Por Janer Cristaldo


7 de Junho de 2002

Tentando chegar a uma definição aceita universalmente sobre o que seja terror, a ONU até hoje não chegou a nenhuma. Ao tentar uma definição, esbarra numa parede, os países muçulmanos. Se estes países não concordam sobre o que seja terrorismo, chegaram a um consenso sobre o que não é terrorismo: qualquer coisa que se inclua na luta palestina. Trocando em miúdos: um palestino que se enrola em bombas e se explode em meio a civis, velhos, mulheres e crianças, não pode ser definido como terrorista. Porque os árabes não querem.

Se o Ocidente tem conceitos precisos sobre o que seja terror, a Suécia fez uma bela presepada à União Européia no mês passado. Os quinze países da UE pretendiam incluir as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), guerrilha marxista colombiana, na lista de organizações terroristas. Os suecos alegaram que não devem fazer parte da lista organizações que estejam em processo de negociação ou diálogo com seus governos. Ou seja, você pode explodir carros-bomba, matar, seqüestrar, mas não será considerado terrorista enquanto se dispuser a dialogar com as vítimas. Porque os suecos não querem.

A decisão dos suecos foi amplamente divulgada na imprensa internacional e brasileira. Fere a delicada psique das esquerdas associar marxismo a terrorismo. Se nossos jornais se apressaram a divulgar o veto nórdico, há um silêncio obsequioso quando se trata de trazer ao leitor documentos que associem as Farc ao terror. Numa época em que até mesmo órgãos como O Globo e o Estadão abrem colunas para velhos bolcheviques, pouco se pode esperar dos demais jornais, que se pretendem de esquerda ou que pelo menos com as esquerdas simpatizam. Torna-se então inteligível mas nem por isso justificável o silêncio em torno a temas que possam prejudicar o PT.

Embora o partido atualmente as negue, são notórias suas relações com a guerrilha que há décadas vem destruindo a Colômbia. Seus representantes são recebidos com tapete vermelho pelo governo petista gaúcho e fazem palestras em universidades e escolas de prefeituras geridas pelo PT. Se alguém ousa afirmar que as Farc vivem do narcotráfico, não falta um militante indignado para dizer que tais denúncias não passam de estratégia do Estados Unidos para invadir, primeiro a Colômbia, e depois o continente.

O leitor já deve ter notado a escassa presença, nas páginas dos jornais, do narcotraficante Luiz Fernando da Costa, mais conhecido por Fernandinho Beira-Mar. E não é por falta de notícias. Preso em Brasília desde abril do ano passado, Fernandinho aceitou reunir-se com agentes da DEA (Drug Enforcement Administration) e falou de suas relações com a guerrilha colombiana. A gravação desta confissão, pela sua importância, tornou-se a peça-chave que permitiu aos Estados Unidos pedir a extradição de três guerrilheiros das Farc e três narcotraficantes brasileiros, entre eles Fernandinho. Foi publicada, há questão de um mês, na revista colombiana Cambio, dirigida por Gabriel Garcia Márquez. Você pode lê-la, na íntegra, aqui. Na imprensa brasileira, nem um pio sobre este documento.

Em correspondência com meus interlocutores, costumo afirmar que as gentes já não lembram de fatos ocorridos há dez anos. Urge uma errata: não lembram de fatos ocorridos há dois meses. Se o PT hoje nega qualquer relação com as Farc, há poucas semanas elas eram publicamente defendidas pelos militantes. Não bastassem as boas relações do governo gaúcho com a narcoguerrilha colombiana, em março passado, líderes petistas de Ribeirão Preto, ligados ao prefeito Antônio Palocci Filho, coordenador do programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, anunciaram um comitê pró-Farc no município. Entre as funções do Comitê de Solidariedade ao Povo Colombiano e aos Movimentos de Libertação Nacional estariam colher assinaturas pró-guerrilha e defender as posições do grupo no Brasil. “Precisamos difundir e abrir comitês das Farc no mundo inteiro sobre os problemas que ocorrem naquele país”, disse Beto Cangussú, vereador petista. Para selar a união, houve uma reunião em Ribeirão Preto entre o ex-vereador Leopoldo Paulino, o proponente do comitê, e Olivério Medina, porta-voz informal da narcoguerrilha no Brasil, que chegou a ser preso em 2000 em Foz do Iguaçu, a pedido do governo colombiano, acusado de atividades terroristas.

Fernandinho Beira-Mar pagava dois milhões de pesos aos camponeses pela coca, por 600 quilos por semana, e às Farc mais um milhão por cada quilo, para cristalizá-la. Vendia o quilo de cocaína por U$ 3.500 no Brasil. A operação exigia um vôo que custava U$ 15.000, mais U$ 15.000 pelo aluguel da pista de aterrissagem. Mais U$ 25.000 para o piloto e U$ 5.000 para o co-piloto. Fernandinho, que também fornecia munição à guerrilha marxista, chegou a entregar-lhes 150 mil caixas de balas, com 20 balas cada uma. Segundo o narcotraficante brasileiro, as Farc não têm ideologia, Estão ali pela grana, se tornaram capitalistas e só querem a grana, a grana, a grana….

O ex-vereador Leopoldo Paulino pensa diferente. Não é a eleição que vai resolver, é a revolução. Hoje no Brasil não há condição de fazer uma revolução armada, mas na Colômbia não é assim. Eles têm um exército organizado”. Este exército redentor são as Farc, é claro.

ONU, árabes ou suecos podem permitir-se uma posição dúbia. Ser benevolente com o terror distante é fácil. Mais difícil é aceitá-lo quando se vive sob sua mira. O PT, herdeiro das mais sinistras ditaduras do século, sente-se naturalmente atraído pela narcoguerrilha marxista. Tenta então desvencilhar-se do aliado inconveniente. Ocorre que o terror está em seu DNA. E produz reflexos condicionados.

Todo leitor adulto deve lembrar-se do belíssimo filme de Kubrick, Dr. Strangelove. No papel-título, temos um cientista alemão paraplégico refugiado nos Estados Unidos, cujo braço direito conserva ainda reflexos dos dias do Reich. Esporadicamente, o braço se ergue em saudação nazista, e Strangelove precisa segurá-lo com a mão esquerda. É o que ocorre com os petistas. Podem reivindicar os melhores propósitos, fazer juras de bom comportamento, mas volta e meia o braço totalitário não resiste e saúda o terror. Como aconteceu na semana passada, quando o PT, au grand complet, prestou homenagens de herói ao terrorista João Amazonas.

Não é conveniente, em ano eleitoral, falar de Fernandinho. Felizmente, vivemos dias de Internet, onde sempre há uma brecha para conjurar o silêncio obsequioso da grande imprensa.

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