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Assassinos da inteligência

Olavo de Carvalho

Folha de São Paulo, 17 de junho de 2014

 

 

 

 

Pensar, até um burro pensa. O que distingue a espécie humana é sua capacidade de confrontar o pensado com o conjunto dos conhecimentos disponíveis e regular o curso do pensamento pela escala de credibilidade que vai do possível ao verossímil, ao provável ou razoável e, em certos casos, à certeza.

Aristóteles já ensinava isso.

Infelizmente, no Brasil, raros opinadores têm o senso dessas distinções. A maioria imagina que para pensar com proveito basta um pouco de lógica formal e algum domínio dos chavões mais caros ao coraçãozinho da plateia.

Em debate recente, o professor Igor Fuser, uma estrela do “cast” universitário esquerdista, assegurou que “não se pode julgar um regime pelo número das suas vítimas”. Dez minutos depois, desmentia-se fragorosamente ao alegar que a ditadura brasileira “perseguiu milhares de pessoas” e que o número de cristãos assassinados no mundo está muito abaixo dos 100 mil por ano –subentendendo, portanto, que a ditadura foi um horror e que os matadores de cristãos nos países islâmicos e comunistas não são tão maus quanto se diz.

Mas o pior não é isso. Mesmo sem esses autodesmentidos grotescos, a afirmativa geral que os antecedeu –a mais comumente alegada por devotos comunistas empenhados em salvar a honra dos governos mais assassinos que o mundo já conheceu– é perfeitamente desprovida de sentido. Para perceber isso basta medi-la com a escala de credibilidade.

Em política, admite-se universalmente, as certezas absolutas são raras ou inexistentes. O meramente possível reflete a liberdade da fantasia, o verossímil é apenas questão de opinião, gosto ou preferência. Não servem como argumentos. Resta a probabilidade razoável. Quem quer que argumente seriamente em política procura nos convencer de que a razão, com altíssima probabilidade, está do seu lado.

Acontece, para a tristeza dos tagarelas, que todo argumento de probabilidade depende eminentemente do elemento quantitativo que o fundamenta explícita ou implicitamente. Se digo que o candidato X vai vencer as próximas eleições com uma probabilidade de zero a cem por cento, não disse absolutamente nada. Tanto vale dizer que um governo é igualmente malvado se não matou ninguém ou se matou milhões de pessoas.

Quando um comunista esperneia contra o que chama de “contabilidade macabra”, tem, é claro, uma boa razão para fazê-lo. Contados os cadáveres, é impossível negar que o comunismo foi o flagelo mais mortífero que já se abateu sobre a humanidade. Diante disso, só resta apegar-se ao subterfúgio insano de que o macabro não reside em fazer cadáveres e sim em contá-los.

Somando à insanidade o fingimento, a proibição de contar tem de ser suspensa quando se fala de regimes “de direita”, donde se conclui que os 400 terroristas mortos no regime militar –a maioria deles de armas na mão– são um placar muito mais hediondo e revoltante do que os 100 milhões de civis desarmados que os heróis do comunismo assassinaram na URSS, na China, na Hungria, em Cuba etc.

O senso das quantidades e proporções é a exigência mais básica e incontornável não só da conduta honesta, mas da racionalidade em geral. Dissolvendo-o pouco a pouco na plateia, os fúseres da vida destroem não só a moralidade pública, mas as próprias condições elementares do funcionamento normal da inteligência humana.

Se nas universidades brasileiras há uma quota de 40 a 50% de alunos analfabetos funcionais, isso não se deve só a uma genérica “má qualidade do ensino”, mas ao fato de que há décadas o discurso comunista e pró-comunista onipresente espalha, nas mentes dos estudantes, doses maciças de estimulação contraditória e obstáculos cognitivos estupefacientes.

Notinhas horríveis

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 15 de junho de 2014

          

Houve uma época em que não se podia escrever sátiras no Brasil porque tudo o que acontecia já era satírico em si mesmo. Hoje tornou-se impossível escrevê-las porque tudo está passando rapidamente do ridículo ao deprimente, do deprimente ao aterrador.

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Quando um governo protege abertamente os usuários de crack enquanto reprime por todos os meios os fumantes de tabaco, está claro que nem acredita nos benefícios do crack nem no poder assassino dos maços de cigarros: acredita apenas que é da sua conveniência adestrar a população para adaptar-se, calada e cabisbaixa, a qualquer situação absurda que ele lhe imponha. É a técnica do bullying repetido. De tanto ser provocado, humilhado, intimidado, você desiste de reclamar.

