas de tornar esse discurso obrigatório para os alunos de 17 mil estabelecimentos de ensino.

A coisa é simples, direta e brutal. Portanto, nada de discussões. Sociologia e filosofia já!

O professor Lejeune vaticina que isso será “a maior das revoluções”. Tem razão: desde os tempos de Stalin, jamais tamanha rede de difusão foi colocada, com dinheiro do governo, à disposição da propaganda comunista. Tal é, pois, o motivo da mobilização, que só um extraplanetário explicaria de outra forma.

Não sou ninguém para contestar uma assembléia inteira de sábios e educadores, encabeçada por 17 mil filósofos. Cá com meus botões pergunto quantos deles agüentariam dez minutos de debate sobre as categorias de Aristóteles ou as formas a priori de Kant. Mas isso, obviamente, não vem ao caso. O que lhes incumbe ensinar eles já o sabem de cor e salteado. Aliás, quem não sabe?

Resta apenas perguntar se, contra a formidável pressão organizada, os pais que não desejem ver seus filhos amestrados na doutrina da luta de classes terão a coragem de enviar pelo menos umas tímidas cartinhas de protesto ao Senado. Se não a tiverem, ótimo: é sinal de que o Brasil está maduro para a filosofia do professor Lejeune.

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