Olavo de Carvalho
Diário do Comércio (editorial), 11 de abril de 2006
Mais um episódio da novela Tom De Lay ilustra, com mais clareza ainda do que os anteriores, aquilo que venho expondo sobre uma regra informal da luta política americana, tão clara para o observador atento e tão sistematicamente ignorada pela nossa imprensa caipira. Acostumado a campanhas de mídia que se transformam em inquéritos parlamentares e punições, o público brasileiro acredita que a mesma coisa sucede nos EUA. Mas político americano, quando sabe de algo contra o adversário, abre logo o inquérito. Se vai primeiro à mídia, é porque nada tem de efetivo contra o acusado. Isso quer dizer que as campanhas de difamação midiática, quando precedem o ataque no campo legal, são em geral um indício razoável de inocência. Os leitores dos meus artigos neste jornal devem lembrar-se de que, desde os primeiros lances do caso De Lay, anunciei que o ex-líder republicano, acusado de uso indevido de verbas eleitorais, não sofreria nada na Justiça, mas que sua carreira política estava liquidada de qualquer maneira, e que esse tinha sido aliás o único objetivo de seus detratores. Pois bem: esta semana o homem renunciou, primeiro, à candidatura, e horas depois ao mandato. Já não é mais deputado e, tendo decidido vir morar num condomínio que possui na Virginia, tornou-se mesmo inelegível pelo Texas, que era a sua base. Ele não temia a sentença judicial: ao contrário, tentou desesperadamente ser julgado o mais rápido possível, porque confiava na absolvição. O que ele temia era o adiamento da audiência, porque sabia que ninguém na América vota num réu que está à espera de julgamento. Seus adversários, cientes de que dificilmente ele seria condenado, apostaram tudo na cartada do atraso, e ganharam. Quando De Lay viu que não poderia ser julgado em tempo de restaurar seu prestígio perante os eleitores, admitiu a derrota.
A campanha contra ele foi encabeçada pela MoveOn, uma ONG a serviço de George Soros. Qualquer gritaria moralista proveniente de George Soros é uma imoralidade em si. Mas foi uma obra de engenharia, milimetricamente calculada para destruir, sem fundamento jurídico plausível, aquela que, segundo Robert Novak, tarimbado comentarista de muito prestígio nos dois partidos, foi a melhor liderança republicana das últimas décadas.
Os ensinamentos do caso, porém, vão muito além do esclarecimento que trazem sobre o uso da mídia como instrumento de chantagem. Numa recente entrevista (http://www.washtimes.com/national/20060405-123416-5226r.htm), De Lay criticou severamente o Partido Republicano pelo seu hábito consagrado de afastar do cargo qualquer líder acusado de corrupção, independentemente e antes de comprovação judicial. O Partido Democrata não tem regra equivalente. Graças a essa diferença, disse ele, “os democratas escolhem os líderes republicanos”. Mas de onde vem a diferença?, pergunto eu. Vem do falso capital de prestígio “ético” acumulado pela esquerda, que se torna assim detentora de todos os direitos e isenta de todas as obrigações. No caso do lobista Abramoff, que respingou sobre De Lay, muito mais democratas do que republicanos estavam envolvidos, muito mais comprovadamente do que De Lay, e nenhum dano lhes foi feito pela mídia até agora. A conquista desse agradável privilégio vem em duas etapas. Primeiro, através da prestimosa colaboração de uma rede de pseudo-intelectuais tagarelas, destrói-se a confiança da sociedade na moral, nas leis e nas tradições. Depois preenche-se o espaço sobrante colocando, em lugar dos valores desaparecidos, os slogans esquerdistas: “justiça social”, “direitos humanos”, “diversidade cultural”, o diabo. Estas vacuidades pomposas adquirem então a autoridade dos Dez Mandamentos, e quem não se curva a elas sente-se culpado como o pecador na fila do confessionário. A tentação de ceder a qualquer cobrança da nova “autoridade moral” é então irresistível.
Nos EUA, a aplicação dessa estratégia, perversa e maligna entre todas, está tendo como resultado a paralisação de um grande partido, o partido de Lincoln e de Reagan, da campanha abolicionista e da vitória sobre a URSS na Guerra Fria.
No Brasil, ela não está destruindo um partido, mas o país inteiro.