Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 14 de agosto de 2012
Praticamente tudo o que se lê na mídia brasileira sob o rótulo de “análise política” não passa da elaboração apressada de fatos que o comentarista extraiu da própria mídia. É a imagem popular do mundo maquiada na linguagem do manual de redação. Nada mais.
Não é uma coisa séria. É show business, é diversões públicas, é circo. Não existe para orientar o leitor, mas para mantê-lo satisfeito com um estado habitual de desorientação no qual ele se sente informadíssimo e repleto de certezas.
Análise política séria supõe informações ao nível dos melhores serviços de inteligência, trabalhadas por uma consciência longamente adestrada na meditação da História, da filosofia e da ciência política.
Isso está tão acima das possibilidades do comentarista vulgar que, confrontado com algo do gênero, o infeliz se sente perplexo ante o inusitado e reage com aquela típica irritação neurótica da burrice humilhada.
Em tal circunstância, exclamações de “teoria da conspiração!” emergem da sua boca quase que por reflexo condicionado.
Chamar uma idéia de “teoria da conspiração” não é refutá-la, é apenas xingá-la. Xingar é o que você faz quando chegou ao último limite da sua capacidade e não conseguiu nada. (Favor não confundir xingamento com palavrões humorísticos usados para fins de sátira nos momentos apropriados.)
Diagnósticos de paranóia, de visão delirante, aos quais também muitos recorrem nessas ocasiões, só valem quando embasados em algum conhecimento de psicologia clínica, que invariavelmente falta a quem usa desses termos como descarga de um sentimento de inferioridade insuportável.
Não por coincidência, análises sérias, tão escassas nas páginas de política, não faltam naquele setor especializado do jornalismo que se dedica à economia e aos investimentos. É que o público dessa seção é exigente, conhece o assunto, paga bem e quer opiniões sólidas. Não é um bando de sonsos em busca de alívio.
Nenhum empresário ou investidor aceitaria como analista econômico um amador que tivesse como única ou predominante fonte de informações a própria mídia popular na qual escreve. Mas o amador assim descrito é a própria definição do que se entende por “analista político” no Brasil. É um sujeito que não conhece os clássicos da filosofia política, não lê revistas científicas da sua área, não tem a menor idéia de como funcionam os serviços secretos dos diversos países, não pesquisa fontes de informação discretas, e, enfim, acredita que o mundo é realmente como sai na mídia. Pratica, em resumidas contas, aquilo que um jornalista de verdade, Rolf Kuntz, chamava de autofagia jornalística: escreve nos jornais aquilo que leu nos jornais.
Quando digo que isso é “praticamente tudo”, e não “tudo”, é porque, descontados dois ou três sobreviventes do jornalismo às antigas, há ainda um segundo grupo de exceções notáveis: são os desinformantes profissionais ou agentes de influência. Pagos por organizações partidárias, por governos estrangeiros, por elites bilionárias ou por organizações revolucionárias internacionais (fontes que às vezes se mesclam e se confundem), mentem mais que a peste, mas mentem com método, segundo um plano racional, às vezes sofisticadíssimo, que o analista habilitado discerne nas entrelinhas e que é, por si, informação fidedigna, às vezes da mais alta qualidade.
Esses profissionais da desconversa são raros, mas não inexistentes na mídia nacional. É preciso muita prática para distingui-los da massa dos seus papagaios e clones, que aceitam as mentiras deles por hábito e as repassam por automatismo. Quando uma informação falsa se tornou de domínio público, é quase impossível rastrear-lhe a fonte, a qual só aparece, quando aparece, na rara hipótese de um agente arrependido dar com a língua nos dentes, quase sempre trinta ou quarenta anos depois de a coisa ter perdido toda importância estratégica.
A ocorrência desses casos permite medir a confiabilidade média do jornalismo político, quase matematicamente, pelo tempo decorrido entre o engodo inicial e o reconhecimento público do engano quando o autor da façanha, ou a revelação de documentos reservados, finalmente fornece à classe jornalística os meios de corrigir-se.
Por exemplo, a onda de pânico da mídia européia ante a “ameaça neonazista” na Alemanha cessou quando, com a reunificação do país, os documentos da Stasi vieram à tona, mostrando que os principais movimentos neonazistas na Alemanha Ocidental e até alguns nas nações vizinhas eram fantoches criados e subsidiados pelo governo comunista da Alemanha Oriental para despistar operações de terrorismo e assassinatos políticos (o atentado ao Papa João Paulo II foi um caso típico: leiam The Time of the Assassins de Claire Sterling e Le KGB au Coeur du Vatican, de Pierre e Danièle de Villemarest).
E no Brasil? Foi em 1973 que o ex-chefe da inteligência soviética no Rio de Janeiro, Ladislav Bittman, confessou ter sido, em 1964, o inventor e disseminador da lenda de que o golpe militar fôra tramado e subsidiado pelo governo americano. Como, decorridos vinte e oito anos da revelação, ninguém na mídia tupiniquim desse o menor sinal de desejar corrigir o engano geral, escrevi um artigo em Época para lembrar aos colegas que antes tarde do que nunca (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/sugestao.htm). Mais onze anos se passaram desde então, e até hoje a conversa de que “o golpe começou em Washington” ainda reaparece nos nossos “grandes jornais”, a intervalos regulares, no tom de verdade consagrada. Credibilidade, neste país, é isso.