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A vitória da ficção

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 2 de novembro

Notável na eleição de domingo foi a facilidade com que provas cabais do que governo fez no passado acabaram parecendo, aos eleitores, menos dignas de crédito do que invencionices artificiosas quanto àquilo que a oposição pretenderia fazer no futuro. Nada indicava que Alckmin planejasse eliminar os programas sociais ou privatizar a Petrobrás. Tudo evidenciava que Lula era corrupto e mentiroso. Nas urnas, a ficção prevaleceu sobre a realidade.

O motivo do aparente absurdo, no entanto, é simples e claro. Durante vinte anos a corrupção nacional foi descrita na mídia em termos de luta de classes: era a “elite” roubando a multidão dos coitadinhos. Nesse contexto, o “partido dos pobres” parecia ser mesmo o partido dos puros. Então ficava realmente difícil acreditar que uma organização tão sacrossanta se transfigurasse, da noite para o dia, numa gangue de ladrões.

A criminalidade petista é diferente da dos outros partidos: enquanto nestes floresce a paixão avulsa do enriquecimento pessoal, o PT delinqüe por sistema e obrigação revolucionária, dentro de uma estratégia abrangente de poder total e inserção do Brasil nos planos do Foro de São Paulo.

A oposição, porém, toda ela formada sob a prestigiosa influência da luta esquerdista contra o regime militar, via com horror a hipótese de desmoralizar, junto com o PT, o esquerdismo em geral. Esforçou-se, pois, para isolar uma coisa da outra, encobrindo as ligações do partido com organizações subversivas internacionais e apresentando os crimes petistas como banais delitos de corrupção, só distintos de seus antecedentes pelo volume inaudito, que os tornava, aos olhos do povão, ainda mais inverossímeis.

A única vez em que o nome “Farc” apareceu associado ao PT foi quando eclodiu a suspeita de ajuda secreta à campanha eleitoral de 2002. Apresentada pela mídia como um caso de contribuição ilícita igual a qualquer outro, a notícia ignorava a longa colaboração entre o partido político e a organização narcoguerrilheira, dando a entender que aí nada havia de errado, desde que ninguém ganhasse dinheiro com isso. Era como se vantagens políticas obtidas da parceria com o crime não fossem elas próprias criminosas, como se a proteção dada pelo PT às Farc não tivesse ajudado em nada os índices de violência no Brasil a alcançar a taxa astronômica de 50 mil homicídios anuais, mesmo sabendo-se que a quadrilha colombiana vendia cocaína e dava treinamento paramilitar às gangues locais. Autoneutralizadas pela ocultação do essencial, pela inversão da escala de gravidade dos crimes e, em última análise, pela cumplicidade tácita com o acusado, as denúncias da oposição não poderiam senão levantar suspeita contra elas próprias e fortalecer a candidatura Lula. Parecem ter sido calculadas justamente para esse fim, mas, tenha ou não havido um pacto abominável entre PT e PSDB, a força residual da solidariedade esquerdista basta para explicá-las. O amor nacional aos eufemismos pode chamar a omissão tucana de “moderação”. Mas moderação na defesa da verdade é serviço prestado à mentira. Tal como em 2002, o PSDB foi o autor da comédia eleitoral que deu a vitória ao PT.

Piu-Piu na cadeia

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 2 de novembro

Em artigo publicado em 30 de outubro, anunciei: “Como Lula promete para o seu segundo mandato a ‘democratização dos meios de comunicação’, os órgãos de mídia que se calaram quanto aos crimes maiores do presidente serão recompensados mediante a oficialização da mordaça” (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/061030dc.html).

Não se passaram 48 horas e, como invariavelmente acontece há quinze anos, os petistas me deram razão. Saíram espancando e intimidando jornalistas, clamando por mais controle estatal da mídia e até caprichando na mesquinharia ao ponto de boicotar o pagamento de aposentadoria a um de seus recentes desafetos.

Dos perseguidos, nenhum era direitista, pró-americano, sionista ou cristão conservador. Eram todos “companheiros de viagem” que passaram a década ajudando a encobrir o eixo Lula-Castro-Chávez-Farc, a idealizar a imagem do “presidente operário” e a realizar o sonho gramsciano de dar ao esquerdismo a autoridade moral onipresente e invisível de um imperativo categórico. Foram punidos apenas porque, depois de ter servido a essa autoridade com o melhor de suas forças, engolindo gentilmente sapo em cima de sapo, chegaram ao limite de elasticidade das suas consciências e recuaram ante o derradeiro upgrade de abominação que o governo lhes exigia: não quiseram compactuar com uma roubalheira que não os beneficiava. Por essa malcriação anêmica e tardia – o máximo de independência mental que se concebe no Brasil de hoje –, foram rotulados de servos do imperialismo, filhotes da ditadura e reacionários fascistas, padecendo o destino que a “democracia ampliada” reserva a esses tipos execráveis. Depois disso, ainda hesitam em admitir o óbvio e, infectados até à medula da “síndrome do Piu-Piu” (para uma descrição desta sintomatologia, v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/041204globo.htm), insistem em perguntar, como Veja: “Fatos isolados ou política de governo?” É claro: tendo dado persistente sumiço a atas e documentos do Foro de São Paulo, sentem repulsa de confessar que os planos ali anunciados estão sendo levados à prática. Imagino-os, em breve, trancafiados numa prisão comunista, interrogados por oficiais cubanos (como já acontece na Venezuela) e perguntando-se uns aos outros: “Será que eu vi um gatinho?”

