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Articulação mundial contra o Papa

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 7 de abril de 2009

Tão logo o Papa Bento XVI anunciou a reintegração da Igreja tradicionalista na ordem pós-conciliar – o que de si já é uma ironia, pois a novidade não pode reintegrar em si a tradição, e sim ao contrário –, desencadeou-se contra ele uma das mais maliciosas campanhas de ódio já vistas na mídia mundial.

Três episódios marcaram os seus pontos altos.

Primeiro veio o bispo Williamson – um factóide na mais plena acepção do termo. Até a véspera, ninguém o conhecia. Quando o descobriram entre os milhares de sacerdotes e fiéis beneficiados pela suspensão de uma pena eclesiástica coletiva, saiu do anonimato e tornou-se repentinamente um perigo para a espécie humana, por ter emitido numa igreja de bairro, ante umas poucas dezenas de fiéis se tanto, uma opinião antijudaica. Por toda parte ergueram-se gritos de escândalo, significativamente voltados não contra o bispo, mas contra o Papa. Como se a revogação do castigo não viesse do simples reconhecimento de um erro judicial velho de quatro décadas, e sim do endosso papal às convicções pessoais do bispo – até então ignoradas não só do Vaticano, mas do mundo – sobre matéria alheia ao seu sacerdócio, à fé católica, às razões da penalidade e às da respectiva suspensão. Forçando a inculpação por osmose até o último limite do artificialismo, lançava-se sobre toda a Igreja tradicionalista e, de quebra, sobre o Papa que a acolhera de volta, a vaga mas por isso mesmo envolvente suspeita de anti-semitismo. Não por coincidência, entre os mais inflamados denunciantes encontravam-se aqueles que tanto mais se esforçam para proteger os judeus contra perigos inexistentes quanto mais se devotam a entregá-los, inermes, nas mãos de seus inimigos armados.

Depois, veio o episódio das camisinhas. Não há como medir os gritos de horror, as lágrimas de escândalo, as gesticulações frenéticas de abalo moral com que a grande mídia reagiu à declaração blasfema de que esses sacrossantos dispositivos não protegem eficazmente contra a Aids. Na verdade, não protegem nada. Edward C. Green, diretor do Projeto de Pesquisas sobre Prevenção da Aids no Harvard Center for Population and Development Studies, informa que a revisão mundial dos resultados obtidos nos últimos 25 não mostra o menor sinal de que as camisinhas impeçam a contaminação. O único método que funciona, diz Green, é a redução drástica do número de parceiros sexuais. Uganda, que por esse método e com forte base religiosa reduziu os casos de Aids em 70 por cento, é o único – repito: o único – caso de sucesso espetacular já obtido contra essa doença. Mas que importam esses dados? A camisinha não vale pela eficácia, ó materialistas prosaicos. Ela é um símbolo, a condensação elástica dos mais belos sonhos da utopia pansexualista, onde as criancinhas praticarão sexo grupal nas escolas, sob a orientação de professores carinhosos até demais (sem pedofilia, é claro), e nas praças os casais gays darão lições de sodomia teórica e prática, para encanto geral do público civil, militar e eclesiástico. De que vale a verdade, de que valem as estatísticas, de que valem as vidas dos ugandenses, diante de imagens tão radiosas da civilização pós-cristã que a ONU, o Lucis Trust, a mídia bilionária e todos os pseudo-intelectuais do mundo almejam para a humanidade? É em defesa desses altos valores que se ergueram gritos de revolta contra o Papa, esse estraga-prazeres, esse iconoclasta sacrílego.

Por fim, veio o documentário da BBC, onde o ex-cardeal Ratzinger é acusado de proteger padres pedófilos, determinando que fossem removidos de paróquia em vez de punidos. É claro que a coisa já estava pronta fazia tempo, aguardando a oportunidade política, que veio com os esforços de Bento XVI para restaurar a unidade da Igreja, algo que os apóstolos da nova civilização temem como à peste. A BBC, outrora uma estação respeitável, tornou-se uma central de propaganda esquerdista tão fanática e desavergonhada que o que quer que venha dela deve ser recebido a cusparadas, mas em todo caso vale lembrar que um padre formalmente condenado na justiça por pedofilia não tem como ser removido de paróquia, pois já está removido para a cadeia. Restam os padres meramente acusados, sem provas judiciais válidas. A mídia quer que a Igreja os castigue assim mesmo, a priori, à primeira palavra que se publique contra os desgraçados. O cardeal Ratzinger é acusado, no fim das contas, de não ter feito isso. É preciso toda a técnica cinematográfica da BBC para dar a impressão de que se trata de coisa imoral, até mesmo vagamente criminosa. Mas, nesses casos, a realidade não importa nada. A impressão é tudo.

