Olavo de Carvalho
Época, 23 de setembro de 2000
Guerrilha, narcotráfico, políticos e mídia esquerdista colaboram entre si. Mero acaso?
Em outubro do ano passado, a NBC noticiou que uma carga de armas expedida pela máfia russa para a guerrilha colombiana havia passado pelo aeroporto de Amã, na Jordânia, sob os olhos cúmplices de funcionários subornados. Investigando mais, a repórter Sue Lackey descobriu que não se tratava de fato isolado: a intervalos regulares, aviões IL-76, partindo da Ucrânia, levavam fuzis AK-47 para entregar às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Voltavam trazendo 40 toneladas de cocaína cada um. Parte da droga ficava em Amã, para pagamento dos diplomatas latino-americanos que intermediavam a operação. O restante era distribuído na Europa e no Golfo Pérsico.
Divulgada a notícia em 9 de abril, dois dias depois o presidente colombiano Andres Pastrana e a secretária de Estado americana Madeleine Albright confirmavam que a rede estava sendo investigada.
Embora entre os personagens provavelmente envolvidos na operação a NBC apontasse o traficante brasileiro Fernandinho Beira-Mar, as Farc continuaram recebendo no Brasil tratamento cortês. Seu representante, Hernan Rodriguez, foi até hóspede oficial do governador gaúcho Olívio Dutra e teve com ele uma longa conversa a portas fechadas, gabando-se, em entrevista, de estar totalmente seguro no território brasileiro – tudo isso poucos dias depois de noticiado o embarque de fuzis em Amã. Coincidência ou não, a atuação de Fernandinho Beira-Mar no esquema tinha como base, segundo a NBC, uma cidade do Rio Grande do Sul. Mas as coincidências começam a tornar-se demasiado felizes no caso do ex-chefe do serviço secreto do Peru Vladimiro Montesinos. Logo depois de conseguir estourar um elo da conexão que operava em território peruano, Montesinos foi denunciado na imprensa por tentativa de suborno e caiu em desgraça, precipitando uma crise nacional.
Para maior glória do sincronismo junguiano, ao mesmo tempo o establishment midiático esquerdista e um vasto círculo de entidades de “direitos humanos” nos Estados Unidos se mobilizavam para condenar maciçamente a decisão governamental de dar mais ajuda militar para o combate à guerrilha colombiana. Eu seria o último a negar o poder das coincidências na História. Mas não vejo por que fazer delas um dogma e proibir a averiguação de conexões que não apenas são logicamente razoáveis, como têm um precedente histórico bem eloqüente: na Guerra do Vietnã foi a ação conjugada das drogas e da mídia colaboracionista que paralisou os EUA. A abertura dos arquivos da KGB mostrou que isso não tinha sido pura reação espontânea da sociedade americana, mas o resultado de uma ação mundial dirigida a partir de Moscou e Pequim.
É insensatez imaginar que, com a queda da URSS, o movimento comunista internacional tenha se desmanchado como por encanto, em vez de, como qualquer exército em retirada, buscar imediatamente reagrupar-se para preparar uma surpresa. Um bilhão e trezentos milhões de seres humanos vivem ainda sob o domínio comunista, a guerrilha avança a passos largos na América Latina e, por toda parte, a esquerda aperta os laços com que controla a vida cultural e inibe a circulação de informações. Qual a desculpa, então, para eludir investigações e apostar tudo, cegamente, na loteria das coincidências?