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Antropofagia

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 2 de fevereiro de 2006

Desde que existe esquerda no mundo, ela se alimenta do seu próprio cadáver. Digo isso, antes de tudo, em sentido literal e físico: somem o Terror revolucionário na França, os expurgos soviéticos, a Revolução cultural na China, os campos de morte do Camboja e o paredón cubano, e verão, acima de qualquer dúvida razoável, que ninguém no mundo matou tantos esquerdistas quanto a esquerda mesma. Talvez por isso ela fique tão revoltada com tipos como Franco ou Pinochet. Em número de vítimas, estes não são páreo para Stalin e Mao: tornam-se odiosos porque são direitistas intrometidos que usurpam o direito esquerdista de matar em família.

Mesmo se incluirmos na “direita” o nazismo e o fascismo, o que os estudos magistrais de Ludwig von Mises, Ernest Topitsch e Erik von Kuenhelt-Leddin nos ensinaram ser sociologicamente e historicamente inexato, ainda assim o placar mortuário assinalará a superioridade invencível da esquerda. Isso explica por que todo esquerdista gosta tanto de contar cadáveres de vítimas da direita, mas perde instantaneamente o gosto pela aritmética e sai gritando contra a “contabilidade macabra” ante a mera sugestão de um cálculo comparativo.

Porém tão notável quanto a autodevoração física é a antropofagia verbal e publicitária: cada nova geração de esquerdistas se nutre do descrédito da anterior, esperando que ela entre em agonia e então parasitando e monopolizando, às pressas, as acusações que até a véspera repelia como calúnias direitistas hediondas. Claro: se a esquerda tem o direito exclusivo de matar esquerdistas, por que não teria também o de cuspir neles? Aliás, seria muito desconfortável livrar-se dos velhos e decadentes sem primeiro assassiná-los moralmente. O procedimento é tão normal, tão rotineiro na vida esquerdista, que não raro os próprios condenados colaboram ritualmente com sua própria extinção, acusando-se de crimes imaginários para ter o consolo de prestar um último serviço à causa revolucionária no papel pedagógico de maus exemplos.

Essas constantes históricas dos dois últimos séculos são tão nítidas, que elas bastam para ilustrar o fundo gnóstico da alma esquerdista, movida em essência pelo ódio a si própria, transfigurado em ódio à existência em geral e só parcialmente projetado sobre o inimigo político do momento, cuja liquidação, por isso mesmo, jamais basta para satisfazê-la. Também é aí que se deve buscar a razão do aparente paradoxo de um movimento que, quanto mais fracassa em criar um sistema político-econômico segundo seus próprios cânones, mais sucesso obtém em espalhar o caos infernal no sistema adversário. A esquerda é apenas uma força de destruição: jamais criará nada, jamais admitirá que uma só criação alheia permaneça viva por tempo suficiente para beneficiar uma parcela razoável da humanidade.

Mas é precisamente essa incalculável miséria interior, essa dor sem trégua que o agita por dentro, que dá ao esquerdismo militante a força histriônica para aqueles gritos e trejeitos de indignação que, ante uma platéia de paspalhos, aparecem como provas de altos sentimentos ofendidos e de superior autoridade moral. Só a consciência culpada do criminoso é capaz de infundir nos outros a culpa por delitos que não cometeram e que aliás nem sabem se foram mesmo cometidos. Só para dar um exemplo: quantos brasileiros que de racistas não têm nada, e que se vêem incapazes de apontar um só racista entre seus conhecidos, não estão prontos a admitir, ante a intensidade da cobrança, que praticamente o Brasil inteiro é racista? Só a mente criminosa consegue induzir o inocente a confessar-se criminoso. Fingimento e chantagem são a essência do discurso moral esquerdista.

Pensem nessas coisas quando ouvirem alguma Heloísa Helena acusando Lula de traidor e “neoliberal”. Se a acusação fosse sincera, a primeira coisa que essa senhora faria seria denunciar o homem ao Foro de São Paulo, pedindo sua expulsão. Não confundam moral com reciclagem culinária de um virtual cadáver político.

