Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 19 de outubro de 2006
Toda a cúpula petista se formou lendo Marx, Lênin, Trotski, Mao, Che Guevara, Antonio Gramsci, e nem uma palavra contra. Passaram a vida intoxicando-se de esquerdismo e nada enxergam fora do horizonte consagrado da sua mitologia grupal. O domínio que têm da cultura revolucionária contrasta brutalmente com sua radical ignorância do pensamento conservador, ignorância que lhes permite inventar uma direita por mera inversão mecânica de seus próprios estereótipos e investir suas melhores energias no combate a essa miragem.
Em última análise, eles nada têm feito nos últimos trinta anos senão arrombar portas abertas, sob os aplausos e a proteção paternal da classe que alardeiam combater. Críticas e acusações, quando lhes vêm, vêm da própria esquerda, com o cuidado meticuloso de ater-se a pontos específicos que não maculem a honorabilidade do esquerdismo enquanto tal. Combate ideológico, não sofrem nenhum. Devem seu sucesso à ausência de inimigos, exceto os nascidos das suas próprias fileiras. A lenda do assédio direitista serve-lhes como vacina contra a percepção de que todos os seus fracassos advêm de sua própria inépcia e não de alguma resistência exterior. Fugindo de uma autoconsciência deprimente por meio do ódio a um objeto imaginário, sua mentalidade é uma mistura quase inconcebível de astúcia maquiavélica e ingenuidade pueril, aterrorizada por fantasmas de sua própria fabricação. Conseguem criar planos estratégicos de requintada complexidade, ludibriando suas vítimas durante décadas, mas quando pegos com as calças na mão saem-se com evasivas de meninos de escola, tão rudimentares que dão pena. Passam da vociferação autoritária aos gemidos de autopiedade com a rapidez do fingimento histérico, que só não dá na vista deles próprios.
São falsos até à medula, mas seus críticos esquerdistas são piores ainda. O PT, quando subiu ao poder sobre os escombros das reputações destruídas pelo seu moralismo acusador, montando ao mesmo tempo uma máquina de roubar mais ambiciosa e voraz do que mil Anões do Orçamento, não fez senão seguir a fórmula clássica de Lênin: corromper o capitalismo para acusá-lo de corrupto (e ainda financiar a propaganda anti-roubo com dinheiro roubado). Isso é de um realismo inatacável e, dentro da moral comunista, perfeitamente obrigatório. O antipetismo de esquerda, ao fingir-se de indignado com a roubalheira oficial, quer nos fazer crer que pode e vai operar a transição revolucionária para o socialismo dentro da mais estrita obediência à moral e às leis do Estado burguês. O PT, quando fazia essa mesma promessa, sabia que mentia. Tanto que já ia preparando os futuros mensalões e waldomiragens. Era desonesto para com o Brasil inteiro, mas honesto para com o compromisso leninista. Já os psóis da vida são tão falsos intrinsecamente, tão desprovidos do senso da verdade, que prometem o impossível com perfeita sinceridade subjetiva. Por isso mesmo não se vexam de explicar como traição àquele compromisso o que foi na verdade a sua implementação fiel. Se há algo de que o PT está inocente, é de infidelidade à estratégia comunista.