Por José Nivaldo Cordeiro

14 de julho de 2002

“A essência da filosofia liberal é a crença na dignidade do indivíduo, em sua liberdade de usar ao máximo suas capacidades e oportunidades de acordo com as suas próprias escolhas, sujeito somente à obrigação de não interferir com a liberdade de outros indivíduos fazerem o mesmo”. Milton Friedman.

As idéias liberais no Brasil estão confinadas a um gueto de imperdenidos homens de elevados ideais e aguçado senso histórico, que anunciam que o perigo – não um mero sentimento de perigo, uma simples ameaça potencial – mas um perigo real que ameaça a vida e a liberdade das pessoas está à espreita, seja pela desordem econômica, seja pelo estímulo ao conflito social, seja porque pessoas despreparadas para o poder e dispostas a implantar seus preconceitos destrutivos como ação de governo estão na iminência de assumirem a presidência da República. São tempos de grandes perigos, de fato, os que estamos a viver.

Ler o livro de Milton Friedman, “Capitalismo e Liberdade” (Ed. Abril, 1984), é como receber um copo de água em pleno deserto escaldante. O livro foi um instrumento de combate, publicado originalmente em 1962. No prefácio que fez em 1982 ele lembra – não sem ironia e amargura – que esse livro não recebeu uma nota sequer na imprensa dos EUA quando da sua publicação, tomada que estava pelos ideais coletivistas e que via nos liberais um grupo exótico, que não merecia maior destaque. Lembra Friedman que em 1964 Barry Goldwater foi o candidato Republicano às eleições, defendendo os ideais liberais. Sofreu uma fragorosa derrota. Já em 1980, Reagan foi eleito com o mesmíssimo programa. O que mudou? Nas suas palavras:

“”Muitos dos ambiciosos programa de reforma – ideais do passado, tais como bem-estar, habitações populares, apoio aos sindicatos, integração nas escolas, ajuda federal à educação, atividade produtiva (do governo, acrescento) – estavam indo por água abaixo. Quanto ao restante da população, suas economias estavam sendo dilapidadas pela inflação e pelos elevados impostos. Esses fenômenos, e não a força das idéias expressas em livros que analisam princípios, explicam a transição da fragorosa derrota de Barry Goldwater em 1964 para a esmagadora vitória de Ronald Reagan em 1980 – dois homens que apresentaram, essencialmente, o mesmo programa e a mesma mensagem”. (Grifo meu).

É como se o Brasil estivesse parado no ano de 1964. Só que aqui o grau de perturbação – diria mesmo de deterioração – da vida e da liberdade das pessoas alcançou graus de países que vivem sob a bandeira das chamadas democracias populares. A rigor, os ideais liberais nunca tiveram muitos adeptos por aqui, e quanto mais impostos se cria e quanto mais regulamentos restritivo à liberdade de movimentos das pessoas são editados – mais o canto de sereia socialista se torna atraente e hipnotizante. É como se nosso povo estivesse acometido da doença que lhe impele a tentar combater os males do comunismo pela implantação da ditadura do proletariado. Faz-nos muita falta uma tradição liberal que ainda temos que construir. A tarefa aqui, portante, é muito mais difícil e exigirá das pessoas conscientes uma dedicação e uma paciência muito maiores.

Capitalismo é liberdade, como Friedman e, de resto, todos os economistas e filósofos liberais sempre sustentaram e a História dos últimos séculos demonstra à sobeja. O problema é que na nossa psique coletiva há sempre o ideal imperial do Estado todo-poderoso, que supostamente pode mitigar os males dos homens. Não pode. Quão mais poderoso é o Estado, mais impostos e mais regulamentos existirão. Só uma palavra pode sintetizar isso: escravidão. É o oposto da liberdade.

[Clóvis Rossi, um dos agentes gramscianos mais eficazes em atuação no Brasil, na Folha de São Paulo de hoje escreveu um infeliz artigo (“A crise da cobiça)”, no qual afirma: “Eis o ponto: capitalismo e cobiça sempre foram sinônimos. E sempre serão. O que a contém é exatamente a capacidade de regulação pelo Estado numa ponta e a de controle pela sociedade na outra (nem que seja pela microssociedade formada pelos acionistas de uma dada empresa)”. Não, senhor Clóvis, capitalismo não pode ser essa caricatura, reduzido à cobiça. Cobiça é um vício e, enquanto tal, é próprio dos indivíduos e não de sistemas econômicos, tendo existido em todas as épocas, em todos os sistemas políticos. O senhor não parou para pensar que não há ninguém mais cobiçoso do que os agentes a revolução, da qual o senhor, consciente ou não, é um instrumento. Esses agentes não querem apenas a nossa riqueza, a riqueza de todo o povo. Querem a nossa liberdade, a nossa alma. Querem nos transformar em zumbis. Senhor Clóvis, capitalismo é liberdade e prosperidade, a despeito da cobiça eventual de alguns capitalistas e da cobiça insaciáveis de seus inimigos, dos inimigos da sociedade aberta.]

Pretendo, nos próximos dias, fazer novos comentários sobre essa obra seminal.

Nivaldo Cordeiro

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

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Capitalismo e liberdade (II)

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