Leituras

Mais um moralista sem consciência moral

Olavo de Carvalho

15 de agosto de 2011

Ao sustentar com pelo menos duas mentiras grossas a sua opinião de que Júlio Severo é “um lobo em pele de cordeiro”, o colunista Thiago Lima Barros, do site Genizah, cometeu, com toda a evidência, os crimes de difamação e calúnia.

Difamação, porque atribuiu a Severo condutas vexaminosas que teriam sido testemunhadas coletivamente pelos fiéis de uma igreja… onde Severo nunca esteve nem por uma fração de segundo.

Calúnia, porque lhe imputou ato criminoso que ele nunca praticou nem poderia ter praticado. Segundo Barros, que alega ter ouvido a história de “pessoas da convivência” de Julio Severo cujos nomes ele omite, um dos filhos menores do escritor teria sido visto com marcas de sevícias pelo corpo, testemunhadas por professores e funcionários da escola que freqüentava em Niterói. O detalhe significativo é que o menino jamais foi matriculado naquela escola, nem aliás em qualquer outra: não freqüentou escola nenhuma nem mesmo em pensamento, tendo sido sempre educado em casa pelo pai, adepto ferrenho e intransigente do homeschooling.

Pego em flagrante delito, o colunista publicou um arremedo de resposta, no qual joga rapidamente as culpas sobre as “fontes” que o teriam informado mal e, sem demora, passa a falar de outra coisa, como se o crime fosse um nada, e menos que um nada a honra ferida do Sr. Júlio Severo.

Pregador de moralidade sem consciência moral bastante para discernir sequer entre condutas lícitas e criminosas, alma endurecida de orgulho que se recusa obstinadamente a pedir desculpas quando acusa um inocente, desconversador cínico que julga poder ocultar seus crimes sob uma imitação grotesca de pureza evangélica, o Sr. Barros é, sob esse aspecto, um irmão espiritual do Sr. Sidney Silveira, a disparidade dos seus respectivos cultos provando apenas que, no Brasil, a canalhice se distribui igualitariamente, democraticamente, entre os representantes autodesignados da Igreja católica e os da reformada.

Mas o que torna o segundo escrito do Sr. Barros tão criminoso quanto o anterior é o fato de que, tendo de início citado apenas fontes anônimas e evanescentes, ele procura agora esconder-se por trás dessas figuras sem rosto, artifício inaceitável em qualquer legislação processual do mundo, dando-nos com isso mais uma prova da intenção dolosa com que tentou enlamear a reputação de Júlio Severo.

Mais: as fontes invisíveis que teriam informado mal o Sr. Barros são duas, distintas e separadas entre si: de um lado, a platéia da tal igreja; de outro, pessoas próximas da família Severo. Pretende o Sr. Barros fazer-nos acreditar que, por mera coincidência, foi enganado ao mesmo tempo, e no mesmo sentido, por dois grupos de testemunhas falsas sem qualquer conexão um com o outro? Ou, ao contrário, teriam eles tramado em conjunto o plano malévolo de induzir o Sr. Barros propositadamente em erro, para desmoralizá-lo? As duas hipóteses são obviamente artificiosas, mas, fora delas, a única que resta é a seguinte: o Sr. Barros não citou os nomes das testemunhas pelo simples fato de que elas não existem. Foi ele mesmo quem inventou tudo: fatos, testemunhas e desconversas.

Aliás, que desconversas admiráveis! Tendo passado rapidamente por cima do episódio, com a pressa característica do mentiroso que quer logo mudar de assunto para não correr o risco de dar com a língua nos dentes, com que tipo de estofo o Sr. Barros preenche o espaço restante do seu artigo? Com lições de moral! Lições de moral proferidas no tom de admoestação pastoral de quem fala do alto do púlpito, com autoridade apostólica. Se faltam a esse pregador as elegâncias latinas do Sr. Silveira, sobra-lhe, em compensação, o dom cênico da fala empostada, com direito ao característico vibrato eclesial na língua para os trechos mais pungentes. Tudo para desviar as atenções de um crime pelo qual o apóstolo não quer pedir desculpas. Se todo mundo tem direito a quinze minutos de fama, o Sr. Barros conquistou galhardamente os seus com esse momento memorável nos anais do tartufismo universal.

Não vou nem discutir os julgamentos morais com que o articulista exibe a um estupefato mundo as virtudes da sua alma cristianíssima em contraste com a impiedade de Júlio Severo. São opiniões sem nenhuma importância, que só estão ali para desviar as atenções.

Mas não resisto a fazer uma observação sobre a linguagem em que foram escritas.

No tempo em que existia literatura no Brasil, quando as pessoas adestravam seu senso do idioma lendo Manuel Bandeira, Marques Rebelo, José Geraldo Vieira e Graciliano Ramos, os escritos dos srs. Silveira e Barros não resistiriam à audição de seus primeiros parágrafos, revelando de imediato, pela mistura característica de afetação e tosquice, a baixa qualidade das almas que os produziram.

Hoje em dia, quando até mesmo os portadores de diplomas universitários têm a sensibilidade literária de um macaco-prego, o tom beato, santarrão e desesperadoramente kitsch desses produtos da mais pura estupidez pomposa vale como prova de autoridade moral, precisamente porque corresponde ao estereótipo vulgar da fala “religiosa” e porque a distinção entre realidade e caricatura se tornou imperceptível.

Em épocas de confusão e loucura, o lixo sobe do fundo da sociedade para os altos postos. Isso ocorre não só na política como também na educação, na vida intelectual e na religião.

P. S. – Talvez por não confiar muito na eficácia do seu ensaio de desconversa, o Sr. Barros logo produziu mais um. Ele tenta agora encobrir os seus crimes sob a alegação de que Julio Severo só combate o movimento gay por ser ele próprio homossexual enrustido. Bem, se o Sr. Barros pode saber tanta coisa da vida familiar de Júlio Severo por fontes inexistentes, por que não pode conhecer também os seus desejos sexuais secretos por meio de adivinhação à distância? Como o sabe qualquer menino de escola surpreendido em flagrante traquinagem, o desespero de fugir do assunto é um poderoso estímulo à criatividade.

Richmond, 15 de agosto de 2011

Frutos do divino magistério

Olavo de Carvalho

26 de julho de 2011

Estou impressionadíssimo com a qualidade moral e intelectual dos discípulos do Sr. Silveira, fruto do seu divino magistério, que eles exibem com admirável candura e despudor nos comentários do Mídia Sem Máscara e nos posts do Facebook.

Desde logo, provam sua fidelidade ao mestre pela renitência obstinada com que, imitando seu exemplo, fogem ao assunto inicial da discussão e semeiam em torno dele a mais pujante florescência de desconversas que já se viu brotar neste país desde que alguém cobrou do ex-presidente Lula explicações sobre o Mensalão.

Imitam-no também na desenvoltura com que, para encobrir sob uma cacofonia de grunhidos e uivos infernais uma simples e direta imputação criminal, recorrem ao expediente de atribuir ao queixoso os piores vícios e defeitos, chegando a vasculhar com curiosidade malsã a sua vida de família e a bradar, com os olhos esbugalhados de santa cólera, contra pecados de fornicação que ele teria cometido 45 anos atrás, como se isto tivesse algo a ver com o caso e como se um crime de difamação pudesse ser lavado por uma enxurrada de novos crimes.

Imitam-no, por fim, no ar de santidade sublime com que, ao infringir vezes sem conta o Art. 180 do Código Penal, fingem estar fazendo isso por puro zelo pela Casa do Senhor, supostamente abalada em seus alicerces pelos meus ensinamentos heréticos e blasfemos. Tentam até mesmo dar a impressão de que era isso o que se discutia desde o começo, e não a simples falsificação proposital do sentido de um texto, operada pelo Sr. Silveira com a finalidade ostensiva de indispor contra mim, por motivos falsos, os fiéis católicos e se possível a hierarquia da Igreja também.

Segundo um livro que li recentemente, a introdução repentina de um capitalismo sem lei, favorecendo mediante desvio de verbas do Estado a ascensão generalizada de gangsters à condição de empresários, teve um efeito deletério na mente do povo russo, tornando-o incapaz de distinguir entre condutas legais e ilegais.

Os ensinamentos do Sr. Silveira produziram o mesmo efeito na mente de seus discípulos, em prazo mais curto e com investimento em dinheiro consideravelmente menor.

Pelos frutos os conhecereis.

Richmond, 26 de julho de 2011

Sujeitinho obstinado

Olavo de Carvalho

22 de julho de 2011

A coisa mais fácil do mundo seria o Sr. Sidney Silveira reconhecer o óbvio e publicar no Contra Impugnantes uma notinha: “De fato, alterei o sentido das palavras do Sr. Olavo de Carvalho e com isso arrisquei trazer dano injusto à sua reputação. Desculpe o vexame. Assunto encerrado.”

