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Ensaio de patifaria comparada

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 21 de agosto de 2006

A situação na terrinha anda tão deprimente que se tornou uma questão de auxílio humanitário lembrar aos brasileiros, de tempos em tempos, que o nosso país não tem o monopólio da patifaria universal. A propaganda anti-religiosa espalhada por ONGs milionárias, por intelectuais ativistas e pela mídia chique nos EUA tem apelado a expedientes tão mesquinhos, tão sórdidos, que às vezes chego a me perguntar se não fui demasiado impiedoso com os vigaristas nacionais em O Imbecil Coletivo.

O artigo que reproduzo abaixo foi escrito originariamente em inglês para um público americano, mas, tão logo botei nele um ponto final, achei que seria útil para os meus compatriotas, não só pelo que informa da guerra cultural nos EUA, mas por fornecer um exemplo de como as sociedades altamente desenvolvidas são também altamente desenvolvidas no que não presta. Espero que sirva de consolo aos leitores do noticiário nacional da semana.

O motivo que me levou a escrevê-lo foi um artigo cheio de golpes baixos publicado pelo prestigioso biólogo Jerry Coyne em The New Republic, uma revista esquerdista que, em geral, é anormalmente decente. O autor da coisa, irritado com a articulista conservadora Ann Coulter, tentava desmoralizá-la esfregando no nariz dela suas credenciais acadêmicas de professor da Universidade de Chicago; mas, levado pelo ódio emburrecedor, acabava apresentando argumentos que fariam corar de vergonha o próprio dr. Emir Sader, se não padecesse de icterícia mental.

A sra. Coulter disputa com Rush Limbaugh e Michael Savage o primeiro lugar na lista dos colunistas mais odiados pelo establishment de esquerda. O currículo que ela apresenta para isso constitui-se de uma língua ferina vitaminada por um senso de humor desconcertante e uma capacidade de pesquisa fora do comum. Além disso, como a mulher é bonitona, fica mais irritante ainda. Sua popularidade cresceu a tal ponto que uma fábrica de brinquedos fez dela o modelo para uma bonequinha da série Barbie: você aperta a barriguinha dela e ela diz coisas horríveis contra os esquerdistas.

O prof. Coyne ficou especialmente revoltado com o último livro da sra. Coulter, Godless: The Church of Liberalism, “Os Sem Deus: A Igreja do Esquerdismo” (Crown Forum, 2006), que submete a seita esquerdista-materialista-evolucionista a um tratamento tão sádico quanto merecido. Para insinuar que a dona estava enfeitiçada, o cientista de Chicago deu a seu artigo de protesto o título trocadilhesco de “Coultergeist” e anunciou solenemente sua intenção de exorcizar a sra. Coulter mediante a água benta da sua erudição biológica. Infelizmente, a raiva foi tanta que o capeta acabou se apossando é da mente do professor, induzindo-o a exibições de raivinha mais próprias da inveja feminina do que da investigação científica.

Mas não pensem que esse artigo constitui uma exceção aberrante. O que me chamou a atenção nele foi, ao contrário, a sua tipicidade: querendo contestar o retrato cruel que Ann Coulter fizera da tribo intelectual esquerdista, o prof Coyne o ilustra com exatidão milimétrica.

Esperei uns dias e, como ninguém respondesse ao professor, resolvi fazê-lo eu mesmo, escrevendo, a duras penas, em língua de gringo, que aqui retraduzo em português:

 

O modo de raciocinio do prof. Coyne

 

Ao comentar o artigo do prof. Jerry Coyne, “Coultergeist” (The New Republic, online, 31 july 2006) não tentarei defender Ann Coulter — eu poderia antes tomar lições dela sobre como defender-me a mim mesmo. Nem prodigalizarei aos gentis leitores as minhas eruditíssimas opiniões sobre evolução, design inteligente, etc., pela simples razão de que não tenho nenhuma. Concedendo à minha irresoluta pessoa o direito de permanecer em dúvida em questões nas quais as certezas absolutas são tão abundantes hoje em dia, deixarei de lado essas altas matérias, limitando-me a enfocar alguns dos argumentos do prof. Coyne, os quais ilustram de maneira muito didática como a profunda ignorância de um assunto não é jamais obstáculo a que alguém o discuta com elevada autoridade científica.