Destaco esses três episódios só como amostras, no meio de um bombardeio multilateral, incessante e crescente, no qual só a estupidez voluntária pode enxergar uma simples confluência de casualidades, sem nenhuma coordenação ou planejamento.

Ignorando o essencial

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 3 de abril de 2009

Há alguns dados históricos elementares sobre o movimento comunista, ignorados pela maioria e mal conhecidos ou bem esquecidos pelas minorias letradas e dirigentes, sem os quais é impossível, literalmente impossível entender o que quer que seja da história recente. Se você procurar se informar a respeito e começar a levar esses dados em conta, verá quanta coisa obscura se esclarece automaticamente, sem necessidade de grande esforço interpretativo.

1. O comunismo foi e é, ao longo da história humana, o único – repito: o único – movimento político organizado em escala mundial, com ramificações e agentes nos lugares mais remotos do planeta, disciplinados e capacitados para entrar em ação de maneira imediata, coordenada e simultânea ao primeiro chamado de seus centros de comando.

2. Embora tendo a seu serviço uma quantidade enorme de organizações e partidos de massa, o comunismo é substancialmente um movimento clandestino, cujo comando e cujos planos de ação devem permanecer invisíveis aos profanos, mesmo nas épocas de legalidade em que várias organizações comunistas atuam publicamente sem sofrer a menor perseguição. O primado da elite clandestina sobre a liderança visível é, pelo menos desde Lênin, uma cláusula pétrea da estratégia comunista. É impossível compreender essa estratégia e as táticas que a implementam levando em conta somente a atuação ostensiva dos líderes comunistas mais visíveis em cada país, sem acesso às discussões internas e às conexões internacionais de cada organização.

3. O comunismo foi e é, em todo o mundo e em todas as épocas, o único movimento político que teve e tem a seu dispor recursos financeiros ilimitados, superiores às maiores fortunas conhecidas no Ocidente e aos orçamentos de muitos governos somados. Suas possibilidades de ação devem ser medidas na escala dos seus recursos.

4. Só uma parcela ínfima da atividade comunista consiste em propaganda doutrinária reconhecível direta ou indiretamente. A parte maior e mais significativa consiste em infiltrar-se e mesclar-se em toda sorte de organizações – partidos políticos (inclusive liberais e conservadores), mídia, sindicatos, empresas estatais e privadas, instituições culturais, educacionais, religiosas e de caridade, Forças Armadas, Maçonaria, a lista não tem fim – de modo a torná-las instrumentos da estratégia comunista e a controlar por meio delas toda a sociedade, fazendo do Partido “um poder onipresente e invisível” (a expressão é de Antonio Gramsci, mas a técnica existia desde muito antes dele). É pueril imaginar que, uma vez inseridos nessas entidades, os comunistas aí se dediquem a doutrinação ou proselitismo, como se fossem pastores protestantes espalhando o Evangelho entre infiéis. A arregimentação de todas as forças para que sirvam à estratégia comunista é um mecanismo tremendamente sutil e complexo, que envolve doses maciças de camuflagem e despistamento, com muitos lances paradoxais pelo caminho.

