Janer Cristaldo
Baguete Diário, 17 de novembro de 2001
Entre as muitas anomalias da universidade brasileira, estão os mestrandos quarentões. Aquela iniciação à pesquisa, pela qual o candidato deveria optar tão logo terminasse o curso superior, é adiada para uma idade em que do acadêmico já se espera obra consolidada. Pior mesmo, só os doutorados de terceira idade. Marmanjos de cinqüenta e mais anos, em idade de aposentar-se, postulando um título que só vai servir para pendurar junto com as chuteiras.
Estas pós-graduações temporãs são mais umas das tantas “coisas nossas”. Como a jabuticaba, só existem no Brasil. Estudei em três universidades de três países no Exterior, e jamais vi – pelo menos em minhas cercanias – vetustos adquirindo formação própria de jovens. Mestrado não é para carecas. Já um doutorando, este deveria defender sua tese no máximo aos trinta e poucos, para que sua experiência em pesquisa possa ser útil ao ensino e à sociedade. Que mais não seja, é patético ver um homem já maduro humilhando-se, ao tentar iniciar-se em metodologias que devia desde jovem dominar. Na universidade brasileira, o doutorado nem sempre é visto como início de uma carreira, mas como louro a coroar a calva do acadêmico quando este está prestes a usar pijamas. Quem paga tais vaidades senis? Como sempre, o contribuinte.
Mês passado, um fato insólito perturbou o mundo acadêmico. Francisco Wanderley Rohrer, 47 anos, tentou apresentar – pela quarta vez – sua tese de mestrado, A Identidade do Policial Militar Comunitário: Metamorfose e Emancipação, a uma banca da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tentou, apenas. Pois foi impedido por um tal de Comitê da PUC de Ação Global contra o Capitalismo, onde se abrigam os derrotados do século. (Depois da Queda do Muro, das prestigiosas bandeiras socialistas só restou um antiamericanismo pueril). Os universitários, além de insultá-lo, jogaram-lhe uma torta na cabeça. Mas os jovens acadêmicos não estavam protestando contra a idade provecta do candidato. Protestavam porque Rohrer era capitão da Polícia Militar e, nesta condição, teria comandado uma tropa chamada a “reprimir” protesto antiglobalização na Avenida Paulista, em abril passado.
Rohrer nega ter comandado qualquer tropa na ocasião. E, se a comandasse, nada mais faria senão cumprir seu ofício, a manutenção da ordem, que a imprensa convencionou chamar de repressão. Os meninos da PUC paulista são incondicionais defensores dos Direitos Humanos, sempre prontos a denunciar qualquer indício de discriminação ou preconceito. Mas não aceitam que um policial militar exerça seu direito de defender uma tese na universidade que está cursando normalmente. Tentam fazer da PUC uma madrassa, onde todo seminarista deve seguir os mesmos dogmas.
Capitão não pode. A menos que fosse, por exemplo, um capitão Lamarca, terrorista em prosa e filme cantado, que assassinou friamente um colega de armas indefeso e hoje é matéria de muitos currículos. Enfim, a reação dos taleban da PUC não é incompatível com uma universidade que tem como chanceler um cardeal que apóia a ditadura de Castro. Em 89 o cardeal Evaristo Arns via em Cuba “um exemplo de justiça social. A fé cristã descobre nas conquistas da Revolução, os sinais do Reino de Deus que se manifestam em nossos corações e nas estruturas que permitem fazer da convivência política uma obra de amor”.
Quem vê sinais de amor numa tirania que fuzilou 17 mil cubanos e levou um país à miséria é chanceler da PUC. Um oficial da PM que quer fazer uma reflexão sobre seu ofício, recebe tortas na cara. Enfim, nada incoerente com a universidade tupiniquim. Fidel Ruz Castro é Dr. Honoris Causa pela Universidade Federal de Santa Catarina. E esta é nossa trágica realidade.
Desde os primórdios da USP, centro irradiador do marxismo no país, a universidade tem sido a vanguarda do obscurantismo tupiniquim. Seus cursos de humanidades, em vez de centros de elaboração de cultura, viraram laboratórios de utopias desvairadas. É graças aos acadêmicos que o país todo está contaminado de marxismo, castrismo, maoísmo. E isto vem de longe.
“Nos anos 50, dourados segundo alguns – escreve o ensaísta José Arthur Rios, em Raízes do Marxismo Universitário – a instituição universitária entrou em cheio na polêmica do desenvolvimento, virou presa fácil dos ideólogos de Esquerda. (…) Foi então que espíritos ardentes descobriram a luta de classes dentro do campus, sua submissão ao capital estrangeiro e aos agentes do Imperialismo. A Academia seria, ela própria, agente de alienação. E confundia-se espírito crítico com politização. Esses chavões marxistas não eram brandidos apenas por estudantes incipientes, mas por professores que não se pejavam de tentar coagir ou intimidar colegas quando esposavam pontos de vista contrários”.
Ainda segundo Arthur Rios, os anos 70 viram a tranqüila ocupação da Universidade brasileira por esse marxismo faccioso. “A penetração marxista em nosso ensino universitário deixou marcas indeléveis. (…) Persiste, sob a fachada da democracia liberal ou debaixo das tênues maquilagens do socialismo caboclo – nas invasões de propriedades, nas ocupações de gabinetes de Reitores e Ministros; no sindicalismo tumultuário que não mais se limita a reivindicações de classe, mas se arroga o direito de mudar o regime político e exigir a renúncia do Presidente, em marchas e demonstrações de cunho fascista; no convívio fronteiriço com movimentos subversivos tais como o Sendero Luminoso, a guerrilha e o narcotráfico colombiano; na ternura com que acolhe o ditador cubano”.
E nisto estamos. Uma década depois da Queda do Muro e do desmoronamento da URSS, a elite intelectual deste país que se pretende moderno reivindica uma filosofia assassina do século XIX. Professores que fizeram suas carreiras sentados em cima do marxismo jamais irão jogar no lixo seus livros e papers. Por um movimento de inércia, repassam às novas gerações suas ideologias obsoletas e temos então os taleban da PUC censurando uma defesa de tese só porque o candidato é policial.
E não faltam castas alminhas que ainda acham que o marxismo já morreu. Morreu lá na Europa. Cá nas terras de Cabral, continua vivo e vibrante.