Por Maria Lúcia Victor Barbosa
27 de julho de 2002
Quando A deseja provocar determinado comportamento em B sem manifestá-lo explicitamente, e B obedece sem se dar conta de que está se comportando exatamente como A deseja, estabelece-se o que se chama de manipulação. Como elemento do poder, a manipulação é uma das mais insidiosas forma de domínio, pois prescinde de qualquer legitimação ou argumentação e não tem face, sendo instrumento de controle capaz de obter a obediência incondicional, inclusive, de grande parte da sociedade.
A manipulação difere da persuasão, porque neste tipo de controle é utilizado um arsenal de argumentos como técnica de convencimento, ainda que possam ser na sua maioria ilusórios.
As eleições, se bem observadas, são como palcos de persuasivos candidatos convertidos em prestidigitadores que prometem benefícios tais, que se postos em prática converteriam a terra em paraíso.
Convém aqui relembrar que os meios de comunicação, notadamente a televisão, constituem-se em poderosos instrumentos de manipulação e de persuasão, sendo na atualidade os maiores formadores não só de opinião como de comportamentos, hábitos e atitudes. A partir daí, infere-se que a mídia colabora como nenhum outro tipo de controle social para o processo de massificação da sociedade. O resultado é que temos cada vez mais uma sociedade de massas e menos uma sociedade de públicos seletos e capazes de opinião própria.
Este fenômeno pode explicar a força do Quarto Poder, ou seja da mídia, cuja força política repousa no fato de que é capaz de dar “vida” ou “morte” aos políticos. Mesmo porque, é esse Poder que faculta ao político o espaço público sem o qual ele não existiria perante aos eleitores ou, uma vez eleito, diante dos governados.
Forma-se desse modo uma situação em que, sendo refém do Quarto Poder, o homem público tem ao mesmo tempo como meta dominá-lo, para fazer dele o instrumento privilegiado de suas ambições. Os que conseguem concessões de rádios e televisões ou propriedade de jornais, têm em mãos imensas vantagens. Os que não chegam a obter tanto, especialmente em campanha, valem-se da imagem cuidadosamente trabalhada pelo marketing, da oratória que procura convencer através da crítica veemente ou de promessas impossíveis de serem cumpridas mas agradáveis de se ouvir. Quanto aos que governaram ou governam, sempre tiveram com relação ao Quarto Poder a coabitação capaz de lhes possibilitar a extensão possível do seu domínio.
Sem esquecer o rádio, lembremos que Hitler, por exemplo, usou e abusou desse “medium quente”. Em Mein Kampf ele escreveu: “Toda campanha deve determinar seu nível intelectual de acordo com a compreensão do mais limitado dos indivíduos”. Dos governantes franceses, De Gaulle foi o que mais se notabilizou no uso do microfone, pois o sabia fazer com inigualável carisma. Nos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt foi um dos que mais soube usar o rádio como arma política.
Por isso se anda dizendo tanto que as eleições de 6 de outubro ainda não estão definidas, pois se aposta no programa eleitoral que começa em agosto. Naturalmente, continuarão a ter as honras de superstar os candidatos à presidência da República. O resto será coadjuvante.
Com relação aos presidenciáveis, que se esmeram em persuadir e manipular, note-se que todos gostam de ostentar que são de centro-esquerda (ou seriam centro-avantes?); há neles um falso ufanismo que os faz dispensar através da retórica populista o capital externo, como se o país fosse uma ilha e pudéssemos viver sem este recurso; e todos prometem mudar desde que façam o que atual governo faz ou que a oposição – sobretudo o PT – não deixou fazer.
No festival de persuasão e manipulação em que vai se convertendo cada vez mais a campanha, o Quarto Poder usa e é usado, e poucos eleitores saberão distinguir a mentira da verdade. Como escreveu o jornalista L.H. Mencken, “a verdade é uma mercadoria que as massas não podem ser induzidas a comprar”. Ele explica que assim o é, porque “as idéias que entopem a cabeça do cidadão normal são formuladas por um mero processo de emoção”. Sintetizo o pensamento de Mencken, dizendo que faltam-nos públicos esclarecidos e racionais. Mas para ser justa, preciso mencionar que também nos faltam bons candidatos.
Assim encerro sem saber se um dia nos livraremos da síndrome latino-americana, cujos sinais mais evidentes são o estatismo, o populismo, o nacionalismo xenófobo, o paternalismo que mantém os pobres sempre pobres e esse vezo esquerdista que me faz lembrar o saudoso Roberto Campos. Ele dizia que no Brasil se é socialista como pessoa física e capitalista como pessoa jurídica. Em todo caso, pelo socialismo tupiniquim assumido pelos candidatos à presidência da República, qualquer um deles que vença ainda vai fazer muita besteira.
Ah, meu Brasil, tão rico e ao mesmo tempo tão pobre, quando o gigante adormecido se levantará do berço esplêndido?
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga, escritora e professora universitária.
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