Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 04 de outubro de 2007

Depois que os brasileiros tiraram o último lugar entre estudantes secundários de 32 nacionalidades, os progressos da ignorância pátria não cessaram de assombrar o mundo. O “Índice Global de Talentos” da consultorias Economist Intelligence Unit e Heidrick & Struggles mostra que o Brasil é um dos países com menor capacidade de criar ou atrair mentes brilhantes. Num total de trinta concorrentes, estamos em 23º lugar.

Não me venham com as explicações econômicas de sempre. “Nêfte paíf”, recordista mundial de professores universitários per capita (um para cada oito alunos), a classe dos intelectuais subsidiados prospera dia-a-dia desde que a USP chegou ao poder com Fernando Henrique e nunca mais saiu de cima de nós. Os dois fatores estão interligados. À progressiva míngua de talentos corresponde o vigoroso crescimento da máfia intelectual ativista. “Ativista” não quer dizer mentalmente ativo, mas “politicamente participante”, isto é, o sujeito que tem a generosidade de ocupar quantos cargos públicos lhe ofereçam, de embolsar todas as verbas estatais disponíveis e de assinar todos os manifestos que se publiquem em favor de pessoas envolvidas solidariamente nas duas tarefas anteriores.

Desde o tempo de O Imbecil Coletivo, já documentei tão amplamente a inépcia grotesca das figuras mais badaladas da intelectualidade nacional, que oferecer novas provas seria redundância. Mas não resisto a apontar o exemplo do prof. Roberto Mangabeira Unger, que de certo modo condensa na sua desengonçada pessoa todo esse fenômeno sociológico.

Outro dia, rememorando Platão, escrevi que filósofo é o indivíduo que tenta encontrar um princípio de ordem na sua própria alma e então – só então – diagnosticar ou mesmo tentar curar a desordem do mundo. Com essa idéia na cabeça, tomei um susto quando li a declaração do supracitado Mangabeira: “Para ajudar a transformar o Brasil, em primeiro lugar tenho que transformar a mim mesmo.”

Será que o Mangabeira virou filósofo após tê-lo parecido tão bem?, perguntei. Na continuação, porém, o iluminado esclarecia o sentido da transformação interior a que almejava: “Sou um homem sem charme num país de charmosos. Isso é uma séria complicação. Eu preciso aprender a ter charme.”

Platão, logo após seu fracasso político juvenil, descobriu que não estaria apto a orientar governantes enquanto não encontrasse dentro de si a raiz que o ligava ao fundamento último da existência. Tal foi a meta a que dirigiu seus esforços de uma vida inteira. O guru presidencial, em contraste, sente que para o desempenho de suas altas responsabilidades não lhe falta senão o que pode haver de mais exterior e efêmero. Sem querer, ele enuncia aí o princípio supremo da pedagogia filosófica nacional, que Machado de Assis já havia resumido na “Teoria do Medalhão”: o ser é nada, o parecer é tudo. Tal é a distância que separa Atenas de Brasília.

Guiada por tipos que não são nem mesmo o Mangabeira Unger mas aspiram a sê-lo quando crescerem, a inteligência brasileira entrou em parafuso, veio ao solo e, rompendo-lhe a superfície, mergulhou na treva infernal da estupidez auto-satisfeita. Desde então nossas universidades, sustentadas pelo dinheiro público, despejam anualmente no mercado milhões de imbecis qualificados para a devoção ao Che, o consumo de drogas e o culto emocionado da sua própria superioridade moral, medida pela raiva assassina que sentem do restante da espécie humana. Nessas condições, a educação nacional, hoje em dia, só se distingue do crime organizado porque o crime é organizado.

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