Fora do tempo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 1o de fevereiro de 2006

Tenho dito e repetido, desde há alguns anos, que o socialismo como modelo econômico foi adiado sine die , que o movimento comunista internacional se diluiu ideologicamente de propósito para ampliar sua base de apoio e consagrar-se por inteiro ao objetivo imediato: a formação da aliança mundial anti-americana e anti-israelense. Não creio que seja uma coisa difícil de entender, nem problemática de averiguar. A idéia é simples e as fontes que a comprovam são muitas. No entanto, cada vez que volto a esse tópico, aparece alguém com a mesma resposta: “Não sou comunista, mas não quero os americanos mandando no Brasil.”

O sujeito endossa a tese dos comunistas – que o “imperialismo americano” manda no Brasil –, toma partido deles na única luta em que estão empenhados no momento, e em seguida bate no peito verde-amarelamente: “Não sou comunista!”

Mas quem está ligando para o cidadão “ser” comunista ou não? Tudo o que querem dele é que faça exatamente o que está fazendo: que acredite na balela oficial “anti-imperialista”, junte forças com a esquerda internacional, ajude a colocar o mundo sob o domínio da China, da Rússia e das ditaduras islâmicas e, em seguida, bata no peito, gritando: “Não sou comunista!”

Muita gente pensa que ainda está no tempo de Charles de Gaule, em que era viável ser conservador e anti-americano ao mesmo tempo. Naquela época, a Europa disputava com os EUA quem teria a honra de ser o protetor da civilização ocidental contra o avanço do comunismo. Os americanos achavam os europeus uns ladrões, os europeus desprezavam os americanos como bárbaros iletrados, e ambos os lados estavam de acordo num ponto: ceder à Rússia e à China, nunca. Mesmo os governos islâmicos eram uma garantia contra o comunismo. Você tinha três maneiras de ser anticomunista: era americanista, gaulista ou muçulmano.

Agora tudo mudou: a Rússia e a China não falam mais em “comunismo”. Deixaram isso para depois. Aliaram-se aos muçulmanos, ajudaram-nos a descristianizar, emascular e subjugar a Europa, e agora só têm um problema pela frente: destruir os EUA (e, de quebra, Israel). Enquanto não conseguirem isso, não voltarão a discutir “comunismo”. Para que haveriam de criar atrito com seus parceiros muçulmanos? Se o mundo será socialista, muçulmano ou socialista-muçulmano é assunto que só vai voltar à pauta quando americanos e judeus forem tirados do caminho. Para isso, a complexa parafernália da doutrina marxista sofreu um enxugamento brutal, reduzindo-se a um só item, capaz de unificar sem discussões toda a esquerda mundial: o “anti-imperialismo”, quer dizer, anti-americanismo.

É aí que o brasileirinho entra em cena, gritando contra os EUA e jurando que não é comunista. Como se alguém estivesse ligando para a sua ideologia, para as suas crenças subjetivas. Idéias só importam quando estão em grandes cabeças. De microcéfalos só se espera que ajudem a fazer número, pouco importando as diferenças subjetivas que cada um carregue, para uso próprio, no seu cérebro entorpecido.

Sugestão aos bem-pensantes: Internem-se

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 30 de janeiro de 2006

Passou despercebido à grande mídia, e eu mesmo só reparei agora: durante a conferência “ Axis for Peace 2005 ”, promovida em novembro do ano passado pela rede www.voltaire.net com o apoio da Al-Jazeera e do canal chavista Telesur, o general russo Leonid Ivashov afirmou que o terrorismo internacional não existe, que é tudo invencionice de Washington. Os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono, segundo ele, foram encenações, montagens criadas por George W. Bush para desestabilizar a ordem mundial da ONU e impor o domínio americano a todo o planeta.

Não, perplexo leitor, isso não é propaganda de vodca. Ivashov é vice-presidente da Academia Russa de Problemas Geopolíticos, foi secretário do Conselho de Ministros da Defesa da Comunidade de Estados Independentes (CEI) e, por ocasião do 11 de setembro, era chefe do Estado-Maior das Forças Armadas russas. Bêbado ou sóbrio, ele é a voz de Vladimir Putin. E não consta que estivesse bêbado. Pela sua boca, foi o próprio governo russo que saiu alardeando a boa e velha explicação conspiratória da guerra contra o terrorismo.