De modo geral, boa parte da atividade acadêmica hoje em dia consiste em delimitar com cuidadosa precisão as fronteiras de um campo especializado de pesquisas e, com base na autoridade adquirida no seu estudo, dar opiniões sobre tudo o mais.

Como tarimbado professor de ecologia e evolução da Universidade de Chicago, o prof. Coyne está habilitado a afirmar que faltam à sra. Coulter as habilidades acadêmicas requeridas para a discussão desses assuntos. Mas, das 2432 palavras do artigo que ele escreveu contra ela, só 179 são argumentos científicos especializados. Ao longo das restantes 2253, o prof. Coyne, que tão modestamente havia se furtou a nos oferecer uma exibição plena da sua alegada superioridade profissional, presenteia os leitores com suas idéias sobre história, filosofia, política e religiões comparadas, entre outros campos nos quais suas credenciais acadêmicas são tão minguadas quanto as da sra. Coulter em biologia.

A falta de educação acadêmica numa área especializada não é em si prova de ignorância total nessa área. O que distingue o prof. Coyne é que ele condensa na sua pessoa ambas essas carências ao mesmo tempo. Ele realmente não sabe nada de assuntos que não pertencem à sua esfera de competência universitária, e esta é precisamente a razão pela qual ele imagina que pertencem.

O seguinte parágrafo fornece um exemplo do que estou dizendo: “O erro de igualar o darwinismo a um código de conduta leva Coulter a formular a sua acusação mais idiota: a de que o Holocausto e os inumeráveis crimes de Stalin podem ser jogados na cara de Darwin. ‘De Marx a Hitler, os homens responsáveis pelos maiores morticínios em massa do século XX foram ávidos darwinistas.’ Quem quer que seja religioso deve tomar muito cuidado ao dizer uma coisa dessas, porque, ao longo da história, mais matanças foram feitas em nome da religião do que de qualquer outra coisa .”

Poucos autores poderiam superar o prof. Coyne em sua habilidade de comprimir tanta ignorância histórica em tão escasso número de linhas. É claro que a biologia evolucionária e a ideologia evolucionária podem ser distinguidas conceptualmente, e de fato o são para fins práticos e pedagógicos. É igualmente óbvio que a primeira pode ser defendida nos seus próprios termos, sem necessidade de recorrer a argumentos extraídos da segunda. Mas isso não significa que na sua origem elas fossem campos separados e irrelacionados, que só vieram a ser unidos por um artifício retórico concebido ex post facto pela malvada sra. Coulter. Nenhum historiador sério ignora que a ideologia evolucionária, tal como concebida por Herbert Spencer, precedeu e inspirou Charles Darwin (1). Nem ignora que Darwin, como biólogo, aceitava de bom grado a conseqüência prática mais terrível daquela ideologia, isto é, a necessidade de exterminar raças e povos inteiros em proveito da “evolução” (2); nem que, imediatamente após ter sido formulado como teoria biológica, o evolucionismo foi posto de novo a serviço da ideologia, e isto por obra de biólogos evolucionistas eminentes e não de algum doutrinário alheio aos estudos científicos. (3)

Historicamente, a evolução como ideologia e a evolução como teoria biológica estão tão entrelaçadas que só puderam ser separadas por uma distinção abstrativa posterior e pela conseqüente decisão administrativa de enviar uma delas ao departamento de História e a outra ao departamento de Ciências Naturais. Como o prof. Coyne é demasiado preguiçoso para atravessar a distância entre esses dois edifícios universitários, ele termina por tomar uma abstração mental como realidade histórica, e depois inverte os termos da sua própria confusão para debitá-la na conta da sra. Coulter.

Fortalecido pelo sucesso imaginário do seu argumento ginasiano, o prof. Coyne rapidamente descarta a afirmativa da sra. Coulter de que “os maiores assassinos em massa do século XX foram ávidos darwinistas”, como se fosse demasiado estúpida para ser discutida, quando, na verdade, ela é um fato histórico bem estabelecido. Entre os muitos livros que eliminam toda dúvida razoável quanto às crenças evolucionistas de Marx, Lenin, Stalin, Hitler e Mao Tse Tung, o prof. Coyne poderia ao menos ter checado alguns poucos (4), se ele não fosse antes inclinado a respaldar-se na sua própria imaginação como fonte historicamente confiável.

