Olavo de Carvalho
2 de junho de 2001
Em dezembro de 2000, o jornalista Argemiro Ferreira publicou na revista Bravo! um necrológio do roteirista de cinema, Ring Lardner Jr., que o apresentava como vítima inocente da perseguição mccarthista. Na edição de fevereiro da mesma revista, contestei essa versão dos fatos. Agora, em junho, Argemiro respondeu à minha contestação.
Como não quero que nada nessa disputa fique nebuloso, vago e sem conclusão, e como a plena elucidação do caso requer um exame longo e meticuloso, incompatível com as limitações de espaço da revista, colocarei em Bravo! apenas um aviso, chamando a atenção do leitor para as explicações que, nesta página, passo a apresentar em capítulos, que irei escrevendo à medida que me sobre tempo para consagrar a esse episódio, de escassa importância em si mesmo mas bastante oportuno pelo muito que revela da história contemporânea.
1. Estilística argemírica
§ 1. Argemiro, segundo ele mesmo
O estilo é o homem. Antes de entrar no mérito da questão, analisemos, pois, o estilo do sr. Argemiro Ferreira.
Segundo ele, a contestação que ofereci ao seu artigo foi “uma diatribe”, “um assalto”, repleto de “ofensas” e “insultos” à sua pessoa – tudo isso sic. Mas a única menção que ali fiz a essa pessoa está na epígrafe, extraída de Boileau: “Un sot a toujours un plus sot qui l’admire.”
A palavra sot, como consta em qualquer dicionário da língua francesa, significa simplesmente “bobo”.
Um menino de cinco anos, chamado de “bobo” por um colega de escolinha maternal, pode ficar profundamente magoado e achar que foi vítima de um insulto mortal, de uma ofensa intolerável, de um assalto à sua honra e dignidade mirins. Diria até que lhe desabou em cima “uma diatribe”, se conhecesse o vocábulo. Não conhecendo, pode substituí-la por um beicinho e pela ameaça temível: “Vô contá pa pofessôla.”
Um homem adulto, se reage assim, é louco ou está tramando alguma.
Não insultei Argemiro nem vou insultá-lo agora. Vou apenas observar que sua afetação puerilmente espalhafatosa de brios ofendidos, se premeditada, depõe contra sua honestidade; se espontânea, contra sua sanidade; em ambos os casos, contra sua credibilidade.
Mas nada se pode concluir com certeza desse detalhe estilístico isolado. É preciso verificar se, ampliando histrionicamente a expressão de seus próprios sentimentos, o sujeito não faz o mesmo com a dos alheios.
§ 2. Eu, segundo Argemiro
Vejamos portanto como ele descreve os meus sentimentos.
Do senador Joe McCarthy fiz, no meu artigo, os seguintes julgamentos:
1) Inépcia: “Longe de ter intimado gente demais, o senador pode ser acusado de parar o serviço na metade… O mccarthismo… foi uma investigação mal feita, que não conseguiu provar a verdade.” Estas frases referem-se ao seguinte fato: comparado à montanha de provas que investigações posteriores nos Arquivos de Moscou encontraram contra os suspeitos dos quais McCarthy, tendo as dicas certas, não conseguira provar nada de substancial, o seu belo Comitê de Atividades Anti-Americanas foi obviamente um fracasso.
2) Fraqueza moral: “Quanto a McCarthy, bem, ele não foi um herói. Sempre buscou mais brilho do que resultados. Quando atacado em sua vida pessoal (coisa que só um idiota não previria que os comunistas iriam fazer, sendo eles o que são), começou a beber e morreu de depressão. Também não foi homem de elevada moralidade: quando não tinha provas, permitia que sua assessoria as inventasse, (se bem que todos os incriminados fossem mesmo culpados, como se revelou depois).”
3) Ausência de culpa: “Mas não foi nenhum bandido, não mentiu em nada de substancial e, ao contrário, acertou em praticamente tudo.”
Para qualquer pessoa que saiba ler, esses parágrafos significam que McCarthy foi um idiota, um incapaz, vaidoso, fraco de caráter, indulgente com a mentira própria e alheia, o qual, querendo liderar uma causa patriótica que estava acima da sua capacidade, pôs tudo a perder embora tivesse, em geral, as informações certas contra as pessoas certas.
Tal era e é minha opinião sobre Joe McCarthy. Traduzida para o argemirês, porém, ela fica assim:
“A risível paixão do acusador [Olavo de Carvalho] pela ‘filosofia’ de McCarthy, quase guindado a panteão de herói e de grande pensador universal...”
“A obstinação absurda de encarar o mccarthismo como escola de pensamento…”
“O guru do sr. Olavo de Carvalho…”
“O discípulo do ‘filósofo’ McCarthy…”
De vaidoso e fraco que comprou uma briga superior às suas forças, McCarthy transformou-se em herói. De idiota e inepto, em grande pensador universal e meu guru.
O estilo é, de fato, o Argemiro Ferreira.
É o estilo de um sujeito que não tem o menor senso das proporções nem o menor respeito pela realidade. É o estilo da ênfase forçada, do hiperbolismo fingido, o estilo artificiosamente bufo dos farsantes, mentirosos e difamadores.
Mas, por favor, nada de conclusões apressadas. Nada de inferir, só do estilo, o homem. Antes de dizer que Argemiro é farsante, mentiroso e difamador, é preciso examinar a substância do que ele escreve.
Pois, quando eu disser que ele é farsante, mentiroso e difamador, não quero dizê-lo como insulto. Quero dizê-lo como tradução exata da realidade, sem ênfases argemíricas.
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Argemiro Ferreira, o estilo e o homem – II