Lançada originariamente pelos próprios organizadores da conferência, a teoria, em si, não tem pé nem cabeça. Nenhum governo democrático tão fiscalizado pela oposição e vasculhado pela mídia xereta como o dos EUA poderia montar em segredo uma farsa desse tamanho, desafio temível até para ditaduras com absoluto controle dos meios de informação.

Mas o que importa não é a teoria, na qual seus inventores jamais acreditaram. É o fato de que seja aprovada, ao menos da boca para fora, por tão ilustre hierarca de um país que, nominalmente, continua aliado dos EUA na guerra contra o terrorismo. Indícios de que a Rússia fazia jogo duplo nunca faltaram. As armas apreendidas com terroristas islâmicos são quase sempre russas, quando não são chinesas. Putin tem acalmado as suspeitas com a desculpa do contrabando. A fala do general assinala uma mudança de tática, bem ao velho estilo soviético, passando dialeticamente da ocultação à ostentação: se não existe terrorismo, as armas russas não precisam mais ser desmentidas; podem ser alardeadas como ajuda meritória prestada a puros heróis libertários. Aí a adesão à teoria psicótica começa a fazer sentido.

Mas a mudança de clave do discurso publicitário não é um capricho isolado. O próprio Ivashov deixou isso claro, ao usá-la como prefácio à idéia bem mais substantiva que defendeu em seguida: o fortalecimento da ONU, alicerçado numa “união geoestratégica da civilização”, para deter a “expansão do imperialismo”. Distraidamente, como quem não quer nada, ele sugeriu que essa nova estrutura de poder militar mundial deveria ter como centro a Organização de Cooperação de Shangai, que reúne Rússia, China, Cazaquistão, Quirziguistão, Tajiquistão e Uzbequistão. Que importa uma mentirinha a mais ou a menos, se é para servir a um plano tão grandioso? Uma ONU transformada em instrumento da Rússia e da China e devotada a paralisar ou destruir o poderio americano: esse é o único objetivo que logicamente condensa e explica toda a conduta recente não só dessas duas potências, mas de seus aliados e servidores conscientes ou inconscientes nos organismos internacionais, nos partidos de esquerda, nas organizações terroristas, nas quadrilhas de narcotraficantes hoje quase todas unificadas sob o comando da máfia russa (que é o próprio governo russo), na rede de ONGs ativistas espalhadas pelo mundo, na mídia elegante e até nos círculos alegadamente “nacionalistas” das nações periféricas (está vendo, Andrade Nery? Não me esqueci de você). O desertor da KGB Anatoliy Golytsin já tinha revelado esse plano na década de 80. Vários estudiosos, como Stanislav Lunev, Jeffrey R. Nyquist, Constantine C. Menges, Jack Wheeler e até eu que sou mais bobo, concordávamos que, adivinhação ou não, Golitsyn não estava de todo errado. Foi fácil aos bem-pensantes livrar-se de nós chamando-nos malucos e “teóricos da conspiração”. Mas, agora, que é que eles que vão fazer com o general Ivashov? Ou mandam interná-lo, ou nos dão alta do hospício. De quebra, sugiro que se internem a si próprios, como Simão Bacamarte.

Nota e fontes

* Anatoly Golitsyn, que mencionei acima, é um alto funcionário da KGB que no início da década de 80 fugiu para os EUA e tentou alertar a CIA para uma espetacular mudança estratégica do movimento comunista internacional, de cuja preparação ele tinha sido testemunha direta em reuniões do Comitê Central do PCUS com os comandantes dos serviços secretos soviéticos. Explicarei isso com mais detalhe em algum dos próximos artigos, mas, em essência, a idéia era sacrificar a unidade do Estado soviético em favor da diversificação e expansão do movimento comunista mundial, que paralelamente deveria abdicar de toda unidade doutrinal e dedicar-se à formação de um cerco mundial anti-americano, tomando como centros articuladores os grandes organismos internacionais. Na época, pouca gente acreditou, mas hoje sabe-se que, das previsões feitas por Golitsyn com base nas informações de que dispunha, 95 por cento já se realizaram, incluindo a queda do Muro de Berlim. V. Anatoly Golitsyn , New Lies For Old: The Communist Strategy of Deception and Disinformation (Dodd, Mead & Company, 1984).

