Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 6 de maio de 2006

Não faz sentido querer que o Estado, o governo, a classe política tenham um nível de moralidade mais elevado que o de seus fiscais e críticos – os intelectuais e a mídia.

Ninguém jamais refutou a tese de Reinhold Niebuhr, exposta em Moral Man and Immoral Society, de que a sociedade e sua representação estatal se permitem necessariamente condutas que, no indivíduo, seriam condenadas como imorais.

O crítico que se ergue contra a corrupção estatal tem portanto a obrigação de ser mais exigente para consigo próprio do que para com o objeto da sua crítica.

No Brasil, a maior prova da imoralidade geral não é o sucesso da máquina de corrupção petista: é a presunção de impecabilidade angélica com que aqueles que ajudaram a construi-la falam contra ela no tom de vítimas inocentes e não no de cúmplices arrependidos.

O primeiro passo para a institucionalização do gangsterismo estatal neste país foi a destruição da moral tradicional e sua substituição pelo aglomerado turvo de slogans e casuísmos politicamente corretos que, por vazios e amoldáveis às conveniências táticas do momento, só servem mesmo é para concentrar o poder nas mãos dos mais cínicos e despudorados.

Quando as noções simples de veracidade, honestidade e sinceridade são neutralizadas como meras construções ideológicas e em lugar delas se consagram fetiches verbais hipnóticos como “justiça social”, “inclusão”, “diversidade”, que mais se pode esperar senão a confusão geral das consciências e a ascensão irrefreável da vigarice?

E como evitar o embotamento moral, quando duas gerações de estudantes são vampirizados por professores insanos, que, após ter proclamado a total inexistência da verdade, saem no instante seguinte arrogando-se a credibilidade absoluta do discurso veraz e reprimindo como “autoritária” qualquer veleidade de enxergar nisso uma contradição?

Quem, entre os jornalistas e intelectuais, pode honestamente dizer que não contribuiu para essa imbecilização em massa, celebrada ao longo dos anos como um avanço meritório da “consciência crítica”?

Quem, entre eles, reconhece agora no descalabro petista o fruto das suas próprias ações, em vez de ocultar seu passado sob feiúras alheias que já não se pode mesmo camuflar?

Quando no começo dos anos 90 se lançou entre fanfarras triunfais a “Campanha pela Ética na Política”, que fui o único a denunciar como ardil maquiavélico inventado para prostituir a ética no leito da política, o destino do Brasil estava selado: beatificar os piores, erigi-los em modelos de boa conduta, projetar neles todas as esperanças de uma transfiguração redentora da nacionalidade e por fim entregar-lhes uma dose de poder maior que a de qualquer grupo político ao longo de toda a nossa História.

Quem, na época em que os Dirceus e Mercadantes brilhavam como apóstolos da virtude no picadeiro das CPIs, parou para examinar a moralidade intrínseca das suas acusações, não raro alimentadas pelo aparato de espionagem petista cuja mera existência já era então a ilegalidade estabelecida, a usurpação das prerrogativas do Estado pelo Partido-Príncipe auto-incumbido de exercer, nas palavras de seu guru Antonio Gramsci, “a autoridade onipresente e invisível de um imperativo categórico, de um mandamento divino”?

Quem, sabendo das ligações entre esse partido e as Farc, não julgou legítimo e moralmente defensável ocultá-las para não dar força aos Malufs e Magalhães, aos objetos de ódio pré-selecionados para servir de vítimas sacrificiais no grande espetáculo do rito purificador, oficiado entre discretos risisinhos e piscadelas de olho por um clero de espertalhões?

Muitos, hoje, apontam o dedo contra a corrupção governamental. Poucos, entre eles, são menos culpados dela do que o próprio Lula. Mais raros ainda os que têm a hombridade de limpar-se antes de mostrar a sujeira dos outros.

O teor geral da polêmica antipetista hoje em dia não prenuncia nenhuma restauração da moralidade, apenas mais um remake da farsa costumeira. Aguardem o pior, e não serão decepcionados.

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