Ainda o cãozinho amestrado

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 21 de janeiro de 2013

O sr. Lucas Patschiki (ver artigo na edição anterior) tenta desesperadamente camuflar o seu panfleto vagabundo sob as aparências de uma tese científica, mas não tem a esperteza necessária para isso. Se tivesse, não apelaria de maneira tão confiante e ingênua a um dos chavões mais compulsivos e autodenunciadores da propaganda comunista, que é o de tentar desmoralizar o adversário, o anticomunista, como um agente pago da burguesia. No meu caso, a prova que ele fornece dessa vinculação monetária é de uma candura que chega a ser comovente na sua puerilidade: “A preocupação com que Olavo de Carvalho analisa a burguesia brasileira é retribuída, pois o dota de meios e rendimentos para levar essa luta adiante…: sua permanência nos EUA é financiada pelo Diário do Comércio.

Descontado o português subginasiano, impotente para esclarecer se o sujeito da oração subordinada é a preocupação ou a burguesia, ele quis dizer que recebo subsídios do Diário para lutar em favor da classe que o jornal representa.

Sou jornalista profissional há quarenta anos e nunca soube que salário fosse “financiamento”. Se o fosse, e como o próprio sr. Patschiki reconhece haver uma pletora de jornalistas de esquerda nas redações, deveríamos concluir que a burguesia financia muitos agentes para que lutem contra ela e só uns poucos para que a defendam.

 É claro que, se ela faz isso, só pode ser por estupidez genuína ou por algum tipo de malícia inversa cuja engenhosidade me escapa. Na primeira hipótese, fica impugnada a tese do sr. Patschiki de que a burguesia detém o controle ideológico dos seus órgãos de imprensa. O sr. Patschiki acredita piamente na segunda, mas não nos fornece a menor explicação do que pode fazer em benefício da burguesia um mecanismo tão paradoxal e contraproducente.

Uma hipótese que nem lhe passa pela cabeça é a de que as empresas de mídia se atêm à mais rigorosa abstinência ideológica na contratação de seus empregados, acabando os esquerdistas por obter aí a superioridade numérica pelo simples fato de praticarem a gramsciana “ocupação de espaços” que a direita ainda não aprendeu.

Todos os jornalistas profissionais recebem um salário, independentemente do conteúdo ideológico daquilo que escrevem. Se o fato de eu ser um deles basta para fazer de mim um agente pago a serviço ideológico de um grupo ou classe, o sr. Patschiki teria a obrigação de perguntar se acusação idêntica não se aplicaria muito mais ao agente que é subsidiado para a tarefa específica de produzir um ataque político a determinada pessoa ou entidade, tal como ele foi financiado, não pelos proletários dos quais se imagina um porta-voz, e sim por um pool de bilionários interesses estatais e privados, a Fundação Araucária, para escrever contra mim e o Mídia Sem Máscara e defender assim a aliança comuno-dinheirista que nos governa.

Todo historiador ou cientista social só pode compreender a posição dos outros na sociedade desde uma consciência clara da sua própria posição, da fonte dos seus meios de sustento, dos grupos que o protegem, etc. Mas o sr. Patschiki, que não é nem uma coisa nem a outra, não apenas não precisa saber de nada disso como de fato não sabe e nem de longe suspeita que deveria saber. Por isso ele pode continuar sonhando que todo salário de jornalista profissional é um “financiamento” ideologicamente comprometedor e ignorando que o financiamento da sua tese é exatamente isso no mundo real e em grau superlativo.

Mais esquisito ainda é que, vendo no salário que recebo do Diário do Comércio uma prova da conspiração fascista financiada pela burguesia, ele nem se dá conta de que, admitida essa hipótese, o comando da conspiração não teria como estar nas minhas frágeis mãos de agente contratado, e sim nas do meu poderoso contratador.

De fato, não tem sentido ele me qualificar como um “litor” – segundo a sua definição, aquele que representa o poder sem exercê-lo – e ao mesmo tempo fazer de mim, e não daqueles que supostamente me comandam, o centro da trama conspiratória.

 Talvez haja nisso um secreto desejo de evitar briga de cachorro grande, trocando o comandante pelo comandado e batendo neste para acertar naquele sem que se possa dizer que o faz. Porém há mais provavelmente a confusão patética do semi-analfabeto que, mal conseguindo manejar o idioma pátrio, se mela todo ao tentar fazer bonito com um termo latino.

Qualquer que seja o caso, o fenômeno Patschiki já estava prefigurado na contradição interna da própria doutrina marxista, como expliquei anos atrás: “A teoria marxista da ideologia de classe não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe.

Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária.”

Tudo o que o sr. Patschiki escreve sobre o Mídia Sem Máscara é, de fato, projeção inversa: como a esquerda é um movimento político unitário, riquíssimo e bem organizado, ele tem de imaginar que qualquer bloguinho anticomunista é exatamente a mesma coisa.

Como trabalho científico, sua tese não vale nada, mas vale muito como informe de espião, desses que os comunistas sempre fazem para ter pronta a lista de inimigos a ser assassinados no momento propício.

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