No entanto, não seria justo dizer que o prof. Coyne nem mesmo tenta raciocinar contra a afirmativa da sra. Coulter. Ele chega a construir contra ela uma sentença inteira: “Não me lembro de qualquer menção ao darwinismo no julgamento dos Médicos de Moscou.” Infelizmente, a tentativa erra o alvo por muitas milhas. O fato de um determinado princípio geral não ser alegado em defesa de um certo argumento específico não prova que ele não seja uma das premissas em que esse argumento se baseia. Ao contrário, quanto mais um princípio é geralmente aceito como senso comum, menos necessidade há de apelar explicitamente a ele em qualquer discussão específica. Na circunstância precisa apontada pelo prof. Coyne, o recurso a argumentos evolucionistas estaria aliás bastante fora do lugar, de vez que os réus (acusados de tentar envenenar Stalin) não eram membros da classe burguesa “atrasada” mas traidores pertencentes à própria elite partidária “progressista”. Quem quer que tenha se beneficiado de uma formação científica deveria estar apto a distinguir entre o argumento pertinente e uma desconversa extravagante. O prof. Coyne não está.

Mas, antes de encerrar o seu parágrafo, o prof. Coyne ainda teve tempo para enriquecê-lo com um mantra que, embora ele não o saiba, foi originariamente concebido para ser repetido pelos iletrados do mundo: “Mais matanças foram feitas em nome da religião do que de qualquer outra coisa.” Tanto quanto a evolução animal, o fenômeno dos homicídios em massa é objeto de investigação científica que requer observação acurada e rigoroso método lógico, aos quais deve-se acrescentar o alto nível de seriedade moral comproporcionado à natureza do assunto. Nenhum historiador profissional ignora que os homicídios em massa devidos a conflitos religiosos, por mais horror que nos inspirem, jamais produziram um número de vítimas nem mesmo remotamente comparável ao dos modernos movimentos revolucionários inspirados em ideologias “científicas”. O mais completo estudo quantitativo do assunto foi feito por R. J. Rummel, professor emérito de ciência política na Universidade do Havaí. As conclusões de sua pesquisa de quatro décadas são apresentadas nos livros Understanding Conflict and War, 5 vols., Thousand Oaks (CA), Sage Publications, 1975-1981, e Death By Government, New Brunswick (NJ), Transaction Publications, 1994. Ampliando o conceito para além da nuance racial implícita na palavra “genocídio”, o prof. Rummel propõe o termo “democídio” para descrever de maneira mais genérica as matanças de povos inteiros. O desenho que ele obtem do estudo dos homicídios em massa ao redor do mundo não difere, em substância, do consenso usual dos historiadores, mas lhe acrescenta a precisão do método quantitativo e a nitidez das escalas comparativas. Em suma, o número de seres humanos mortos em menos de oito décadas pelas duas ideologias evolucionistas, nazismo e comunismo (140 milhões de pessoas), ultrapassa em dez milhões a taxa total de mortos dos homicídios em massa conhecidos no mundo desde 221 a.C. até o começo do século XX, dos quais os resultantes de motivos religiosos são apenas uma fração, e a parte devida aos cristãos uma fração da fração.

É absolutamente inútil alegar, como alguns inevitavelmente farão, que as ideologias evolucionistas não são pura ciência, na medida em que a mesma falta de pureza original pode ser legitimamente imputada às motivações religiosas dos cruzados ou dos inquisidores. Ademais, no que concerne ao cristianismo em especial, nenhum sinal de anuência à necessidade de homicídios em qualquer número que fosse está nem remotamente presente no Evangelho, ao passo que o pai fundador do evolucionismo científico foi suficientemente explícito ao declarar que as matanças em massa deveriam ser aceitas como um fenômeno evolutivo normal como qualquer outro. Mais significativo ainda é o fato de que a Igreja não apelou a nenhum tipo de brutalidade antes de decorridos muitos séculos da sua fundação, ao passo que o evolucionismo já serviu de estimulante a uma das ideologias revolucionárias logo após a publicação de A Origem das Espécies, e à outra umas décadas depois, graças sobretudo aos esforços do segundo-no-comando das hostes evolucionistas, Ernst Haeckel. A afirmação do prof. Coyne de que “Se Darwin é culpado de genocídio, Jesus Cristo também é” não passa de um aberrante jogo de palavras nascido de uma mistura de ignorância histórica e ódio anti-religioso vulgar.