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A presidenta posando toda alegrinha ao lado da entubadora de crucifixos é bullying no mais alto grau. O exemplo vem de cima. Michele Obama movendo guerra às batatinhas fritas que as crianças adoram é exatamente a mesma coisa.

Idem, a escandalosa troca de cinco terroristas por um desertor. Idem, a proibição dos termos “pai” e “mãe”. E assim por diante. Quanto mais absurdo, melhor. A idéia é sempre levar a plateia a desistir de fazer uso da razão.

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Quando a mentira oficial se torna sistêmica, as pessoas não são forçadas somente a repeti-la, mas a raciocinar de acordo com ela. O resultado é a destruição dos processos normais de funcionamento da inteligência humana. Daí ao império da bestialidade o passo é bem curto.

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O sinal mais patente do primarismo mental brasileiro é a confusão de categorias, da qual resulta que todos os julgamentos acabam ficando fora de foco, isto quando não estão completamente errados ou não têm nenhum sentido. Por exemplo, a crença pueril – um automatismo mental quase infalível hoje em dia – de que, diante de uma afirmação qualquer, lida ou ouvida, você sempre pode e sobretudo deve “concordar” ou “discordar”.

Pessoas com alguma educação superior (coisa praticamente inexistente no Brasil) sabem que, em geral, concordar ou discordar não têm a mais mínima importância. Compreender, analisar, aprofundar, comparar, atenuar, ampliar, contextualizar – estas são as reações básicas do leitor culto. O idiota, ao contrário, imagina que tudo o que se escreve no mundo existe só para que ele o julgue, aplauda ou condene — atividades às quais ele se entrega com uma presteza e uma volúpia incomparáveis.

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A impropriedade vocabular assinala sempre a confusão mental. Até hoje não encontrei neste país um só palpiteiro profissional que compreendesse, ao menos, que de um juízo de fato não cabe “concordar” ou “discordar”. Concordância e discordância só existem em matéria de opiniões, de valorações, de propostas. Se uma asserção factual é falsa, quem discorda dela são os fatos, não o leitor.

É perfeitamente possível você concordar com um conjunto de afirmações – ou discordar – sem entender uma só palavra do que ali está dito. Concordância ou discordância são sentimentos. O sentimento nunca diz nada sobre o objeto percebido, só sobre o estado do sujeito que percebe.

O sentimento é um termômetro do seu estado interior, não uma régua para medir a realidade. Como no Brasil todo mundo só escreve para concordar ou discordar, isto é, para expressar sentimentos, a conclusão inevitável é que cada um só fala de si mesmo, não de alguma coisa.

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É assombroso constatar que justamente as pessoas que mais se gabam de “pensamento crítico” só conhecem e respeitam um único argumento: o argumento de autoridade. O que ouviram no colégio é “magister dixit” de uma vez para sempre.”

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Thomas Piketty tem razão ao dizer que a desigualdade econômica aumentou nas últimas décadas. Ele só se omite de notar que isso aconteceu junto com um aumento ainda maior do poder de controle dos governos sobre a conduta da população – um objetivo em cuja conquista se irmanam a militância socialista e o capital monopolista que o subsidia.

Esses processos não são independentes. Olhando propositadamente só a metade econômica do cenário, é fácil atribuir o mal a uma abstração chamada “capitalismo”. É assim que o bandido sai limpo, culpando a vítima. A revista Exame, fingindo inocência, raciocina nessa linha e pergunta: “Por que o capitalismo é tão injusto?” É injusto mesmo: persegue quem o defende e enche de dinheiro quem o denigre.

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Já li todos os artigos do professor Ígor Fuser. Foi na Voz Operária dos anos 1960. Ele ainda não havia nascido mas já escrevia igualzinho.

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Se há alguém cuja opinião sempre merece ser ouvida, é o filósofo australiano Harry Redner. No seu livro mais recente (Totalitarianism, Globalization, Colonialism. The Destruction of Civilization since 1914, London, Transaction Publishers, 2014), ele explica que a civilização está mesmo sendo destruída, mas que é errado supor que com isso entramos numa era de barbarismo. O barbarismo supõe a ausência de administração estatal e a desordem econômica incontrolável. O que vemos hoje, ao contrário, são sociedades racionalmente administradas no mais alto grau, onde ao mesmo tempo vão sendo suprimidos os valores morais e intelectuais da civilização. Ele chama esse estado de coisas de “pós-civilização” ou “decivilização”. Está certíssimo.

Do enigma ao desastre

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 4 de junho de 2014

          

Os historiadores do futuro, se houver futuro, talvez nos dêem a solução do maior enigma político de todos os tempos. Por enquanto, tudo são névoas e perguntas sem respostas.

