José Nivaldo Cordeiro
3 de dezembro de 2001
Certa vez escrevi que ver as imagens do Afeganistão era como que entrar no túnel do tempo e retornar aos primórdios da Era Cristã: costumes tribais, a guerra e o saque como atividades corriqueiras dos homens e, sobretudo, o maltrato às mulheres. Estas estavam (estão?) privadas dos mais elementares direitos, especialmente o direito a tratamento médico e o de serem instruídas. Sem falar do direito de ir e vir: fizeram das suas vestes uma prisão ambulante, a curiosa e odiosa burka.
Ao ler o e-mail da minha amiga Milla Kette sobre o tema animei-me a comentá-lo.
Cristo veio para salvar humanidade no Além, mas a sua obra histórica pode também ser considerada uma espécie de salvação, seja pela construção da sociedade aberta de que desfrutamos, sob a ordem capitalista, diretamente derivada dos ensinamentos e sobretudo das práticas cristãs (e judaicas), seja porque deu dignidade a todos diante de Deus e diante dos homens, com destaque para todo o sexo feminino. É o Cristo Salvador, sublinhado pelo Apóstolo Paulo, quem irá tratar da libertação das mulheres como a conhecemos em nossa sociedade.
Análises espúrias das Epístolas paulinas querem associá-las ao obscurantismo e à misoginia. Nada mais falso. Os discursos de Paulo tinham que levar em conta o meio histórico em que estava inserido, especialmente os judeus da diáspora. Então ele não podia simplesmente revogar a Lei. Mas as suas habilidades teológica e oratória conseguiram o mais difícil: pregar usando antíteses óbvias e contraditórias para falar a Verdade: ao mesmo tempo que exortava a Tradição, dando instruções de comportamento moral e de costumes, bradava que “Deus não faz acepção das pessoas”. Ora, se Deus não faz acepção das pessoas, toda e qualquer prática discriminatória deveria, como de fato foi, ser abolida. Só uma leitura enviesada e de má vontade para não perceber a grandiosidade da Graça libertadora contida nas Epístolas. Paulo é o Cristianismo. É ele próprio o grande pregador da igualdade entre os sexos.
Os historiadores, como Paul Johnson, no seu magnífico “História do Cristianismo”, apontam que as mulheres foram as principais responsáveis pela rápida propagação da nova religião no meio do Império Romano. Não é de admirar: uma religião que prega a igualdade e a dignidade de todos na Assembléia dos Santos só poderia ter a adesão daquelas que sempre foram discriminadas e diminuída nas sociedades patriarcais guerreiras. A sacralidade do feminino na sociedade cristã é uma das suas marcas características, a começar pela reverência à Santa Maria Imaculada.
Tenho três filhas. Regozijo-me de vê-las bem, preparando-se para a vida adulta e explorando todos os talentos que lhes foram confiados pelo Criador, seja do ponto de vista físico, seja do ponto de vista intelectual, seja, ainda, do ponto de vista da liberdade pessoal. São senhoras do seu destino, pela Graça de Deus.