Essa mesma mistura leva o prof. Coyne a ostentar, como prova de que a religião é a causa universal das violências, a afirmação ridícula de que “a razão pela qual Hitler escolheu os judeus (como alvos de perseguição) foi que os cristãos os encaravam como assassinos de Cristo”. Bem, como Hitler, segundo declarou a Hermann Rauschning,   estava abertamente interessado em “esmagar a Igreja como quem pisa num sapo”, é difícil acreditar que estivesse também ansioso por vingar-se do assassinato de Cristo, já que isso implicaria logicamente que além dos judeus ele atacasse também os herdeiros professos do Império Romano, isto é, os fascistas italianos, que no entanto ele escolheu como seus mais queridos aliados. Nenhum historiador especializado do período tendo jamais sustentado a idéia de que o Evangelho fosse uma influência importante na formação da mente de Hitler, a maioria deles reconhece no entanto que autores evolucionistas como Houston Stewart Chamberlain, Edgar Dacqué, Ernst Haeckel e Fritz Lenz tiveram um papel essencial na origem da futura ideologia nazista. Chamberlain apela explicitamente a motivos darwinianos como argumentos contra os judeus. Mais significativamente ainda, a maior parte das doutrinas racistas alemãs já estava pronta para uso antes mesmo de que Hitler estreasse na política. Elas foram criadas por importantes biólogos evolucionistas da Liga Monista Alemã, cujas doutrinas foram subseqüentemente incorporadas pelo Partido Nazista. O fundador da Liga, Hawckel, fazia pregação anti-semita desde pelo menos 1893. Ele era um materialista que via o cristianismo como “o principal obstáculo à vitória da ciência”. (5) Obviamente o prof. Coyne não tem a capacidade (ou a vontade) de distinguir entre uma crença doutrinal genuína e uma frase-de-efeito adotada hipocritamente muito depois como incidental e secundário artifício de propaganda, usado, aliás, menos como um meio de seduzir a platéia religiosa séria (Hitler não tinha ilusões quanto a isso), do que como camuflagem para desviar a atenção popular das perseguições em massa impostas aos cristãos.

Não comentarei as linhas que o prof. Coyne gasta em falsear as credenciais acadêmicas alheias para enaltecer as suas próprias, nem as insinuações mesquinhas com que ele tenta ferir a Sra. Coulter na sua dignidade feminina. O modo de raciocínio do prof. Coyne já fornece prova suficiente da sua baixeza de caráter e da sua total falta de integridade intelectual, de modo que posso me dispensar de sondar as camadas mais profundas de uma mentalidade fedorenta.

Notas

1.        O evolucionismo social de Spencer, que inclui rudimentos de uma teoria da evolução biológica semelhante à de Darwin, foi exposto no seu livro Social Statics, publicado em 1850, nove anos antes de The Origin of Species.  Foi Spencer, não Darwin, quem criou a expressão “sobrevivência do mais apto”. Darwin leu e elogiou o livro, e muito do seu trabalho posterior é uma longa discussão amigável com  Spencer. V. Robert J. Richards, “The Relation of Spencer’s Evolutionary Theory to Darwin’s”, em http://home.uchicago.edu/~rjr6/articles/Spencer-London.doc — um trabalho que o prof. Coyne deveria conhecer, já que o autor é seu colega na Universidade de Chicago.

2.        “Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem quase que com certeza exterminarão e substituirão as raças selvagens ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos serão sem dúvida exterminados. A distância entre o homem e seus parceiros mais próximos será então maior.” (Charles Darwin, The Descent of Man, 2nd  ed., New York,  A. L. Burt Co., 1874, p. 178).

3.        Por exemplo, Thomas Huxley, o mais importante evolucionista inglês depois de Darwin, escreve: “Nenhum homem racional, conhecendo os fatos, acredita que o negro médio seja igual, e muito menos superior, ao homem branco.” (Thomas H. Huxley, Lay Sermons, Addresses and Reviews, New York, Appleton, 1871, p. 20.)

4.        Sugiro: Daniel Gasman, The Scientific Origins of National-Socialism, New Brunswick (NJ), Transaction Publishers, 2004; James Reeeve Pusey, China and Charles Darwin, Harvard University Press, 1983; Richard Weikart, Socialist Darwinism. Evolution in German Socialist Thought From Marx to Bernstein, San Francisco (CA), International Scholars Publications, 1999; Richard Weikart, From Darwin to Hitler. Evolutionary Ethuics, Eugenics and Racism in Germany, New York, Palgrave, 2004.

