Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 15 de janeiro de 2009

O que está acontecendo na grande mídia americana é aterrorizante, para quem percebe. Exagero? Teoria da conspiração? Um exemplo recente permitirá que você julgue e tire suas próprias conclusões.

Quando o governador de Illinois foi acusado de leiloar a vaga do sucessor de Barack Obama no Senado, a primeira pergunta que veio à mente das autoridades policiais foi se o presidente eleito havia colaborado com o esquema, ou pelo menos sabia de alguma coisa. Não houve como esconder a dúvida, não só porque ela vinha diretamente da promotoria, mas também porque, semanas antes, um dos principais assessores da campanha obamista, David Axelrod, havia mencionado em entrevista um encontro recente entre Obama e o governador Blagojevitch. Logo veio a resposta calmante do próprio Obama, obtida, segundo ele, após uma rigorosa investigação interna, e alardeada por toda a mídia como solução final do enigma: Não, nem ele próprio, Obama, nem qualquer membro de sua equipe tivera qualquer contato com Blagojevich. Axelrod apressou-se a confirmá-lo, jurando que sua primeira declaração fora apenas um equívoco. Feito isso, a mídia inteira anunciou, para alívio geral dos crentes, que a derrocada do governador de Illinois não manchava em nada a honra do Messias ungido.

Insatisfeita com essa solução demasiado fácil, a ONG Judicial Watch intimou o governo de Illinois, pelo Freedom of Information Act, a liberar todos os registros oficiais de quaisquer contatos recentes do governador com Barack Obama ou membros da sua equipe. O que veio em resposta foi assombroso, para dizer o mínimo: uma carta em papel timbrado da equipe de transição, assinada pessoalmente por Barack Obama, na qual este agradecia a Blagojevich pelo encontro que haviam mantido na Filadélfia em 2 de dezembro, apenas uma semana antes de o governador de Illinois ser preso. Pior: da conversa não haviam participado apenas Obama e Blagojevich, mas também o vice-presidente eleito, Joe Biden. O documento pode ser lido em

http://www.judicialwatch.org/documents/2009/BlagojevichFOIAresponse122408.pdf. É a prova oficial, cabal, de que Obama mentiu.

Pois bem, sabem quantos jornais noticiaram isso até agora? Nenhum. Quantos noticiários de TV? Nenhum. Silêncio completo, proteção total à imagem do queridinho. Não importa quantos documentos venham à tona, não importa quantos fatos sejam revelados e bem provados, não importa quantos crimes e contravenções o sujeito tenha praticado, nem uma palavra contra ele será lida ou ouvida na mídia chique. O abismo entre noticiário e realidade tornou-se imensurável, intransponível. Com uma unanimidade esmagadora, os repórteres, editores e comentaristas mentem, sonegam, falsificam, desconversam e, com um cinismo chocante, riem de quem tente praticar o jornalismo à moda antiga, o jornalismo de fatos e documentos, que, com os dias contados, sobrevive apenas na internet e nas estações de rádio. Nada do que se tenha observado anteriormente nas democracias ocidentais em matéria de falsificação e manipulação de notícias se compara a esse bloqueio completo e implacável, só igualado pela censura totalitária nos países comunistas, com a diferença de que esta era imposta pelo governo, ao passo que aquele nasce de uma cumplicidade voluntária – de tipo sistêmico, não conspiratório, exatamente como previsto por Antonio Gramsci.

Mais do que a própria eleição de Obama, esse fenômeno assinala uma mudança histórica, destinada a ter conseqüências devastadoras em escala mundial. Décadas de doutrinação universitária fundada na premissa de que não existe realidade, somente “imposição de narrativas”, produziram o efeito a que aspiravam: chegou ao poder nas redações uma nova geração de jornalistas profundamente imbuídos da convicção de que seu dever não é retratar o mundo, mas transformá-lo. Ao distinto público, correspondentemente, incumbe deixar-se arrastar pela mudança sem saber de onde ela vem nem para onde vai. Se a cortina de trevas vai permanecer cerrada por mil anos ou apenas por uns dois ou três, não sei. O que é certo é que ela já baixou sobre a terra que foi um dia a da liberdade de imprensa.

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