A USP e a Folha

Olavo de Carvalho

Folha de S. Paulo, 13 de novembro de 2011

Nos anos 30-40, quando a USP ainda estava se constituindo administrativamente e o espírito dessa comunidade se condensava na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a luta dos estudantes contra a ditadura getulista expressa o anseio de uma ordem constitucional democrática como viria a ser proposta consensualmente em 1945 pelas duas alas da UDN, o conservadorismo cristão e a Esquerda Democrática.

O suicídio de Getúlio Vargas e o recrudescimento espetacular do getulismo na década seguinte afetam profundamente a mentalidade uspiana, que, num giro de 180 graus, adere ao discurso nacional-progressista onde a ênfase já não cai no culto das liberdades democráticas mas nos programas sociais nominalmente destinados a erradicar a pobreza, ainda que ao custo do intervencionismo estatal crescente. Surge nessa época o mito da “camada mais esclarecida da população” que, se conferia aos estudantes o estatuto de guias iluminados da massa ignara, ao menos lhes infundia algum senso de gratidão e responsabilidade.

Nos anos 60, o nacional-progressismo uspiano transmuta-se em marxismo explícito, com a adesão maciça do estudantado à revolução continental orquestrada em Cuba. As correntes liberais e democráticas desaparecem, só restando, como simulacro de pluralismo, as divisões internas do movimento comunista: estalinistas, trotsquistas, maoístas etc.

Nas duas décadas seguintes a esquerda internacional, sob a inspiração da New Left americana (herdeira da Escola de Frankfurt), vai abandonando as formulações marxistas dogmáticas para ampliar a base social do movimento, absorvendo como forças revolucionárias todas as insatisfações subjetivas de ordem racial, familiar, sexual etc., muitas das quais a alta hierarquia comunista, até então, condenava como irracionalistas e pequeno-burguesas. Ao mesmo tempo, no Brasil, a derrota das guerrilhas abre caminho à adoção da estratégia gramsciana, que integra como instrumentos de guerra cultural o sex lib, a apologia das drogas e a legitimação da criminalidade como expressão do “grito dos oprimidos”.

O fracasso do modelo soviético acentua ainda a flexibilização do movimento revolucionário, com o abandono da hierarquia vertical e a adoção do modelo organizacional em “redes”. Bilionários globalistas passam a patrocinar movimentos esquerdistas por toda parte, de modo que rapidamente o discurso agora chamado “politicamente correto” se erige em opinião dominante, inibindo e marginalizando toda oposição conservadora ou religiosa, que se refugia em grupos minoritários cada vez mais desnorteados ou entre as camadas sociais mais pobres, desprovidas de canais de expressão.

Os efeitos desse processo na alma uspiana foram profundos e avassaladores: consagrados como representantes máximos do novo ethosglobal, os estudantes já não têm satisfações a prestar senão a seus próprios impulsos e desejos. O jovem radical ególatra, presunçoso e insolente, a quem todos os crimes são permitidos sob pretextos cada vez mais charmosos, tornou-se o modelo e juiz da conduta humana, a autoridade moral suprema a quem o próprio consenso da mídia e do establishment não ousa contrariar de frente, sob pena de autocondenar-se como reacionário, fascista, assassino de gays, negros e mulheres, etc. etc. etc.

Há quem reclame dos “excessos” cometidos por aqueles jovens, mas a expressão mesma denota a queixa puramente quantitativa, a timidez mortal de contestar na base uma ideologia de fundo que é, em essência, a mesma de deputados e senadores, professores e reitores, ministros de Estado e empresários de mídia – a ideologia de todo o establishment, de todas as pessoas chiques. A ideologia, em suma, da própria Folha de S. Paulo.

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