5.        Gasman, p. 55.

A maioria silenciada

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 17 de agosto de 2006

O historiador americano Thomas Skidmore, na Folha do dia 14, diz que só depois da chegada de Lula ao poder “surgiram os oportunistas, os responsáveis por desmoralizar o PT”. Esse sujeito não sabe ou finge que não sabe nada do que se passou no Brasil nos últimos quinze anos. Ele só é ouvido com reverência porque empresta o aval da sua reputação às mentiras convencionais da propaganda esquerdista.

Como é possível que um partido que se associou a organizações criminosas desde pelo menos 1990 tenha se conservado limpo e santo durante todo esse tempo, para só se corromper depois de 2002? E de que oportunistas recém-chegados está falando Skidmore, se os astros maiores do espetáculo delinqüencial – os Paloccis, os Dirceu, os Valdomiros – já brilhavam no elenco uma década e meia antes?

A suprema vergonha, a baixeza imensurável da sociedade brasileira não está nos crimes do PT: está nos prodígios de desconversa com que aqueles mesmos que os reconhecem se apressam a limpar a folha corrida do culpado, fazendo dele a vítima inocente de uma contaminação acidental e tardia. Na verdade, esses crimes vieram de longa data e não nasceram da desonestidade avulsa de infiéis: nasceram de um plano abrangente de conquista do poder total por todos os meios possíveis e imagináveis, legais ou ilegais, decentes ou indecentes.

O Foro de São Paulo é em si uma societas sceleris, constituída para a proteção mútua de partidos oficiais e organizações criminosas. Se alguma dúvida restasse quanto a isso, o próprio sr. Luís Inácio as dissipou ao confessar, entre amigos, que governava o Brasil em parceria secreta com seus companheiros do Foro — tiranos, narcotraficantes, seqüestradores e terroristas estrangeiros (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/050926dc.htm).

Os planos dessa imensa máfia revolucionária continental jamais teriam prosperado se expostos à atenção pública. Mas mesmo agora, depois da revelação dos delitos petistas, a mídia nacional continua empenhada em ocultar a trama maior que os gerou, em preservar as causas intactas sob as ruínas dos efeitos. Longe de defender o povo contra as ambições dos criminosos, ela está empenhada em proteger os criminosos contra o olhar do povo.

A própria Folha de S. Paulo, numa pesquisa recente, admitiu que 47 por cento dos brasileiros são de direita, só 30 por cento de esquerda; e, dos 23 por cento restantes, nominalmente centristas, a maioria defende posições que estão muito à direita do centro. Ora, essas posições — contra o aborto, pela redução da menoridade penal, etc. — são precisamente aquelas que o jornalismo chique em geral expele do debate civilizado, colando-lhes os rótulos infamantes de “extremismo de direita” e “fundamentalismo” para criar, invertendo a realidade, uma falsa impressão de ligações terroristas, e legitimar como “normalidade democrática” um estado de apartheid ideológico no qual só a opinião da minoria pode ter canais de expressão partidária, cultural e jornalística. Se a mídia tem a autoridade de marginalizar e criminalizar a maioria, por que não terá também o direito, muito mais modesto, de ludibriá-la?

O futuro da pústula

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 14 de agosto de 2006

“Ah! Les idéaux, les idéaux! Les intentions, les intentions!”

(SERGIU CELIBIDACHE, regente de orquestra, ouvindo em Paris a narrativa de novas brutalidades cometidas pelo regime comunista na sua Romênia natal.)


Circula pela internet – e acabo de receber de um amigo – uma lista dos crimes que envolvem de algum modo o PT e o sr. presidente da República. São 190. Cento e noventa. Com um curriculum delinqüencial trinta vezes menor, Fernando Collor já estava no olho da rua, com a família em frangalhos, odiado pela população, humilhado pela mídia.

A diferença ostensiva de tratamento, amostra singela da guerra assimétrica em escala local, é a prova mais evidente de que a “grande mídia” brasileira perdeu os últimos escrúpulos de veracidade e já não tenta nem mesmo fingir equilíbrio, imparcialidade, senso de justiça.

Mesmo depois de absolvido pela Justiça, anos após o seu impeachment, Collor continuou sendo tratado como um delinqüente, um inimigo da pátria, um réprobo. O sr. Luís Inácio, mesmo quando confessa abertamente seus crimes (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/050926dc.htm), ainda merece o respeito, a confiança e o carinho de todos.

Entre os formadores de opinião, mesmo aqueles que dizem fazer oposição ao establishment petista têm o raciocínio travado por um preconceito, um bloqueio íntimo, uma proibição absoluta de pensar mal da esquerda, do partido governante e sobretudo do sr. presidente da República.

O sintoma mais alarmante desse preconceito é que a própria lista mencionada acima, por mais impressionante que seja, não inclui o maior delito de todos, a fundação do Foro de São Paulo, gigantesca societas sceleris em que os grupos criminosos entram com o dinheiro do narcotráfico e dos seqüestros enquanto os partidos oficiais lhes oferecem a proteção de que precisam para circular pelo continente sem o menor risco de prisão, exceto na Colômbia, o último país da América Latina onde ainda existem leis.

O motivo dessa omissão é auto-evidente: a revolução cultural gramsciana foi tão bem sucedida que já não há outro critério de julgamento a que se possa apelar senão o conjunto de chavões esquerdistas que se impôs como eficiente Ersatz de moralidade. Por mais que a elite esquerdista se esmere em delinqüir, em mentir, em roubar, em matar, o máximo que se ousa fazer contra ela é acusá-la de ser infiel a seus belos ideais. O dogma da pureza de intenções tem de ser preservado a todo preço, mesmo diante das evidências incontestáveis de maquiavelismo cínico, de total ausência de sentimentos morais. Se até os inimigos do governo se apegam a essa última ilusão, é porque sentem que, se desistirem dela, o chão se abrirá sob os seus pés. Mas o chão já está aberto. Se ainda bóiam sobre o abismo, numa redoma de sonhos, é pela força dos vapores infernais que sobem do fundo. Isto não é um floreio de linguagem. É a fórmula exata de uma equação política na qual o anseio de fingir confiança na estabilidade de instituições  extintas, assumindo a forma paradoxal de um culto ao governante que as destrói, só ajuda a destruir ainda mais rapidamente o que resta delas.

Também não uso a palavra “paradoxo” a esmo. A lógica paradoxal não é uma lógica de maneira alguma, mas é uma psicologia. Ela não apreende os nexos entre proposições, mas as ligações irracionais que o cérebro sonso faz entre semelhanças aparentes. Quem a domina faz do cérebro alheio o que bem entender. Uma de suas aplicações mais notórias é o velho esquema comunista de conquistar o poder absoluto mediante a “pressão de baixo” articulada com a “pressão de cima”, aprisionando a vítima numa armadilha de incongruências onde ela se debate em vão, desorientada e inerme.  Os acontecimentos da semana passada ilustram isso de maneira exemplar. De um lado, o secretário da segurança pública de São Paulo acusou publicamente o governo federal de fomentar e utilizar a onda de crimes do PCC. O sr. presidente da República, se fosse inocente e honrado, processaria imediatamente o acusador. Mas ele se limita a resmungar, ao mesmo tempo que, oferecendo tropas federais ao governo estadual acossado pela violência, coloca o adversário na posição humilhante de aceitar socorro do bandido, ajudando-o a tirar proveito eleitoral da sua própria perfídia, ou a arcar com as culpas do mal que ele lhe faz. O petismo triunfante nem tem de lutar: basta-lhe deixar que o adversário se estapeie a si próprio.

O Brasil tornou-se uma pústula que se acomodou ao estado de pústula e se recusa obstinadamente a estourar.

Não cabe nem mesmo ver nisso a derrota do sistema, a fraqueza das instituições. O Brasil só tem uma instituição: a pústula. Ela é o sistema, ela é as instituições. Ela impera, ela manda, ela sobrevive a tudo, alimentando-se gostosamente da sua própria podridão e crescendo sem parar. Uma vitória nada impossível do sr. Alckmin nas eleições pode trazer um alívio temporário, mas esse alívio será inútil se a oposição não o aproveitar para limpar-se da mitologia esquerdista que a paralisa e organizar-se para uma luta ideológica em regra. Fora essa hipótese, na qual não acredito, o futuro está garantido: Todo o poder à pústula!

