Por José Nivaldo Cordeiro
21 de julho de 2002
“Enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo chorando seria monótono, tudo rindo cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarambas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida”. Machado de Assis, em Quincas Borba.
Está na imprensa de hoje: Serra ameaçou apoiar Lula no segundo turno se os seus apoiadores se bandearem para a candidatura Ciro Gomes, isto é, se for cristianizado (termo que designa os candidatos que são formalmente apoiados mas, na prática, abandonado pelos aliados, em favor de outro candidato). Penso que é para valer.
As más línguas já vinham afirmando que o candidato do coração do Professor Cardoso (FHC) era Lula e que ele não votaria em Serra. É provável que isso venha a acontecer. Nunca é demais lembrar que FHC esteve muito próximo de ter sido um dos fundadores do PT. A sua ligação com Lula é muita antiga, dos anos setenta.
Então a ameaça de Serra não chegará exatamente a ser nem uma vingança e nem uma surpresa. Será apenas a água do rio voltando para o seu leito, depois da cheia. A diferença entre o socialismo do Professor Cardoso, do Serra e a tropa do PT é só de tática: todos almejam o mesmo fim. E, é bom que se diga, FHC tem sido muito mais competente, seja no discurso, seja na ação, para alcançar seus fins políticos. Entregará o governo com o Estado brasileiro tecnicamente transformado em um ente socialista. Qualquer que seja o sucessor, será difícil voltar ao status quo ante.
Se for Lula o eleito, haverá um continuísmo natural em prol da socialização, avançando no processo. Alguém imagina o que será a ação do MST, por exemplo, e como agirão os órgãos encarregados de administrar a Reforma Agrária? Só de imaginar me assusta o que pode ocorrer. Poderá ser a desorganização da nossa agricultura, trazendo o respectivo desabastecimento, isto é, a fome.
O mesmo pode ser dito da carga tributária. Os balões de ensaio que os assessores econômicos de Lula têm soltado nos últimos dias, a título de “propostas concretas” lights, apontam em uma só direção: elevação da carga tributária e o desvario distributivista. Que Deus nos acuda!
Raymond Aron, em seu já citado livro “O Espectador Engajado”, por várias vezes, ao analisar a sua participação dos acontecimentos políticos da França entre 1930 e 1960, afirma que o seu grande temor era o país descambar para a guerra civil, ele que não desejava de forma alguma que acontecessem novamente as tragédias vividas durante a Comuna de Paris.
Confesso que é esse também o meu grande medo: que nos transformemos em uma grande Canudos, na qual a conflagração poderá nos custar muito caro. Eleições não são apenas eleições, podem ser o ponto de partida para um desfecho trágico. O que fazer? Não sei, não tenho a receita. Penso que as vezes a História nos reserva surpresas bem desagradáveis e, enquanto indivíduos, não temos muito a fazer a não ser preservar a integridade da alma, aconteça o que acontecer. Por vezes pode haver um verdadeiro encontro com o Destino. São os descaminhos do processo histórico.
Mas o fato é que Serra está fraco nas pesquisas e poderá estar fora do segundo turno, cumprindo a sua falsa ameaça de bom grado. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça.
O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP