Leituras

Apelo urgente de Olavo de Carvalho a seus leitores brasileiros

Olavo de Carvalho

Prezados amigos,

Desde que cheguei aos EUA, em maio de 2005, assumi como dever pessoal, fora e independentemente do meu trabalho de correspondente jornalístico e da preparação do livro A Mente Revolucionária, informar ao maior número possível de jornalistas, intelectuais, empresários e políticos americanos a verdade sobre o estado de coisas no Brasil, a abrangência dos planos do Foro de São Paulo, a aliança entre partidos de esquerda e organizações criminosas, a colaboração ativa e essencial do governo Lula na revolução continental cujas personificações mais vistosas são Hugo Chávez e Evo Morales.

Continuo firme nesse empenho até hoje. Ele consome, de fato, a maior parte do meu tempo.

O objetivo imediato é conscientizar a elite americana da loucura que faz ao dar suporte político, jornalístico e financeiro a organizações latino-americanas de esquerda que, por baixo de uma persuasiva máscara democrática e legalista, conspiram com o Foro de São Paulo para a disseminação do caos revolucionário no continente.

A intenção última, talvez irrealizável mas nem por isto menos obrigatória moralmente e digna do esforço, é atenuar ao máximo o fluxo de uma ajuda bilionária sem a qual a revolução comunista na América Latina morreria de inanição.

Bem sei que, entre os componentes da referida elite, muitos ajudam o comunismo latino-americano de maneira consciente e deliberada, movidos pela convicção pessoal, pela vaidade, pela estupidez pura e simples ou, o pior de tudo, pelas vantagens que assim pretendem obter para a consecução de seus próprios planos estratégicos, de envergadura incomparavelmente mais vasta que os do Foro de São Paulo.

Com essa parcela da elite não adianta nem conversar, é claro. Mas há centenas de organizações conservadoras, leigas, cristãs e judaicas, que ludibriadas por falsa informação acabam permitindo que o potencial da sua boa-fé e os dons da sua generosidade sejam desviados para finalidades que atentam contra seus próprios valores e princípios. Há também órgãos do próprio governo americano, que, induzidos a trabalhar nesse sentido por administrações federais anteriores pró-esquerdistas, continuam, pela força da rotina burocrática, a apoiar aquilo que deveriam combater.

Essa situação anormal e doentia resulta de um trabalho de muitas décadas feito aqui pelo lobby esquerdista internacional, cujos agentes lograram se infiltrar por toda parte, dominando ostensivamente os órgãos culturais do governo e a grande mídia das capitais, e camufladamente atuando até mesmo dentro de organizações conservadoras.

A política oficial do governo de Washington, de dar apoio à “esquerda moderada” na esperança de que sirva de barreira às ambições da “esquerda radical”, é fundada inteiramente em desinformação proposital espalhada há décadas por entidades poderosas como o CFR e as fundações Rockefeller, Ford e Soros. Nos últimos anos, uma crescente onda de revolta contra essas entidades espalhou-se entre a maioria conservadora. Informações longamente ocultadas sobre seus planos e atividades começam a jorrar na mídia conservadora e a ser discutidas abertamente nos think tanks. O momento é propício para mostrar que, entre as inumeráveis mentiras com que essas macro-organizações manipularam a opinião pública americana, havia algumas sobre o nosso país e os nossos políticos. Só para vocês fazerem uma idéia de até onde vai o cinismo dessa gente, o CFR nomeou, para chefe da sua Força-Tarefa encarregada de influenciar a política de Washington para com o Brasil, nada menos do que o sr. Kenneth Maxwell, aquele mesmo que, usando da sua suposta autoridade de “especialista”, tentou persuadir o Brasil de que o Foro de São Paulo nem sequer existe.

Há no Brasil pessoas ambiciosas e iludidas que acreditam poder influenciar o governo americano por meio de contatos diretos com o Departamento de Estado e a presidência da República. Tolice. Primeiro: os EUA não são o Brasil, onde o Executivo pode mudar o curso das coisas a seu belprazer. Aqui, tudo depende de longas discussões, da conquista dos corações e mentes da elite formadora da opinião pública, do exercício, em suma, da democracia. No Brasil, já nem sabem o que é isso. Imaginam que Bush é um Lula de direita. Segundo: tanto Bush quanto Condoleezza Rice podem ser conservadores o quanto queiram na intimidade das suas almas, e não tenho motivo para duvidar da sinceridade de um nem da outra; mas o fato é que são ambos membros do CFR e têm suficiente amor às suas carreiras para não cuspir muito ostensivamente no prato em que comeram. Eles só mudarão a orientação da política de Washington para com a América Latina se sentirem que têm respaldo para isso nos órgãos formadores da opinião republicana. Convencê-los pessoalmente é desnecessário e inútil. Provavelmente já estão até convencidos. O importante é convencer suas fontes de apoio. Ninguém vai conseguir nada com cochichos de gabinete. Isto aqui não é uma republiqueta, onde tudo se obtém pela amizade do chefão. Democracias simplesmente não funcionam assim. O que tem de ser feito é público e aberto.

Contra o trabalho consolidado de centenas de ONGs esquerdistas que aqui operaram durante décadas até obter o controle quase total do fluxo de informações sobre o Brasil na grande mídia, vejo que estou praticamente sozinho. Sozinho e sem recursos. Minha sorte é que (1) nos think tanks conservadores existe agora uma fome de informações autênticas sobre a revolução latino-americana; (2) a grande mídia não é tão grande assim: os conservadores dominam os talk-shows de rádio, que alcançam uma faixa de público bem maior que a dos jornais da esquerda chique; (3) como não estou ligado a interesse partidário nenhum, represento somente a mim mesmo e digo apenas aquilo em que pessoalmente acredito, há nesses meios um número enorme de pessoas que acreditam em mim. Nada tem mais autoridade ante uma platéia americana do que a independência individual (justamente aquilo que no Brasil torna o cidadão um virtual suspeito). Desde que cheguei, fiz várias conferências em think tanks, escolas e congressos, despertando o interesse e a franca aprovação de platéias altamente preparadas, nas quais se incluiam pop stars da mídia conservadora, cientistas políticos de excelente prestígio acadêmico e até subsecretários de Estado.

O momento, repito, é propício. O véu da mentira latino-americana está para ser rasgado, e CFR nenhum poderá impedir que isso aconteça.

Aqui aprendi o que é democracia. A democracia não dá liberdade a ninguém. Apenas dá a cada um a chance de lutar pela liberdade. A gente percebe isso, materialmente, na coragem e disposição de combate com que tantos americanos, hoje, se erguem contra o establishment esquerdista chique e não raro conseguem vencê-lo usando os meios postos à sua disposição pelo Estado de direito. Esses meios estão também ao alcance de quem deseje restabelecer a verdade sobre o Brasil.

Não quero me gabar dos resultados obtidos, mas sei que, na mídia conservadora e nos think tanks republicanos, já quase ninguém mais acredita na mentira idiota de que Lula é um antídoto à subversão chavista. Estou consciente de ter contribuído ativamente para sepultá-la. Mais dia, menos dia, notícias do falecimento chegarão ao governo americano, se é que já não chegaram.

Para isso, usei de todos os recursos com que contava: conferências, artigos, cartas, telefonemas, distribuição de provas e documentos, inumeráveis conversações pessoais. De vez em quando coloco no meu site algumas amostras do que tenho feito.

O problema é que tudo isso custa trabalho, tempo e dinheiro. Normalmente, um esforço dessa envergadura deveria ser obra de equipe. Seria preciso ter aqui uma ONG independente, sem ligação com partidos ou “redes”, com um time de conferencistas, redatores, tradutores, relações públicas e fund-raisers, habilitada a fazer o que todas as ONGs fazem: conferências de imprensa, debates, newsletters, mala-direta, um website atualizado diariamente e publicação de livros.

Não dispondo de nada disso, faço tudo eu mesmo. Não tenho nenhuma ONG pelas costas, nenhum patrocinador, nenhum suporte político ou empresarial. Meu visto de jornalista também não permite que eu trabalhe em empresas locais. Tudo o que escrevo e leciono por aqui, é de graça. A totalidade dos meus meios de sustento consiste no salário que me vem do Brasil e na ajuda de dois ou três amigos, sempre os mesmos.

Não estou me queixando. Estou felicíssimo de poder fazer o que faço. Mas faria muito mais, e com resultados incomparavelmente mais velozes, se tivesse algum respaldo financeiro para isso.

O salário que recebo pelo meu trabalho jornalístico é suficiente para dar à minha família uma vida modestamente confortável no interior da Virgínia, onde tudo custa três vezes mais barato (e é dez vezes mais bonito, confesso) do que em Washington ou Nova York. Mas a tarefa de que me incumbi exige muito mais do que posso gastar. Só para vocês fazerem uma idéia, a primeira coisa que fiz em vista dos meus planos foi dar a mim mesmo um curso abreviado de política americana: história, leis, instituições, grupos, pessoas, correntes de idéias. Logo em seguida, formei um cadastro das entidades que podiam ser úteis para o meu objetivo e tratei de me inscrever em várias delas, para poder freqüentar seus encontros, receber suas publicações, etc. Por fim, iniciei um programa de viagens a Washington para contatos pessoais e conferências. Quanto custou isso tudo? Quanto custa formar, em menos de um ano, um especialista em política americana? Quanto custam centenas de livros, dezenas de assinaturas de revistas e subcrições em think tanks, não sei quantas diárias de hotel e alguns milhares de galões de gasolina? Mensalmente, gastei nisso metade ou mais do meu salário, enchendo-me de dívidas, submetendo minha família a sacrifícios humilhantes e incomodando amigos brasileiros com obsessivos pedidos de socorro.

Cheguei a um ponto em que já não posso continuar trabalhando assim. Ou monto uma estrutura de trabalho capaz de concorrer com adversários poderosos, ou trato de buscar um consolo impossível naquela história do passarinho que tentava apagar o incêndio na floresta levando gotinhas de água no bico. Não quero ficar me vangloriando de gotinhas inúteis. Quero fazer alguma coisa que dê resultado. Quero fazer e sei como fazer. E nada melhor para me ajudar nisso do que as contribuições individuais de pessoas que confiam em mim. Incomparavelmente melhor do que apoios institucionais, empresariais e partidários. Elas são um reforço generoso e livre que em nada afeta a minha independência.

Nos EUA, depender apenas das contribuições espontâneas do público aumenta muito a credibilidade de uma campanha, de um jornal eletrônico ou de uma ONG.

A constituição de uma ONG nos EUA é coisa complexa e dispendiosa. Antes mesmo de chegar a isso, preciso de meios para viajar com mais freqüência a Washington, para publicar uma newsletter, para atualizar diariamente o meu site em inglês, para me inscrever em mais instituições, estender meus contatos para outros Estados, freqüentar mais congressos, etc. etc.

Preciso de ajuda já. Não quis pedi-la antes de chegar ao meu limite. Já cheguei. Por favor, me ajudem a salvar a honra do Brasil. Não quero chegar à velhice extrema pensando que vim de um país que se deixou estrangular sem exercer nem mesmo o direito de espernear. Quero exercer esse direito até o fim, com esperneadas vigorosas que pelo menos deixem o assassino da pátria com uma inesquecível dor na bunda.

Adiei o pedido levando em consideração que a tarefa a que me entreguei foi idéia minha, pessoal, germinada em segredo no meu cérebro maligno, sem pedido ou sugestão de quem quer que fosse. Ninguém, fora eu mesmo, tem a mínima quota de responsabilidade nela. Muito menos, é claro, os jornais que me empregam. Cumpro meus deveres profissionais, vou escrevendo o meu livro e me entrego à devoção patriótica nas horas vagas. Todas as horas vagas.

Bem sei o que essa iniciativa privadíssima pode me custar, se eu voltar ao Brasil. Também sei que, por aqui, meu visto de jornalista me dá direito à permanência indefinida, mas não garantida. Posso ser, de um momento para outro, retirado deste adorável refúgio virginiano, entre esquilos, sapinhos, flores e caipiras, e devolvido direto à toca do lobo, bicho tinhoso que já várias vezes ameaçou acabar com a minha raça. Os riscos da empreitada são portanto consideráveis e, se me sinto autorizado a pedir aos amigos e leitores que a reforcem com seu dinheiro, é porque apostei nela o meu pescoço e a segurança da minha família. Não estou pedindo a ninguém que ofereça mais do que ofereci.

Também não prometo nada, exceto multiplicar o meu esforço na proporção dos recursos que me cheguem. Nunca tive paciência com pessoas que choramingam pedindo que eu lhes dê uma esperança. Minha única esperança é a justiça divina, quando este mundo for desfeito em farrapos. Na existência terrena, a esperança é menos importante do que a fé — e a fé não significa crer numa doutrina, significa ser fiel a um compromisso. Significa ter senso do dever. Com esperança, se possível; sem ela, se necessário.

Com 59 anos de existência no planeta, cheguei à conclusão de que sou o bicho mais teimoso, paciente e obstinado que já conheci. Deve haver um cromossomo de jumento, de elefante ou de camelo na minha constituição genética. Mas até um desses amáveis animais precisa de alimento e estímulo para cumprir sua tarefa – puxar um tronco, atravessar o deserto, carregar tijolos e gente em terreno íngreme.

Estou pedindo a todos os meus leitores e amigos que me ajudem a fazer o que tenho de fazer. Doações pessoais ainda são permitidas e livres de impostos. Quem tiver sensibilidade e condições para isso, que faça uma contribuição por qualquer destes três meios, à sua escolha:

1) Para contribuições em dólares, por cartão de crédito, simplesmente clique o botão abaixo e siga as instruções (no formulário, em resposta ao item “payment for”, escreva simplesmente “donation”):

2) Para depósito bancário em reais – dez, vinte, cem, mil reais ou o que quer que seja –, use a minha conta pessoal do Banco Itaú, agência 4080, c/c 02968-1.

3) Para transferência bancária (DOC), use a mesma conta do Itaú e o meu CPF, 043.909.388-00.

Quem quiser um recibo, que envie um e-mail a olavo@olavodecarvalho.org com uma cópia do comprovante de depósito ou transferência.

Como ainda não tenho uma ONG constituída, isso não dará a ninguém o direito a desconto no imposto de renda nem a qualquer outra vantagem apreciável. Dará direito apenas à minha gratidão e talvez à gratidão da pátria, se esta ainda existir no futuro.

Estou pedindo agora e vou voltar a pedir. Tantas vezes quantas me pareça necessário, pois as despesas não vão parar tão cedo. Agora já me acostumei à mentalidade de um povo que põe seu dinheiro onde põe suas palavras. Aqui, todo mundo contribui para aquilo em que acredita. Eu mesmo, que sou um duro, não escapo. Associações de veteranos, campanhas de evangelização, protestos cívicos, policiais baleados e até uma menininha da Guatemala que não podia comprar seus livros de escola já descobriram que eu existo e aparecem mensalmente na minha caixa postal. Dou um pouquinho, mas dou sempre: toda essa gente trabalha para o bem, e aprendi com os americanos que o dinheiro jamais é neutro – se não serve ao bem, serve ao mal.

Agradecendo antecipadamente,

Olavo de Carvalho

Richmond, Virginia, 20 de junho de 2006

Doença existencial e fracasso econômico-social

Olavo de Carvalho

17 de agosto de 2005

Instituto de Estudos Empresariais. Cultura do trabalho. Porto Alegre: IEE, 2005. 310 p. (Pensamentos liberais, vol. IX).

Muitos estudiosos já chegaram à conclusão – certíssima — de que os principais obstáculos ao florescimento da economia liberal no Brasil são de ordem cultural, mas não se mostram muito eficientes em apontar que causas são essas. Com freqüência deixam-se levar pelo automatismo sociológico que, na esteira de Weber, atribui à religião católica uma hostilidade visceral ao capitalismo (como se não tivessem sido padres católicos os primeiros teorizadores da economia liberal), ou jogam a culpa de tudo na Contra-Reforma, no positivismo ou em qualquer outro elemento doutrinal que tenha contribuído para a formação do estatismo brasileiro culpado de esmagar as sementes da espontaneidade econômica liberal.

Cada um desses fatores existe, mas nenhum deles, ou a soma de todos, basta para explicar o conjunto do quadro abrangido.

A base comum das explicações insuficientes produzidas ao longo dessas linhas é a crença de que os instrumentos conceituais e diagnósticos suficientes para atacar a questão já existem na tradição sociológica, bastando aplicá-los ao caso brasileiro para obter a resposta adequada.

Minimizar dessa maneira as dificuldades não é um bom começo para a solução de qualquer problema. O melhor seria, ao contrário, dar por pressuposto que a questão a ser enfrentada é uma terra incognita e que a única esperança do investigador reside no exercício intenso de suas faculdades críticas desde os fundamentos primeiros do problema.

Para isso é preciso, desde logo, abdicar da ilusão de que as constantes sociológicas que definem a mentalidade de um povo possam ser captadas pelo exame de influências ideológicas, estereótipos culturais ou vulgares correlações econômico-culturais que constituem 80% da ciência social brasileira. Essas abordagens partem sempre de esquemas prontos e não vão nunca aos fundamentos.

O fundamento primeiro de qualquer investigação nessa área tem de ser uma antropologia filosófica, isto é, uma compreensão da estrutura geral da existência humana, seguida da meticulosa comparação com a variante local em causa.

A característica mais geral e universal da existência humana é o seu caráter temporal e sucessivo, isto é, o fato de que a vida do ser humano se constitui de uma série de enfrentamentos com situações para as quais ele raramente está preparado e que exigem dele escolhas e decisões cuja somatória se traduzirá em fracasso ou sucesso, no mais amplo e variado sentido desses termos.

Uma sociedade, nesse sentido, é um entrelaçamento móvel de inumeráveis percursos humanos, e a primeira pergunta a fazer para conhecer uma sociedade nacional consiste, portanto, em saber quais são os percursos de vida mais gerais e constantes que nela se observam.

Como a realização bem sucedida de um percurso de vida é o que se chama habitualmente “felicidade”, e o seu contrário “infortúnio”, esse estudo tomaria a forma de um mapeamento dinâmico das várias modalidades e perspectivas de realização pessoal, isto é, de felicidade e infortúnio, na sociedade nacional considerada.

Como a economia é um dos principais e decisivos canais de realização da felicidade ou do infortúnio, é evidente que a conduta econômica do povo em exame está integrada nesse mapeamento geral.

Esse estudo jamais foi feito. Sua pergunta essencial seria: Quais os padrões e símbolos de felicidade que têm movido o povo brasileiro ao longo das épocas, e quais os meios de ação que ele tem posto em movimento para a consecução de seus fins essenciais?

Um breve exame da história nacional desde esse ponto-de-vista revela que, desde os primeiros esforços de ocupação do território, as ambições de felicidade do povo brasileiro foram as mais minguadas possíveis, em comparação com as de outros povos.

Dos ocupantes do novo território, só uns poucos tinham projetos pessoais de grande envergadura, enquanto a maioria, transformada em instrumento desses projetos, mal ousava sonhar com algum futuro próprio, limitando-se a sua perspectiva essencial à busca de segurança à sombra da elite de aventureiros audazes.

O panorama desolador descrito por Capistrano de Abreu nas linhas finais dos Capítulos de História Colonial denota que, decorridos três séculos de ocupação territorial, uma população constituída maximamente de escravos e mestiços vivia ainda encolhida sob as asas de seus senhores e protetores, sem ousar lançar-se ao mínimo empreendimento pessoal.

O desarraigamento cultural – da Europa, da África ou das culturas indígenas – contribuiu ainda mais para o ambiente geral de incerteza e temor.

A constituição do estado imperial fez da burocracia estatal a esperança de uma vida mais segura, mais protegida, para uma população tímida que não buscava senão proteção e segurança.

Esse encolhimento anormal das perspectivas vitais reflete-se, por exemplo, na ocupação do território. Enquanto na América do Norte um povo ambicioso e valente se espalhava por uma área de dimensões continentais, os brasileiros deixavam a imensidão das terras à mercê dos bichos ou da minguada elite de desbravadores, contentando-se em ficar encolhido numa estreita faixa litorânea, em casinhas mirradas que se acotovelavam deploravelmente, como se houvesse falta de espaço.

O famoso estatismo nacional, que os teóricos liberais não cessam de assinalar como uma das causas do nosso definhamento econômico, não é pois um fenômeno primário, uma causa sui , mas a simples expressão de uma vida diminuída, onde a busca da segurança se sobrepôs a todos os sonhos de vitória.

Um fenômeno tão enfatizado quanto o carnaval adquire, nessa perspectiva, um significado bem diferente daquele que em geral se lhe atribui. O traço essencial dessa festividade é que ela constitui, para milhões de brasileiros, o cume anual de sua existência. E o que é precisamente que esse povo visa a realizar nessa data privilegiada? Uma fuga de três dias para fora das realidades da vida. Ou seja, o momento em que esse povo acredita estar vivendo mais intensamente é quando ele se abriga da realidade numa fantasia evanescente e fugaz. Nada poderia expressar melhor a ausência de ambição existencial. Um visitante ilustre, o conde Hermann von Keyserling, assinalou que, a imitação sendo um fenômeno universalmente conhecido, o modo de praticá-la no Brasil era peculiar: enquanto em outros países as pessoas imitavam alguém porque tinham a esperança de tornar-se iguais a ela de algum modo, os brasileiros se contentavam com a imitação enquanto tal, visando apenas ao sucesso da performance e não à aquisição das qualidades pessoais imitadas. Este hábito denota um fundo depressivo de rendição existencial: o povo que desistiu de ser contenta-se com parecer.

Outro sintoma desse encolhimento vital pode ser obtido no mostruário da nossa literatura de ficção, onde a maioria dos personagens é constituída de tipos humanamente pequenos, inseguros, tímidos, frouxos, que vivem de fingimento por incapacidade de enfrentar o real. Ao lado desses pigmeus é quase nulo o número de personagens ousados, valentes, ambiciosos.

Quando aparece ambição ou valentia, está geralmente associada à marginalidade, ao banditismo, à amoralidade, denotando que a covardia existencial é a norma e a ousadia uma ruptura que só se pode esperar dos excluídos e anormais.

A busca permanente de proteção e segurança encontra sua contrapartida natural na expansão dos controles estatais, que não só inibe a criatividade econômica da população mas atrofia o desenvolvimento das personalidades em sentido muito mais geral, produzindo um povo de carentes emocionais, dependentes, mais inclinados a confiar na força alheia do que na iniciativa própria. Num meio assim constituído, a iniciativa individual tende a ser reprimida como atitude imprópria, anormal ou vagamente suspeita. Um povo educado nessa linha tem menos um “complexo de inferioridade” do que uma inferioridade real, introjetada ao longo dos séculos e valorizada como uma espécie de prova de boa conduta. O fracasso ou a redução proposital das expectativas de sucesso tornam-se, nesse quadro, a norma existencial mais ou menos obrigatória. O proverbial mau tratamento dado pelos brasileiros a qualquer pessoa bem sucedida em qualquer campo é a vingança institucionalizada dos fracassados que nunca sonharam em ser outra coisa e não admitem que alguém sonhe. O mais profundo derrotismo assume aí o valor de uma atitude realista e adulta, toda ambição é condenada como sonho pueril, como doença mental ou mesmo como sinal de desonestidade latente. É natural que, nessas condições, fora os homens de gênio que são raros em qualquer país, só os mais descarados, impudentes e amorais conseguem vencer a barreira da inércia social. O resultado é a presença, nas classes economicamente superiores, de um número anormalmente grande de corruptos e desavergonhados – e, entre os intelectuais, professores e artistas, de uma quota enorme de farsantes que alcançaram pelo alpinismo social o que jamais conseguiriam pelo talento. Não é de estranhar que estes últimos vivam, precisamente, de denunciar aqueles, adquirindo assim o prestígio de guardiões da moralidade, escorados numa adesão fácil a qualquer discurso anticapitalista apto a explorar o sentimento de inveja popular. Esse ambiente geral de farsa e mentira torna o povo ainda mais hostil à ambição e ao sucesso. O rancor invejoso é o sentimento normal predominante, descarregando-se em explosões de indignação fingidamente moralista que, justamente por ser falsa e não denotar senão a profunda confusão moral do povo, pode ser facilmente explorada por movimentos políticos para gerar ainda mais corrupção a pretexto de moralizar a ordem pública.

Não é preciso explicitar aqui o quanto essa constelação de fatores torna inviável a economia liberal no Brasil. O anticapitalismo brasileiro está nas raízes mesmas da conduta humana local e não na influência de “doutrinas”. Doutrinas não produzem efeitos tão profundos. Estes têm de emergir diretamente da experiência da vida, traduzindo as impressões reais que as pessoas colhem da sua luta pessoal pela auto-realização humana, impressões que mais tarde determinarão até mesmo a modalidade peculiar de recepção dada às “doutrinas”. Para a quase totalidade da população brasileira, essas impressões consistem basicamente, há séculos, em desgarramento, insegurança, ausência de possibilidades de realização superiores, necessidade de proteção de adaptação a um horizonte vital estreito.

O florescimento da economia capitalista requer, como condição interior na alma de seus protagonistas, a ambição, a ousadia e a disposição de enfrentar a realidade, e, como condição externa, um ambiente de confiança, lealdade e moralidade. Ambas essas condições estão inviabilizadas desde a base pelos fatores acima assinalados.

O estatismo, o burocratismo, o autoritarismo, a desorganização visceral, enfim os vícios todos que os liberais não se cansam de assinalar entre os fatores que inviabilizam o progresso capitalista neste país não vêm nem de doutrinas, nem da pura ação predatória do Estado, mas de uma verdadeira doença existencial, nascida de séculos de experiência real do fracasso, do desarraigamento moral e da insegurança.

Por mais que o Brasil tenha mudado ao longo dos séculos, essa experiência permanece constante: o mestiço do século XVIII, cortado de suas raízes e jogado numa sociedade onde sua única esperança era abrigar-se sob as asas de algum protetor idolatrado por fora e odiado por dentro, tem a mesma experiência vital do cidadão de baixa classe média na atualidade, solto sem referências morais ou culturais num ambiente de complexidade inabarcável, onde não ousa delinear o mapa de um plano de vida mas busca apenas a segurança imediata de um empreguinho sem perspectivas, passando o resto dos seus dias a remoer a inveja disfarçada em indignação moral. Em ambos os casos a única esperança é a do fracasso controlado, postiçamente dignificado por ser igual ao de todos.

Não é possível, neste espaço, realizar o estudo abrangente que o assunto requer com máxima urgência. Nas minhas aulas e conferências tenho analisado vários aspectos desse complexo de encolhimento vital brasileiro. Aqui, posso apenas assinalar a sua existência e sugerir que o exame do assunto pode levar a conclusões bem diversas daquelas que têm prevalecido na sondagem das causas da atrofia do capitalismo entre nós.

Rejeitando um convite inaceitável – II

Olavo de Carvalho

26 de dezembro de 2004

Veja também: Rejeitando um convite inaceitável – I

Nova mensagem

Sent: Sunday, December 26, 2004 9:10 AM

Prezado Olavo,

Agradeço sua rápida resposta. Felizmente na vida as discordâncias são fundamentais. Em Filosofia como em Medicina também. Discordo, mas não vou contestá-lo. Só quem conviveu com um paciente moribundo com mais de 30 dias em UTI e sofrimento desnecessário, e conviveu com o nascimento de um anencéfalo pode ter opinião diferente da sua. Portanto, o que parece tão bíblico para o senhor pode não parecer para mim. Felizmente o mundo caminha e os conceitos e preconceitos vão mudando.

Um bom final de ano.

Luiz Eduardo Imbelloni

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Resposta de Olavo de Carvalho

Prezado doutor,

Já convivi com moribundos. Um deles, após alguns meses de “sofrimento desnecessário”, muito além do nível máximo que os adeptos da eutanásia exigiriam para sentir-se autorizados a mandá-lo desta para melhor, se recuperou miraculosamente e hoje é um dos meus melhores amigos. Quanto a anencéfalos, é ridículo pretender que a ciência conheça exatamente a função do cérebro na produção da consciência. Casos como aquele que reproduzo logo abaixo mostram a profunda ignorância da classe médica a respeito. A única atitude sábia ante a constatação da nossa ignorância é a prudência, a abstinência de decisões drásticas. Não há decisão mais drástica do que aquela que determina se um ser humano deve viver ou morrer. O senhor pode se achar habilitado a tomar essa decisão, mas não está e não estará nunca. A eutanásia será sempre a reivindicação abusiva de um poder divino, uma hübrys demoníaca que não poderá produzir nenhum resultado bom. O fato mesmo de que, na nova constituição do poder mundial, o direito à eutanásia venha consagrado na mesma lista que inclui o aborto, a liquidação de anencéfalos e o uso de fetos humanos nas pesquisas de células-tronco – sempre justificadas com argumentos que implicam a incapacidade de discernir entre um ser humano e os organismos animais – já mostra a inspiração profundamente anticristã dessa idéia. O senhor pode brincar com a diversidade de interpretações da Bíblia – um livo que aparentemente, para o senhor, não passa de uma curiosidade histórica – , mas nunca, entre leitores cristãos, essa diversidade será tão elástica ao ponto de chegar ao antagonismo extremo numa questão essencial como a do direito à vida. O fato mesmo de que o senhor se abstenha de discutir comigo mostra que nunca se interessou seriamente pelas objeções à posição que adotou, a qual reflete manifestamente uma preferência pessoal não examinada. Reconheço seu direito de dessensibilizar-se para as dificuldades morais dessa posição, mas advirto que não existe consciência moral onde não existe o exame demorado e escrupuloso das hipóteses em conflito, principalmente num caso que envolve a decisão quanto à morte de seres humanos. A afirmação de que “as discordâncias são fundamentais” é apenas uma expressão de polidez bem fácil, quando acompanhada da recusa de examiná-las. Outro detalhe significativo é que, para o evento mencionado na sua primeira mensagem, o senhor procure um filósofo já decidido a apoiar a eutanásia, e não um disposto a examiná-la criticamente. O que o senhor quer dele não é uma discussão filosófica: é propaganda. Novamente, é um direito seu, mas não uma posição intelectualmente e moralmente defensável.