Um homem que veio não se sabe de onde, que nunca teve um emprego fixo, que pagou seus estudos nas universidades mais caras com dinheiro de fonte misteriosa, que trocou de nome pelo menos quatro vezes, que nunca exibiu um só documento de identidade válido mas apresentou pelo menos três falsificados, que tem uma história de vida toda repleta de episódios suspeitos e passou anos em companhia íntima de gangsters e terroristas, um dia se elegeu senador pelo estado de Illinois e, depois de somente alguns meses de experiência política – se é que se pode chamar de experiência a ausência na maioria das sessões –, foi guindado à presidência da nação mais poderosa do globo, sob aplausos gerais.

Despertou em centenas de milhões de eleitores a maior onda de esperanças messiânicas de que se tem notícia desde Lênin, Mussolini, Stálin, Hitler e Mao Dzedong. Decorridos seis anos de uma administração indescritivelmente desastrosa, continua no posto, impávido colosso, sem que ninguém possa investigar as zonas obscuras da sua biografia sem ser xingado de tudo quanto é nome pelos maiores jornais do país, bem como pela elite dos dois partidos, Democrata e Republicano.

Aparentemente a obrigação mais incontornável do eleitor norte- americano, hoje em dia, é deixar-se governar sem perguntar por quem, fazendo de conta que tudo está perfeitamente normal.

Uma vez persuadido a acomodar-se a essa situação, sob pena de tornar-se um inimigo público, o cidadão está pronto para aceitar silencioso e cabisbaixo qualquer decisão que venha do governo, por absurda, imoral e inconstitucional que seja.

A última foi essa incrível troca de cinco dos mais temíveis líderes do Taliban por um soldadinho desertor – sem consulta ao Senado, é claro, o que soma à injúria o insulto.

Mas antes disso o número e a gravidade dos crimes do presidente já haviam ultrapassado as mais tétricas especulações futuristas: duplicou a dívida nacional que prometera reduzir, desmantelou o sistema de saúde para colocar em seu lugar a fraude monumental do Obamacare, pressionou hospitais religiosos para que realizassem abortos, entregou armas a traficantes mexicanos e terroristas sírios, encheu de dinheiro estatal firmas falidas de seus amigos e contribuintes de campanha, desmoralizou o dólar, estragou as relações diplomáticas com Israel, fez mil e um discursos culpando os EUA de tudo quanto acontece de mau no mundo, teve dezenas de encontros secretos com membros e parceiros da Fraternidade Muçulmana, usou o imposto de renda para perseguir inimigos políticos, instalou um monstruoso sistema de espionagem interna para chantagear jornalistas, incentivou o quanto pôde o ódio racial, armou a polícia civil com equipamentos de guerra para aterrorizar cidadãos desarmados, acabou com a liderança americana no mundo, recusou socorro a um embaixador cercado por terroristas e, depois que ele foi assassinado, tentou enganar o país inteiro com a historinha ridícula de que foi tudo culpa de um vídeo do youtube.

Nesse ínterim, tirou mais férias, deu mais festas e jogou mais partidas de golfe do qualquer dos seus antecessores, além de faltar sistematicamente ao “briefing” diário com seus assessores. Nas horas vagas, sua esposa se dedicava a uma campanha altamente humanitária para que as crianças comessem mais nabos e menos batatinhas fritas, provocando a ira da população infantil.

A sucessão de ações maldosas e antipatrióticas, entremeada aqui e ali de futilidades obscenas, é tão incessante, tão coerente, que toda tentativa de explicá-la pela mera incompetência vai contra o mais mínimo senso de verossimilhança. Como escreveu Eileen F. Toplansky no último número do American Thinker, o homem não é um fracasso: é um sucesso. Sucesso num empreendimento frio e calculado de destruição do país (ver aqui).

Se, a despeito disso, ele continua blindado e inatingível, é porque a Constituição e as leis foram desativadas, sendo substituídas por um novo princípio de ordem: a autoridade da grande mídia, aliada à força de intimidação de uma vasta rede de colaboradores dispostos a tudo e amparada em corporações bilionárias interessadas em remover os EUA do caminho do governo mundial.

O Sistema americano, em suma, já não é mais o mesmo, e a restauração do antigo, se for possível, levará décadas. A obra de devastação foi muito além dos seus efeitos políticos imediatos: mudou o quadro inteiro da autoconsciência americana, fez da grande potência um país doente e aleijado, incapaz de reagir às mais brutais agressões psicológicas. Incapaz até mesmo de escandalizar-se.

A passagem de Barack Hussein Obama pela presidência do país é o acontecimento mais desastroso que já se abateu sobre os Estados Unidos desde o bombardeio de Pearl Harbor.

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