Parece mesmo impossível explicar a essas pessoas que há alguma diferença entre a modernização capitalista usada para consolidar um regime constitucional e para financiar a construção discreta de uma “democracia popular”. É a diferença entre Margaret Thatcher e Vladimir Iilitch Lênin, mas fica difícil enxergá-la quando se acredita no poder libertário automático da economia de mercado – uma sugestão hipnótica que após a queda da URSS consultores comunistas meteram na cabeça do empresariado para desarmá-lo ideologicamente. Imbuídas dessa fé mágica, publicações como Veja e a Folha acham que é possível livrar-se do comunismo recusando-se a enxergá-lo e reprimindo severamente toda tentação anticomunista. Deu no que deu, mas a existência ou inexistência do gatinho ainda continua uma dúvida metafísica insolúvel.

Tá tudo dominado

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial) , 1o de novembro de 2006

A situação militar do Brasil é muito simples e clara. Hugo Chávez está montando um exército de um milhão e meio de homens bem armados, a maior força aérea da América Latina, e vinte bases militares em território boliviano, todas na fronteira com o Brasil. Seus aliados são, de um lado, o exército argentino de Kirchner, de outro lado as FARC e o ELN, cujo número de combatentes é hoje difícil de calcular mas que têm um orçamento militar incomparavelmente maior que de qualquer país latino-americano, com exceção da Venezuela.

O Brasil é hoje um país inerme e virtualmente cercado. Desaparelhadas, politicamente intimidadas, reduzidas à míngua pelos cortes orçamentários e à subserviência humilhante por vinte anos de bombardeio difamatório, nossas Forças Armadas não têm a mínima condição de defender o País contra as tropas empenhadas em garantir pelas armas a consecução do plano do Foro de São Paulo : a integração continental sob a bandeira neocomunista.

Nunca a soberania e a própria integridade da nação estiveram tão ameaçadas. Não há nenhum motivo razoável para duvidar de que, tendo chegado tão perto de realizar seu sonho de poder total, a esquerda revolucionária latino-americana destruirá pela força qualquer obstáculo que não possa remover pelo engodo e pela manipulação. Isso não quer dizer, é claro, que deixá-la vencer eleições nos livrará do perigo de morte. A única diferença entre a “via pacífica” e a “via armada” é que nesta a violência é usada como meio de chegar ao poder, naquela como meio de destruição da classe inimiga uma vez garantido o domínio total do Estado. Exemplos respectivos são Cuba e a Tchecoslováquia – a ascensão ao poder por meio da guerra revolucionária e por meio do golpe parlamentar, seguida de igual violência repressiva num caso como no outro.

Aqueles que imaginam que o sucesso eleitoral da esquerda no continente haverá de curá-la da tentação guerreira são imbecis iludidos ou mentirosos espertos. O sucesso eleitoral foi precisamente o meio do qual a esquerda se serviu para proteger as facções armadas, garantir-lhes a impunidade e ajudá-las a crescer. A unificação e expansão das forças armadas revolucionárias continentais sob o comando de Hugo Chávez é a etapa atual do processo. O capítulo seguinte é usar essas forças para derrubar as últimas resistências que venham a se opor seja à conquista do Estado, seja à expansão indefinida do poder estatal uma vez conquistado.

A dissolução das soberanias já é uma realidade, como se vê pela fusão dos aparatos jurídico-policiais cubanos e venezuelanos e pela utilização do território boliviano como cabeça de ponte para a eventual invasão do território brasileiro.

Vocês ouviram uma palavra sobre esse perigo nos debates presidenciais? Não. Leram alguma nos grandes jornais? Não. Mas leram, é claro, inumeráveis artigos alertando contra o perigo de uma agressão dos EUA ao continente latino e apontando como prova desse risco iminente a existência de uma base militar americana no Paraguai… fundada em 1948. Leram e até acreditaram. Se não chegaram a tanto, pelo menos não se deram conta de que esses artigos, todos eles subscritos por agentes de influência diretamente ligados a organismos chavistas, já eram a preparação psicológica da opinião pública para que aceitasse o advento do aparato militar comuno-chavista de dominação como um acontecimento banal e inofensivo, se não como o despertar de uma bela esperança patriótica.

O silêncio em torno do perigo real e iminente é tão geral, persistente e sistemático quanto o falatório alarmista em torno do perigo imaginário e fantasioso.

A norma vigente em todas as redações deste país é, nesse ponto, a mesma que se adotou quanto ao Foro de São Paulo . Toda a mídia brasileira – inclusive antilulista – transformou-se numa engrenagem da máquina de desinformação revolucionária empenhada em demonizar os Estados Unidos ao ponto de legitimar, em nome do temor a uma invasão americana impossível, a conivência ao menos passiva com a ocupação do continente pelas forças armadas da virtual União das Repúblicas Socialistas Latino-Americanas. Um jornalista colabora com esse processo cada vez que faz alarde em torno de violências imaginárias cometidas contra terroristas na prisão americana de Guantánamo e encobre de silêncio a brutalidade real e ininterrupta a que estão expostos os prisioneiros de consciência no vizinho cárcere cubano . Essa dupla e concomitante regra de desinformação é seguida hoje fielmente por todos os órgãos de mídia deste país, incluindo os mais antilulistas.

A própria Veja , nas páginas internacionais, fornece semanalmente a sua quota de mentiras anti-americanas, em penitência por ter dito a verdade contra o PT na seção nacional.

Os planos do Foro de São Paulo vêm de longe, e o Brasil, em vez de se preparar para defender-se contra eles, chegou a reeleger presidente o homem que os concebeu. Nunca uma nação se rendeu com tanta docilidade – e com tanta antecedência – a um inimigo tão obviamente mal intencionado.

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