5. É tolice imaginar o comunismo como uma “doutrina” ou “ideal”, sobretudo quando se entende por isso a pregação aberta da abolição da propriedade privada. O movimento comunista nunca teve nem precisou ter qualquer unidade doutrinária, e já provou mil vezes sua capacidade de adaptar-se taticamente às fórmulas ideológicas mais díspares, de maneira sucessiva ou simultânea, desnorteando por completo o observador leigo (incluo nisto os políticos em geral e a quase totalidade dos intelectuais liberais e conservadores). Campanhas ateísticas as mais truculentas, por exemplo, coexistem pacificamente, no seio do movimento comunista, com o aproveitamento do discurso religioso como meio de atingir o coração das massas. Mutatis mutandis, a exploração dos sentimentos nacionalistas extremados vem lado a lado com o esforço de diluir as soberanias nacionais em unidades maiores, regionais ou mundiais, de modo que, por trás da cena, o movimento comunista se beneficia tanto das resistências patrióticas quanto do poder global em ascensão. A unidade do movimento comunista é de tipo estratégico e organizacional, não ideológico. O comunismo não é um conjunto de teses: é um esquema de poder, o mais vasto, fexível, integrado e eficiente que já existiu. Mesmo o radicalismo islâmico, hoje em rápida expansão, nada poderia sem o apoio da rede mundial de organizações comunistas.

6. Tolice maior ainda é imaginar que a oposição lógico-formal entre os conceitos abstratos de capitalismo e comunismo se traduza, na prática, em conflito mortal entre capitalistas e comunistas. À variedade de diferentes situações locais e temporais corresponde uma infinidade de nuances e transições, com um vasto espaço para os arranjos e cumplicidades mais estranhos em aparência (só em aparência). Ninguém entenderá nada do mundo histórico em que vive hoje se não tiver em conta a longa colaboração entre o movimento comunista e algumas das maiores fortunas do Ocidente, por exemplo Morgan, Rockefeller e Rothschild. Os livros clássicos a respeito são os do economista inglês Anthony Sutton, mas já em 1956 o Comitê Reece da Câmara de Representantes dos EUA levantou provas substanciais de que algumas fundações bilionárias estavam usando seus recursos formidáveis “para destruir ou desacreditar o sistema de livre empresa que lhes deu nascimento”. Essas fundações estão hoje entre os mais robustos pilares de suporte do governo socialista de Barack Hussein Obama.

O desconhecimento ou incompreensão desses fatos entre liberais e conservadores está na raiz de sua incapacidade de opor uma resistência séria à marcha triunfante do comunismo na América Latina. Muitos ainda acreditam, por exemplo, que será uma grande vitória da democracia obrigar as Farc a abandonar a luta armada para transformar-se em partido legal. Não entendem que criar uma força política reconhecida é, no fim das contas, o único objetivo da luta armada – na Colômbia ou em qualquer outro lugar. Guerrilhas não vencem guerras: tudo o que desejam é uma derrota politicamente vantajosa. Por isso, ao mesmo tempo que trocam tiros com as forças do governo, na selva e nas cidades, colocam seus agentes em postos-chave dos partidos esquerdistas legais, de onde clamam contra o derramamento de sangue e apelam dramaticamente ao retorno da legalidade. Fizeram isso no Brasil, fazem agora na Colômbia.

Enquanto os liberais e conservadores não obtiverem uma clara visão de conjunto do fenômeno enormemente complexo do comunismo, enquanto insistirem em se opor somente às facetas mais imediatas e repugnantes desse movimento, se não apenas às doutrinas comunistas consideradas abstratamente, estarão condenados à derrota mesmo quando se julgam vencedores.

O fato de que jamais tenha havido uma internacional anticomunista torna difícil para muitas pessoas obter essa visão de conjunto, que os próprios comunistas obtêm tão facilmente. Mas a ausência de suporte social não pode servir de desculpa para a preguiça intelectual. Há sempre algumas inteligências individuais capazes de raciocinar acima das perspectivas grupais, quando existem, ou sem elas, quando não existem. Nada justifica que essas inteligências permaneçam à margem das discussões públicas, deixando aos ignorantes o monopólio dos microfones. Neste como em todos os demais assuntos humanos, quem não estudou nada está cheio de certezas simplórias e as proclama com um ar de tremenda superioridade, sem perceber o papel ridículo que faz. Quem estudou fica às vezes parecendo maluco ou excêntrico, mas, afinal, para que é que alguém estuda, se não é para ficar sabendo de algo que a maioria não sabe?