Atenciosamente,

Olavo de Carvalho

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Is your brain really necessary?

http://www.alternativescience.com/no_brainer.htm

Do you really have to have a brain? The reason for my apparently absurd question is the remarkable research conducted at the University of Sheffield by neurology professor the late Dr. John Lorber.

When Sheffield’s campus doctor was treating one of the mathematics students for a minor ailment, he noticed that the student’s head was a little larger than normal. The doctor referred the student to professor Lorber for further examination.

The student in question was academically bright, had a reported IQ of 126 and was expected to graduate. When he was examined by CAT-scan, however, Lorber discovered that he had virtually no brain at all.

Instead of two hemispheres filling the cranial cavity, some 4.5 centimetres deep, the student had less than 1 millimetre of cerebral tissue covering the top of his spinal column. The student was suffering from hydrocephalus, the condition in which the cerebrospinal fluid, instead of circulating around the brain and entering the bloodstream, becomes dammed up inside.

Normally, the condition is fatal in the first months of childhood. Even where an individual survives he or she is usually seriously handicapped. Somehow, though, the Sheffield student had lived a perfectly normal life and went on to gain an honours degree in mathematics. This case is by no means as rare as it seems. In 1970, a New Yorker died at the age of 35. He had left school with no academic achievements, but had worked at manual jobs such as building janitor, and was a popular figure in his neighbourhood. Tenants of the building where he worked described him as passing the days performing his routine chores, such as tending the boiler, and reading the tabloid newspapers. When an autopsy was performed to determine the cause of his premature death he, too, was found to have practically no brain at all. Professor Lorber has identified several hundred people who have very small cerebral hemispheres but who appear to be normal intelligent individuals. Some of them he describes as having ‘no detectable brain’, yet they have scored up to 120 on IQ tests.

No-one knows how people with ‘no detectable brain’ are able to function at all, let alone to graduate in mathematics, but there are a couple theories. One idea is that there is such a high level of redundancy of function in the normal brain that what little remains is able to learn to deputise for the missing hemispheres.

Another, similar, suggestion is the old idea that we only use a small percentage of our brains anyway—perhaps as little as 10 per cent. The trouble with these ideas is that more recent research seems to contradict them. The functions of the brain have been mapped comprehensively and although there is some redundancy there is also a high degree of specialisation—the motor area and the visual cortex being highly specific for instance. Similarly, the idea that we ‘only use 10 per cent of our brain’ is a misunderstanding dating from research in the 1930s in which the functions of large areas of the cortex could not be determined and were dubbed ‘silent’, when in fact they are linked with important functions like speech and abstract thinking.

The other interesting thing about Lorber’s findings is that they remind us of the mystery of memory. At first it was thought that memory would have some physical substrate in the brain, like the memory chips in a PC. But extensive investigation of the brain has turned up the surprising fact that memory is not located in any one area or in a specific substrate. As one eminent neurologist put it, ‘memory is everywhere in the brain and nowhere.’ But if the brain is not a mechanism for classifying and storing experiences and analysing them to enable us to live our lives then what on earth is the brain for? And where is the seat of human intelligence? Where is the mind?

One of the few biologists to propose a radically novel approach to these questions is Dr Rupert Sheldrake. In his book A New Science of Life Sheldrake rejected the idea that the brain is a warehouse for memories and suggested it is more like a radio receiver for tuning into the past. Memory is not a recording process in which a medium is altered to store records, but a journey that the mind makes into the past via the process of morphic resonance. Such a ‘radio’ receiver would require far fewer and less complex structures than a warehouse capable of storing and retrieving a lifetime of data.

But, of course, such a crazy idea couldn’t possibly be true, could it?

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