Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 5 de outubro de 2009

O melhor resumo didático da crise hondurenha está no site de Reinaldo Azevedo, http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/a-crise-hondurenha-desenhada-em-15-fatos-nao-se-deixe-enrolar. As melhores atualizações, em http://www.heitordepaola.com e no Notalatina, de Graça Salgueiro: http://notalatina.blogspot.com/2009/09/o-notalatina-volta-abordar-situacao-de.html. E uma das melhores análises jurídicas que tenho lido a respeito está em http://noticias-da-web.blogspot.com/2009/09/para-entender-o-que-se-passa-em.html, assinada por Mauro Demarchi, que não tenho a menor idéia de quem seja mas é obviamente um sujeito sério.

Se você quer saber mesmo o que está acontecendo, é isso o que tem de ler.

Há quem prefira, no entanto, outra espécie de alimento jornalístico. As lendas mais fabulosas, as desculpas mais esfarrapadas, as desconversas mais escorregadias, distribuem-se uniformemente entre as páginas da Folha, do Globo e do Estadão. Porém a vigarice em estado puro, aquela inversão completa da realidade, aquela falsificação radical que só pode nascer de um composto indissolúvel de estupidez impérvia e mendacidade compulsiva, só se encontra mesmo é na página oficial do PT. Se é isso o que você quer, não aceite imitações: vá direto ao produto original.

Aí pode-se ver, por exemplo, em http://www.pt.org.br/portalpt/index.php? option=com_content&task=view&id=82390&Itemid=201, o sr. Aloizio Mercadante proclamar ante um cândido mundo que:

1. O governo brasileiro, como um marido traído, foi o último a saber do retorno de Manuel Zelaya a Tegucigalpa (veja em Notalatina a gravação de Zelaya confessando que tudo foi tramado desde o início com Lula e Celso Amorim).

2. O governo Lula só recebeu Zelaya porque é do seu costume respeitar o direito de asilo (o Itamaraty diz que Zelaya não é asilado de maneira alguma.)

3. A derrubada de Zelaya não pode ter tido qualquer amparo constitucional além de um improvisado simulacro, já que “a ação se iniciou e se encerrou em menos de 24 horas” (veja na análise de Demarchi as providências legais que vieram se sucedendo desde maio).

Porém ainda mais instrutivas são as lições do sr. Gabriel Puricelli, que se apresenta – no meu entender com justíssimas razões – como “co-cordenador” de alguma coisa (o leitor incrédulo pode tirar a dúvida em
http://www.pt.org.br/portalpt/index.php?option= com_content&task=view&id=82320&Itemid=201).

Sendo público e notório que o governo nega qualquer envolvimento na produção de “Zelaya II – O Retorno”, o título que o referido dá ao seu artigo – “Zelaya e a aposta ousada de Lula” – é um autêntico ato falho freudiano, pois ninguém pode apostar em nada depois de feito o lance, nem aliás antes disso se nada sabe a respeito. Há uma evidente falha de co-coordenação entre a propaganda federal e a editoria da página petista, ou então entre o que o sr. Puricelli pensa que escreve e aquilo que ele escreve realmente.

Uma forte evidência em favor desta última hipótese vem no seguinte parágrafo:

“Com certeza, se há uma definição de ‘pária’, ela tem em Micheletti o exemplo máximo: nem Saddam Hussein, nem a Coréia do Norte, nem talvez o regime genocida sudanês sofreram um bloqueio tão absoluto do acesso à ajuda das relações exteriores, do reconhecimento diplomático mesmo, como o que enfrentam os golpistas hondurenhos.”

Dessa confissão explícita de que as pressões internacionais contra Honduras são desproporcionais e excessivas, o cérebro humano comum tiraria normalmente a conclusão de que os hondurenhos estão sofrendo injustiça. Mas não é assim que o sr. Puricelli co-coordena as suas idéias. Do excesso de punição infligido aos hondurenhos ele conclui que estes últimos são mesmo uns reaças obstinados e ardilosos, contras os quais nada melhor que a “jogada brasileira”, expressão com que, pela segunda vez, ele desmascara inadvertidamente o governo que elogia. No vasto mostruário de exemplos de lógica invertida, com que tenho caracterizado a mente revolucionária, esse não é decerto o mais brilhante, mas é um dos mais nítidos, na singeleza tocante da sua literalidade. Estou pensando até em trocar o nome “lógica invertida” pelo de “co-coordenação”, muito mais expressivo e, digamos assim, material.

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