Lembro-me de ter cometido pecado similar, não por intenção maliciosa mas por genuína ignorância palpiteira, contra o falecido general Hélio Ibiapina, então vivo e presidente do Clube Militar. Repassei levianamente uma história que ouvira de gente de esquerda, acusando-o de haver torturado o líder comunista Gregório Bezerra. Ele veio falar comigo, provou que eu havia feito caca, e não tive remédio senão pedir desculpas em público, o que não é desonra nenhuma, é aliás o contrário de uma desonra.

Mas o Sr. Silveira tem aquela inflexibilidade do pecador obstinado, que, quando pego de calças na mão, se enrijece de orgulho e, subindo um pouco mais alto na escala da sua santidade imaginária, dispara contra o queixoso uma saraivada de dogmas da fé perfeitamente alheios ao caso e, por isso mesmo, tanto mais impressionantes.

Na platéia de seus leitores – que los hay, los hay –, não faltaram vozes de apoio para secundá-lo, repetindo o truque com fidelidade admirável, contornando meticulosamente o fato concreto e desdobrando-se nas mais lindas considerações doutrinais contra o capitalismo, a liberdade de consciência, a fenomenologia de Husserl, o modernismo teológico e não sei mais quantas coisas das quais me imaginavam o representante e porta-voz oficial.

É como se eu, surpreendido pela empregada de casa em flagrante punheta no sofá da sala, convocasse meus amigos para esmagar a infeliz testemunha sob uma tempestade de citações da Suma Teológica em latim.

É um tanto deprimente ter de lembrar a essa legião de sábios teólogos que os defeitos da vítima, reais ou imaginários, não autorizam ninguém a infringir contra ela o Oitavo Mandamento. Aliás, se cometi tantos erros, se tão rico e variado é o repertório dos meus pecados, para que inventar mais um, acusando-me logo daquilo que não fiz?

Se o Sr. Silveira confessasse ter lançado contra mim uma acusação falsa, recuperaria ao menos um pouco de credibilidade para alegar, em seguida, que as demais acusações eram verdadeiras.

Agindo como agiu, só conseguiu desmoralizar a todas elas de uma vez, emporcalhando-as com a mancha do falso testemunho e poupando-me o trabalho de desmentir uma a uma.

Nova demonstração de sua renitente soberba forneceu-nos ele ao anunciar a premiação de um leitor no Concurso Santo Palavrão, sem mencionar nem por alto o fato de que essa premiação trazia consigo a total desmoralização do próprio concurso enquanto tentativa de humilhar um “filósofo boca-suja”.

Não custava nada o sr. Silveira reconhecer: “É, eu estava errado. Santos dizem palavrões, sim. O filósofo boca-suja não está necessariamente excluído da glória eterna só por ter usado expressões medonhas como S. Francisco e S. Thomas More também usaram.”

Mas não. Ele não pode dar o braço a torcer. Não pode recuar um só milímetro da pose de infalibilidade, ostentada em atos e feitos que as proclamações verbais de humildade não atenuam nem um pouco. Anunciando a premiação sem comentários, dá a entender que ela não significa nada, e sai assobiando com o ar mais inocente do mundo, como se a coisa não fosse com ele.

Até onde irá esse professor de doutrina na sua obstinação insensata de mostrar que na vida real, fora da confortável esfera das citações eruditas, não entende uma só palavra dos mandamentos divinos?

Richmond, 22 de julho de 2011

P. S. – Ao fim de uma eruditíssima nota na qual novamente foge do fato para o reino encantado das discussões doutrinais, o Sr. Carlos Nougué, anunciando desmantelar um “sofisma”, declara: “Se, como alguns querem fazer crer, o tratar os outros por nomes obscenos se justificaria pelo fato de São Thomas Morus tê-lo feito a alguma altura de sua vida, então também o cometer adultério se justificaria pelo fato de Santa Maria Madalena tê-lo cometido a alguma altura de sua vida.” Sofisma, mesmo, é isso. S. Thomas More usou de palavrões numa polêmica contra a rebelião luterana, e não consta que Sta. Maria Madalena cometesse adultério em defesa da Igreja. Nougué, largue de palhaçada teológica e arranje um emprego decente.

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