Por José Nivaldo Cordeiro
30 de Maio de 2002
Todos sabemos que atualmente o Brasil adota o regime de metas para a taxa de inflação, mobilizando os tradicionais instrumentos de política monetária com o fito de alcançá-las. Essa é uma das razões pela qual a taxa de juros básica não tem cedido, apesar das pressões políticas. Em uma economia estável, em equilíbrio, o instrumental de política monetária pode perfeitamente ser eficaz para o alcance das metas. Não é o caso do Brasil de hoje, lamentavelmente.
Abordo o tema a propósito do mote levantado pelo economista Guido Mantega, um dos principais assessores econômicos de Lula e antigo colega quando dei aulas de economia na EAESP-FGV e na PUC de São Paulo, no programa “Opinião Nacional”, da TV Cultura. O teor das declarações foi publicado no site do jornal “O Estado de São Paulo”. Segundo o economista, “o combate à inflação é uma prioridade de qualquer governo, mas que o regime de metas, como o posto em prática pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, é insuficiente para debelar o problema. Segundo sua avaliação, a inflação brasileira vem do câmbio e não dos preços da chamada economia concorrencial, onde o mercado está deprimido, com pouca gente comprando. Para ele, só estão subindo os preços administrados, como o da gasolina e o das tarifas públicas, onde está embutida a desvalorização cambial”.
O diagnóstico do economista está correto? Sim e não. É evidente que o atual surto inflacionário tem a sua origem aparente na desvalorização cambial e no abuso praticado pelas empresas monopolistas. Certíssimo. Mas qual é a verdadeira causa da inflação, que se esconde por traz desses fenômenos aparentes? O Estado e o seu tamanho, a sua voracidade fiscal, a sua irresponsabilidade em administrar a inserção do País no fluxo internacional de mercadorias e de capitais. É o Estado o único responsável pela elevação dos preços, que poderá virar o exercício de 2002 já na faixa dos dois dígitos.
A taxa de câmbio está pressionada exclusivamente porque o governo brasileiro permitiu que a sua economia ficasse vulnerável aos humores dos investidores internacionais. Se não entrarem aproximadamente US$ 20 bilhões de dólares em capital de risco ainda neste ano, poderemos ter aqui uma desvalorização maior e mais rápida da taxa de câmbio. Com ela, uma pressão altista dos preços, acompanhada pela tentativa de indexar e dolarizar a economia, tal e qual vivemos no passado e, mais recentemente, estamos vendo na Argentina, em sua fase terminal. Para não sofrer dessa fragilidade, a economia brasileira deveria estar gerando megasuperávits na balança comercial, a fim de neutralizar os naturais movimentos especulativos contra a sua moeda. Infelizmente, o governo escolheu o caminho de captar mais e mais recursos, de tal sorte a deixar o sistema econômico brasileiro absolutamente dependente da vontade e dos preconceitos dos investidores internacionais.
A outra causa da inflação, os tais preços administrados, têm sido elevados sobretudo por razões fiscais, para compensar a provável não arrecadação com a CPMF. É o tal imposto inflacionário com todas as letras. A Petrobrás, por exemplo, antes de produzir petróleo é ela própria uma formidável máquina arrecadadora, seja para o governo federal, seja para os governos estaduais. Há um pacto de silêncio sobre o assunto na imprensa, pois toda a classe política se acumplicia para apoiar a política anti-povo do monstrengo Petrossoauro. A cada aumento dos preços de combustíveis, mais impostos são arrecadados. Essa política é tão imoral e contra o povo, que mesmo os burocratas daquela empresa admitem que itens básicos, como o gás de cozinha, têm seus preços acima do mercado internacional. Quando se sabe que o salário mínimo está em R$ 200,00 e que o botijão na porta da casa está na faixa de R$ 25,00, vê-se o tamanho da supertributação sobre os pobres, via preços “administrados”, ou seja, gravados com a supertributação.
O mesmo vale para os demais preços, como os serviços de água e esgotos, energia elétrica e telefonia.
Então o ponto não é rever a meta inflacionária, como sugere Mantega. Revê-la é apenas colocar o lixo debaixo do tapete, conformar-se com uma situação que a qualquer hora poderá sair do controle. A questão central é discutir o Estado, as suas funções e o seu tamanho. Ir à verdadeira raiz do problema é fazer uma verdadeira reforma do Estado, que o reduza a uma dimensão compatível com o sistema econômico de livre mercado e prepare a economia para conquistar os mercados internacionais. O consumidor estrangeiro não compra impostos embutidos nos preços.
Um raciocínio desses, todavia, não poderia ser prognosticado por um quadro do PT. É contra as crenças da maior parte de seus militantes. Se Lula ganhar, é provável que a inflação saia do controle rapidamente, pois a tendência é o Estado crescer ainda mais.