por Wagner Carellli

República, seção “Palavra do Diretor”, fevereiro de 2000.

NB – A entrevista a que Wagner Carelli se refere está no número de fevereiro da República. Uma transcrição integral será reproduzida nesta homepage dentro de algumas semanas. – O. de C.

Olavo de Carvalho é o mais importante pensador brasileiro hoje, o mais — talvez o único — original, o mais estimulante, o mais elaborado e ao mesmo tempo mais acessível. Ler sua entrevista ao redator-chefe Reinaldo Azevedo e aos editores Fábio Santos e Michel Laub, nas págs. 60-66, é desfrutar à larga o prazer que se extrai do argumento do espírito, princípio ativo da cultura — o prazer supremo, segundo Aristóteles. Não por acaso, Olavo é o filósofo brasileiro mais profundamente ligado ao e versado no pensamento de Aristóteles, na interpretação do qual sua obra — dele, Olavo — estabelece um ponto de mutação: o entendimento do pensar aristotélico tem um antes e um depois em seu livro Uma Filosofia Aristotélica da Cultura — Introdução à teoria dos quatro discursos.

Fosse Olavo um homem de liderar movimentos (“Não tenho nenhuma pretensão a orientar a política”), de produzir ideologias (“Se o Brasil quiser um ideólogo, que procure outro”), sua entrevista serviria de convocatória ao levante de um pensamento particularmente não-conformista. Particularmente, porque nada do que Olavo propõe é lateral a um determinado pensamento ou deflagra aí uma “problemática”, mas emerge como a perfeita acepção do que é pensado e estabelece patamares confiáveis e sucessivos para sua evolução; o que até então se tinha como a corrente central de um certo pensar é que, sob tal extraordinária luz, passa a parecer de uma lateralidade espinhosa.

Olavo é um professor, porém, e sua entrevista é uma cartilha. Todo intelectual, nos muito freqüentes e desesperados momentos em que bate a tentação de seus inversos — o dinheiro, a fama, outro poder que não o de pensar –, deveria levá-la sob o braço e recorrer a sua sábia e irredutível orientação. Olavo abomina o dedo que seus pares mantêm em riste contra tudo e todos ao redor, a assumida vitimização que o intelectual exibe como medalha em que lhe vale o ingresso nos salões dos supostos e constrangidos culpados. Ele diz que faz o que gosta, que ninguém é responsável por suas opções e que, se quisesse ser rico, iria fazer outra coisa: é um pensador que não se ressente de exclusão, de perda de posição, poder ou glória para o universo fulgurante que criou a aliança do dinheiro e da tecnologia. Não se porta como um exilado da prosperidade; nem, amuado, finge esquecer que seu argumento conforma o mundo e precede a ação dos homens — seria irresponsabilidade e imodéstia, duas atitudes antagônicas à clareza do espírito.

Olavo sabe do caráter divino, demiúrgico, do argumento do pensador; sabe que enunciá-lo é dar a conhecer o parecer de Deus. No reconhecimento dessa condição não vai o pecado da soberba — só aceitação, e humilde, até; pecado, aí, é negar-se o dom atribuído, não se imaginar um instrumento da criação, julgar-se uma entidade social fortuita e cosmicamente desconectada. Pecado é subestimar-se, descumprir sua missão, fugir à tarefa de pensar em um país arredio, suscetível, temeroso ao pensamento. E se assim deve ser, Olavo, a quem todos os equívocos são imputados, é o intelectual sem pecado: generoso com a verdade, feroz com a redundância do erro e luminoso, brilhante, no indicar os caminhos da correção e da grandeza. Em sua hierarquia de valores, ele diz nesta memorável entrevista, o que vem primeiro é o destino eterno do homem: é só o que interessa. Só podemos aspirar à eternidade, ele quer dizer: nada há de menor, de mesquinho, de finito em nossas vidas — só o que inventamos para escapar à perenidade de nossa essência. Somos eternos. “O resto é conversa mole”, diz Olavo, na paradoxalmente dura e confortadora sabedoria de sua extraordinária conversa. Se não formos por ele, não seremos sequer por nós.

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