* Em 1998, no seu livro Through the Eyes of the Enemy (Washington, Regnery), o coronel Stanislav Lunev, o desertor de mais alta patente do serviço secreto militar soviético, afirmou: “A guerra fria não terminou. Agora ela é entre a Máfia russa e os EUA.” A máfia russa tem duas características distintivas: (1) Ela está tão bem infiltrada nos altos escalões oficiais que é impossível distingui-la do próprio governo russo. (2) Desde pelo menos 1993 ela conseguiu unificar sob o seu comando todas as máfias do mundo, tornando-se uma espécie de Comitê Central do crime organizado (v. Claire Sterling, Thieves’ World: The Threat of the New Global Network of Organized Crime , New York, Simon & Schuster 1994). Até hoje a chamada “grande mídia” (mais própriamente grande mérdia) não registrou o fim das guerras entre máfias, o fenômeno mais importante da década de 90, sem o qual a montagem do cerco anti-americano teria sido impossível por falta de verbas. Hoje em dia, um terço do dinheiro que circula nas bolsas dos grandes centros vem do crime organizado, o que basta para explicar as boas relações entre a elite financeira e as Farc (lembrem-se da visita amável de Richard Grasso, presidente da New York Stock Exchange , ao comandante da narcoguerrilha colombiana, Raul Reyes, em 26 de junho de 1999).

* Em perfeita harmonia com o general Ivashov, o New York Times condena a hipótese de ações militares contra o Irã e propõe, em lugar delas, o plano da Rússia: transferir as pesquisas iranianas de urânio enriquecido para seu próprio território, onde a fiscalização de oficiais russos bastaria para dar ao mundo uma “garantia suficiente” (!!!) de que o material não seria usado para fins bélicos contra os EUA. Não é à toa que muita gente no movimento conservador tem esse velho diário novaiorquino na conta de órgão oficial da quinta-coluna anti-americana nos EUA.

Envolvimento implícito

Não conseguindo descobrir nenhum Mensalão de direita, o semanário Época denuncia: algumas pessoas devotadas à vida religiosa no Opus Dei fazem exercícios espirituais, vivem uma disciplina quase monástica e – supremo horror! – praticam a castidade. Para cúmulo do escândalo, informa a revista, “Geraldo Alckmin, pré-candidato à Presidência pelo PSDB, recebe formação cristã em encontros noturnos no Palácio dos Bandeirantes.”

Já pensaram uma coisa dessas? Encontros noturnos, porca miséria. A que ponto chegamos, hein? Por que o governador não trata de fazer algo decente, por exemplo sair-se requebrando todo em encontros diplomáticos como o ministro Gilberto Gil ou entornar garrafas de uísque presidencial?

E essa arraia-miúda do Opus Dei , então, que movida pelo mau exemplo do chefe do executivo estadual se segura e se reprime em vez de se masturbar honestamente como, a julgar pela lógica da denúncia, o fazem com regularidade os redatores de Época e os demais cidadãos de bem?

Nunca vi um esforço tão patético para extrair uma denúncia do nada como essa matéria contra a Opus Dei . Jamais tive a menor simpatia por essa organização, nem muito menos pelo sr. Alckmin. Ela me parece uma devota perda de tempo, ele uma reencarnação yuppie do seu célebre homônimo mineiro, que entrou para a História como campeão nacional de murismo, indefinição, nulidade e piedosa abstinência de qualquer atitude pessoal no que quer que fosse.

Mas tudo o que a reportagem nos informa contra o governador é que ele procede como um membro qualquer da Opus Dei e que a organização, por seu lado, faz tudo o que seu regulamento professa fazer, ajudando os interessados a viver como discípulos de Sto. Ignacio de Loyola no meio de carreiras mundanas embriagantes e tentadoras, coisa que é obviamente impossível sem alguns hiperbolismos disciplinares só capazes de espantar quem não saiba nada sobre práticas ascéticas, mais ou menos idênticas em todas as religiões, épocas e civilizações.

Bella robba! No entanto, a matéria é notável precisamente pelo tratamento verbal que dá à ausência de conteúdo, transformando-o em coisa vagamente assustadora por meio da exploração hábil do preconceito anti-religioso, tomado como critério universalmente aceito. À luz desse preconceito, não precisa haver mesmo nada de anormal na conduta de pessoas cristãs, pois serem cristãs já é supremamente anormal e condenável.