***

Segundo o site Alerta Total, a presidência da República tem entre seus assessores de segurança ex-agentes da KGB soviética. Vocês sabem o que quer dizer “ex-agentes da KGB”: quer dizer máfia russa. A máfia russa não é uma máfia entre outras. É, desde pelo menos 1993, a central de comando do crime organizado no mundo (leiam Claire Sterling, Thieves’ World. The Threat of the New Global Network of Organized Crime, New York, Simon and Schuster, 1994). As ligações entre ela e o governo brasileiro são tão estreitas que, no dia seguinte da perda do seu mandato, o sr. José Dirceu já estava fazendo negócios com Boris Bereszowski.

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O ex-comandante do exército libanês, Charbel Barkat, informou à revista Evangelical News que o Hezbollah está usando aldeias cristãs, Ain Ebel, Rmeish, Alma Alshaab e outras, como base para lançamento de mísseis. “O Hezbollah está escondido entre a população civil e atacando por trás de escudos humanos”, afirmou Barkat.

Segundo a Convenção de Genebra, a culpa pelas mortes de civis em casos de bombardeio contra essas bases incumbe ao lado que usou os escudos humanos. Mas acima da Convenção de Genebra está o consenso jornalístico: haja o que houver, a culpa será de Israel, sempre de Israel.

Não é comovente ver como essa mesma mídia corre para proteger os judeus contra o perigo mortal de uma frase idiota dita por um cineasta bêbado?

 

***

 

Há anos venho investigando um fenômeno da história das idéias na modernidade ocidental, ao qual dei o nome de “paralaxe cognitiva” e que defino como o deslocamento entre o eixo da experiência real de um filósofo e o eixo da sua construção teórica. Desde o início do estudo, cujos resultados comecei a expor nos meus cursos em 2001 e nos meus artigos de jornal em 2002, deixei claro que considerava esse fenômeno uma anormalidade, um desvio da inteligência humana, que nele se mostrava inferior ao padrão de exigência fixado pelos filósofos antigos. Entre os dois eixos aparecia um escotoma, um ponto cego, evidenciando uma grave falha de consciência que não seria de esperar nem mesmo em pessoas comuns, quanto mais em pensadores de grande prestígio. O resultado era que, na teoria, surgiam descontinuidades arbitrárias, abismos epistemológicos entre aspectos da realidade que na própria experiência pessoal do pensador respectivo se mostravam perfeitamente contínuos. O sintoma mais grotesco era o filósofo enunciar teorias gerais sobre a espécie humana que, miraculosamente, não se aplicavam à sua própria pessoa ou, pior ainda, eram incompatíveis com o fato mesmo de ele estar escrevendo o que escrevia.

Quando Kant, por exemplo, afirmava que só conhecemos as aparências fenomênicas, mas não as coisas em si, essa asserção era incompatível com a sua expectativa ingênua de que, partindo de um mero sinal sensível – as letras impressas –, o leitor chegasse a apreender o núcleo do seu pensamento. Se não podíamos saltar dos fenômenos sensíveis às suas próprias substâncias, muito menos conseguiríamos, através deles, captar a substância de uma intenção subjetiva significada por eles – um salto ainda maior do que o requerido para apreender numa aparência de elefante a realidade de um elefante. Se as palavras de Kant significavam alguma coisa, a teoria enunciada por elas não significava nada, e vice-versa. A filosofia de Kant, em suma, era incompatível com o fato de que podíamos lê-la nos livros do autor.

Platão, Aristóteles ou Agostinho jamais pagaram mico semelhante. Talvez por terem a noção clara de que a filosofia não era só uma disciplina escolar mas uma regra de vida, eles nunca raciocinavam contra os dados da sua própria consciência. Quando enfocavam um objeto, não o faziam só com a habilidade raciocinante, mas com a totalidade operante da sua consciência individual concreta. Dito de outro modo, falavam perfeitamente a sério. Quando Platão situava os seres humanos entre os anjos e as bestas, ele sabia que ele próprio estava lá. Quando Aristóteles definia o homem como animal racional, ele deixava claro que ele próprio era um animal racional. Quando Agostinho falava da inclinação natural do homem ao pecado, ele oferecia como exemplo os seus próprios pecados. A realidade da qual esses filósofos falavam era a mesma na qual viviam. Sua filosofia era uma reflexão sobre a experiência, não a construção hipotética de um mundo inventado que, por definição, não poderia conter a pessoa real do seu inventor. Não que nada inventassem. Mas, quando inventavam, não vendiam sua invenção como realidade. O que me surpreendeu foi descobrir a freqüência cada vez maior com que os filósofos modernos foram se permitindo faltar com essa obrigação, ensinando do alto de suas cátedras teorias com que, na sua vida real, não poderiam concordar de maneira alguma, mas pretendendo que seus ouvintes as recebessem como realidade pura.