Da mentira à impostura

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 26 de março de 2009

Mentiroso compulsivo é aquele que, desmascarado, não dá o braço a torcer: persiste na mentira, adorna-a de novos floreios, jura, esbraveja, argumenta, e tanto insiste que acaba deixando o interlocutor em dúvida. Porém mais perverso ainda, um sociopata em toda a linha, é aquele que, em tal situação, se faz de desentendido e continua falando no tom da maior normalidade e segurança, como se nada tivesse acontecido. Aí a mentira singular se transmuta em impostura permanente, estrutural, alterando de uma vez o quadro das relações humanas e quebrando, na alma do ouvinte, não a confiança nesta ou naquela verdade em particular que ele julgava conhecer, mas no próprio valor da verdade em geral. No primeiro caso, a mentira buscava imitar a verdade, parasitando o seu prestígio; agora ela se impõe por seus próprios méritos, como um valor em si, independente e superior à verdade. Perplexo e atordoado pelo fascínio da insanidade, o ouvinte se vê atraído para dentro de uma espécie de teatro mágico, onde o preço do ingresso é a abdicação não só do poder, mas do simples desejo de conhecer a verdade.

Pois bem, esse é o jogo criminoso, sórdido e indesculpável, que a “grande mídia” brasileira inteira, sem exceção, tem jogado com seus leitores desde que se tornou impossível continuar negando e ocultando, como o fizera ao longo de dezesseis anos, a existência e o poder descomunal do Foro de São Paulo.

Agora, quando tocam no assunto que antes evitavam como à peste, nossos jornais o fazem no estilo distraído e anestésico de quem falasse de coisa banal e rotineira, que tivesse estado presente nas suas páginas desde sempre, com a regularidade das colunas de turfe e das histórias em quadrinhos.

Seriam mais decentes e toleráveis se persistissem na mentira, negando o óbvio com aquela intensidade louca do fingidor histérico, que grita e gesticula para se persuadir a si mesmo daquilo em que, no fundo, não pode acreditar. Entre o histérico e o sociopata vai toda a distância que medeia entre a paixão e o cálculo, entre a doença e a maldade, entre a explosão de um sintoma neurótico e o planejamento frio de um crime.

Relatando a vida de Vanda Pignato, a militante comunista brasileira que acaba de se tornar a primeira-dama de El Salvador, a Folha de S. Paulo do dia 23 informa, de passagem, meramente de passagem, que a referida “participava das reuniões do Foro de São Paulo, articulado pelo petismo e controvertido por já ter permitido a participação das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), convertida em narcoguerrilha”.

Não é uma belezinha? A mais poderosa organização política da América Latina, financiada por fontes misteriosas jamais investigadas, autora suprema da articulação clandestina que ludibriou povos inteiros durante uma década e meia e salvou o comunismo da extinção mediante o ardil de fazer-se de morto para assaltar o coveiro, de repente aparece como uma entidade normal, legítima como qualquer partido político, só vagamente “controvertida” por ter “permitido a participação” da narcoguerrilha colombiana! Como se o Foro tivesse se limitado a isso, em vez de prestar apoio unânime e incondicional às Farc, acusando o governo colombiano de “terrorismo de Estado”! Como se entre as fontes de sustentação financeira de um movimento tão vasto e dispendioso fosse dispensável, pela origem espúria, o dinheiro do narcotráfico! Como se do Foro não participassem também outras organizações criminosas, por exemplo o MIR chileno, seqüestrador de brasileiros, com direito a manifestações de solidariedade continental cada vez que um de seus agentes armados é preso e enviado à Justiça! Como se a mera existência de um poder invisível e onipresente, capaz de mudar a história de um continente sem que o público tenha a menor notícia do que está acontecendo, já não fosse em si mesma um formidável concurso de crimes, a anomalia das anomalias, a aberração das aberrações!

Nunca, fora dos países comunistas onde a mídia é oficialmente órgão de propaganda e desinformação, os jornalistas jogaram tão sujo quanto na ocultação pertinaz do Foro de São Paulo e na operação-desconversa que se seguiu à queda do muro de silêncio.

Mentir, eles mentiam antes. Agora partiram para o fingimento de segundo grau, a consolidação da impostura como um direito sagrado e um dever moral soberano, nada mais cabendo ao povo, diante desse ritual diabólico, senão curvar-se em respeitoso silêncio, prostituindo e sacrificando ante um ídolo de papel os últimos vestígios de dignidade que possam restar na sua alma exausta e entorpecida.

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