O truque funciona assim. Suponha uma platéia inteiramente composta de inimigos do espiritismo. Se, ali, você sai acusando alguém de espírita, a denúncia é ouvida como coisa grave e digna de atenção. A mesma denúncia, perante uma platéia de espíritas, soaria como puro nonsense , já que ninguém ali está predisposto a achar que ser espírita é coisa ruim. Suponha agora uma platéia indecisa, nem amiga nem inimiga do espiritismo. A pura acusação de “espírita”, desacompanhada de qualquer prova da suposta ruindade do espiritismo, só serviria para uma coisa: para enganar cada membro individual da platéia, levando-o a crer que todos os demais já conhecem as maldades do espiritismo de cor e salteado, sendo ele o único ignorante no assunto. Pegos nessa armadinha, noventa por cento dos seres humanos adeririam mais que depressa à denúncia, só para não confessar ignorância. Assim, sem nada dizer de substantivo contra o coitado do espírita, você induziria uma boa parte do público a pensar mal dele sem saber por que.

Dou a essa técnica o nome de “envolvimento implícito”. Ela é um dos usos mais calhordas que se pode fazer da linguagem. Sem dizer nada de substantivo contra a Opus Dei ou o governador Geraldo Alckmin, Época conseguiu induzir o público a pensar mal dos dois e até do catolicismo em geral, resguardando-se ainda de qualquer suspeita de havê-los acusado do que quer que seja.

Criar uma situação do nada, por meras palavras, pode ser uma arte. Pode ser teatro, poesia, ficção, até mesmo de alta qualidade. Pode ser até hipnose. Mas jornalismo não é. Como, porém, Época se alardeia nacionalmente uma publicação jornalística exemplar, cada leitor leigo, que até o momento não imaginava ser isso jornalismo, suporá que ele próprio era o único a ignorá-lo e, mais que depressa, admitirá que jornalismo é precisamente isso. Donde tirará facilmente a conclusão de que algo de muito grave, efetivamente, pesa contra o governador Geraldo Alckmin, o Opus Dei e a Igreja Católica, embora ele não saiba o quê.

O envolvimento implícito é um truque temível porque tem o dom de confirmar-se a si mesmo. Ele não é jornalismo, mas é preciso um hábil domínio da técnica jornalística para praticá-lo – e, nesse sentido puramente formal, ele é jornalismo, e até de alto nível. Alto nível de safadeza, mas alto nível de qualquer modo.

Quando uma revista semanal com o prestígio de Época se permite fazer do seu leitor o alvo desse tipo de gozação maquiavélica, e usá-lo como arma de guerra contra a religião da maioria dos brasileiros, é porque o senso do certo e do errado já desapareceu por completo do horizonte visível da classe jornalística.

Dines x Marnardi

Ainda mais desavergonhado que Época é o Observatório da Imprensa , que já começou a cantar vitória contra Diogo Mainardi quando um dirigente do Opus Dei apareceu gabando-se de que duzentos jornalistas de elite haviam freqüentado encontros da organização. Estava aí a prova, berrou Alberto Dines, de que o Opus Dei , e não o petismo-comunismo, mandava na mídia brasileira. Haja paciência. Desde logo, o sujeito não citou um único nome: o placar ainda está cem a zero para Marnardi. Em segundo lugar, entre um jornalista participar de um retiro de fim se semana e tornar-se um militante a distância é longa. Em terceiro, duzentos jornalistas não bastam para suprir sequer as vagas de chefia em revistas especializadas e house organs só na cidade de São Paulo. Para exercer alguma influência na mídia seria preciso começar de mil, pelo menos. O Opus Dei está entrando no mercado dos altos cargos na imprensa com meio século de atraso em relação ao Partido Comunista, cujo legado de posições foi transferido em parte para o PT na década de 80. Por fim, quem disse que todo militante do Opus Dei é uma cabeça feita, fiel ao Papa e às tradições da Igreja? Está aí o próprio sr. Alckmin, politicamente corretíssimo, adepto do casamento gay e, no mínimo, membro de um partido pertencente à Internacional Socialista, comprometido até à medula, portanto, com a estratégia do globalismo de esquerda. Apostar em Alckmin (ou de novo no próprio Serra) como alternativa “direitista” ao petismo é repetir a farsa das eleições de 2002.

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