A paralaxe assim definida é um fenômeno específico, perfeitamente distinto, identificável historicamente.

Por isso mesmo convém explicar que esse fenômeno não tem nada a ver com aquilo a que o filósofo esloveno Slavoj Zizek (creio que isto se pronuncia Tchitchék) dá o mesmo nome no seu recente livro “The Parallax View” (MIT, 2006), que ele próprio considera o seu magnum opus. Paralaxe, para Zizek – autor bem conhecido no Brasil desde a edição de duas das suas obras pela Boitempo –, é a descontinuidade entre uma coisa e a mesma coisa vista sob outro aspecto qualquer. Por exemplo, as regras monásticas de São Bento e a conta de telefone de um mosteiro beneditino. Ou o conteúdo deste artigo e os problemas matrimoniais do jornaleiro da esquina. Ou a filosofia de Slavoj Zizek e a fórmula da tinta com que seu livro foi impresso. Zizek acredita piamente que o exame de qualquer idéia sob um ângulo paralático tem o poder de revelar os pressupostos ocultos dessa idéia — um método que subentende a total indistinção entre as conexões lógicas e as curiosas coincidências. Entre os moleques da minha escola, chamávamos a esse tipo de investigação “o estudo da influência das barbatanas de tubarão nas marés”, mas creio que nisso ainda estávamos mais perto de alguma continuidade efetiva.

A paralaxe como a entende Zizek já era conhecida pelos antigos gregos, que a denominavam “metábasis eis allo guénos”, confusão de gêneros, e abandonaram o seu estudo por não querer dispersar neurônios com uma coleção infinita de semelhanças e diferenças irrelevantes. Aristóteles, com sua distinção entre os significados múltiplos do ser, e Leibniz, com a observação de que cada mônada contém em si a infinidade de suas diferenças para com todas as outras, disseram tudo o que havia para dizer de importante a respeito. Mas Zizek acredita ver em cada exemplo de paralaxe (no sentido dele) uma antinomia absoluta, insuperável dialeticamente, o que leva, em última instância, a admitir que a impossibilidade de fazer um gato empalhado miar é um problema filosófico tragicamente sério.

Para alívio geral da inteligência humana, no entanto, em muitos casos a descontinuidade alegada por Zizek não existe a não ser para quem imagina que ela existe. O exemplo mais lindo é o que ele chama de “paralaxe vaginal”. Sob esse nome ele designa a existência de um “abismo ontológico absoluto” entre a vagina considerada como canal do prazer e como conduto do parto. Esse abismo pode ser um problema para quem sinta dificuldade de ereção quando pensa em tornar-se pai, mas, nós, que já nos acostumamos com a idéia, não precisamos nos preocupar com ele de maneira alguma, de vez que até as prostitutas de rua se permitem ignorá-lo solenemente quando nos convidam a fazer nenéns. Na verdade, a síntese dialética entre os dois aspectos da vagina não somente existe como também – quem diria? — já foi descoberta pela ciência: chama-se “gravidez”.

No fundo, porém, acho a filosofia de Zizek perfeitamente razoável. Como o objetivo que ele busca declaradamente atingir com ela é a restauração do materialismo dialético, o apelo a um método desesperado é uma simples questão de lógica. E, como ele mesmo afirma que a única razão para adotar esse método é “a decisão política” de fazer isso, temos de admitir que ele está no pleno uso das suas garantias constitucionais. Nos tempos em que o materialismo dialético era doutrina oficial na Eslovênia, ele seria fuzilado se dissesse que para justificá-lo era preciso ir tão longe. Mas, numa democracia, é direito do cidadão fazer o que bem entenda com a sua própria filosofia.

O que não creio de maneira alguma é que exista descontinuidade ontológica absoluta, ou mesmo relativa, entre as doutrinas de Slavoj Zizek e o fato de que ele seja um dos filósofos prediletos do dr. Emir Sader, mentor da Boitempo. Ao contrário: eu diria até que eles foram feitos um para o outro.  r[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[[

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