Tradução de Carlos Alberto Reis Lima
Libertad Digital, Madrid, 10 de março de 2002
Com uma estrutura descentralizada, uma organização “horizontal” e objetivos imediatos diversificados tenta se dar aparência de espontaneidade às manifestações contestatórias, inclusive àquelas marcadas pela violência.
No recente 2o. Foro Social Mundial de Porto Alegre (2o. FSM) se reconheceu que boa parte das agitações comuno-anárquicas e contestatórias efetuadas no mundo ao longo de 2001, germinaram durante o 1o Fórum Social Mundial de Porto Alegre (1º FSM), efetuado em janeiro de 2001.
Por exemplo, um documento do influente Conselho LatinoAmericano de Ciências Sociais (CLACSO), apresentado no 2o. FSM, afirma com todas as letras que “o notório incremento de ações coordenadas” de “protesto global” e de “conflito social” ocorridos na América Latina e nos principais países ocidentais em 2001 foi possível devido ao “espírito de Porto Alegre” (1o FSM). Uma prova disso, acrescenta o documento, com indissimulável satisfação, é que “em numerosos casos” os “atores desse conflito” foram movimentos sociais que haviam participado na dita “primavera de Porto Alegre”. De sua parte, Cristophe Aguitton, da organização internacional ATTAC, admitiu que durante o 1º FSM os participantes italianos fizeram as articulações e definiram “os detalhes para preparar a mobilização de Gênova”. Se tratou de uma contra-cúpula organizada por grupos de esquerda católicos e comuno-anarquistas, efetuada em julho de 2001 simultaneamente com a reunião dos chefes de Estado do Grupo dos 8, que derivou em atos de inusitada violência de rua.
Que fatos de similar natureza poderiam ocorrer em 2002, surgidos das entranhas do 2o. FSM? A julgar por un “calendário” de ações de “resistência” para os próximos meses -apresentado durante o fechamento do 2o. FSM e publicado pelo semanário “O São Paulo”, da arquidiocese de São Paulo, Brasil- a 1a série de “protestos” de caráter mundial não será pequena. “O Fórum Social Mundial não é simplesmente um lugar de debates, mas de organização da luta”, advertiu durante a sessão de fechamento do 2o. FSM Sergio Haddad, presidente da Associação Brasileira de ONGs e membro do comitê organizador do 2o. FSM. De sua parte, Maria Luisa Mendonça, do mesmo comitê organizador, disse que na verdade o 2o. FSM não pode ser visto como um “comando” das “lutas mundiais” que se aproximan, mas que constitui um espaço “de articulação” .
Essa precisão feita pela mencionada dirigente de nenhuma maneira torna menos preocupante a perspectiva de conflitos que se abrem com o 2o. FSM. Ao contrário, o sistema de “redes” adotado pelas ONGs da esquerda em geral, e pelas entidades que participaram no 2o. FSM em particular, torna possível estabelecer entre elas uma articulação “horizontal” e não “vertical”, uma nova estratégia organizativa que torna difícil a identificação dos responsáveis das ações de protesto e até de violência de rua, o qual os outorga, ao olhos da opinião pública, uma aparência de “espontaneidade”. Immanuel Wallerstein, um dos “ícones” da esquerda mundial presentes no 2o. FSM, explica que “Porto Alegre marca um ponto de inflexão, pois mostra que uma nova forma de estratégia pode existir: uma estrutura descentralizada de múltiplas organizações locais, nacionais e internacionais com incontáveis objetivos imediatos, trabalhando em conjunto rumo a um objetivo comum”. Se trata, acrescenta, da continuação de um movimento contestatório de “movimentos sociais”, de caráter universal, que tem como ponto de partida nada menos que a explosão anarquista de maio de 1968, em Paris.
Já por ocasião do 1º FSM, Christian de Brie, redator do Le Monde Diplomatique, em seu artigo “O retorno dos rebeldes”, havia explicado que “assistimos ao florescimento das associações de uma riqueza e uma variedade impressionantes, que participam na contestação à nova ordem mundial: desde os movimentos associativos locais, até as organizações não governamentais (ONGs) internacionais”, que “soman, no total, várias centenas de milhares, mobilizando a muitas centenas de milhões de militantes”. E conclui: “A todo momento, de uma ou outra forma, em algum lugar do mundo, o movimento social organiza resistências e lidera mobilizações que no caso que sejam apresentadas de forma correta pelos médios de comunicação – revelariam a todo o mundo a dimensão destas lutas”.
Durante o 2o. FSM, o jornalista brasileiro Roberto Nicolato cubriu o lançamento de numerosos livros, de diversos autores internacionais, sobre o “novo pensamento” de importantes setores de esquerda. Ele explica que os atuais teóricos revolucionários, resgatando “os ideais do anti-poder do movimento de maio de 68”, se baseiam em conceitos como o da “zona autônoma temporária”, com o qual se “combate o poder criando espaços (virtuais ou não) de liberdade, que surjam e desapareçam a todo momento, de acordo com as chamadas táticas nômades de luta”. São essas idéias que inspiram “muitas das táticas de rua” dos movimentos contestatórios em diversos países, acrescenta.
Também, os anti-princípios sustentados pelas chamadas teorias do caos, com seu desprezo pelas leis de causa e efecto – e a substituição destas por supostas leis de indeterminação e acaso- passam a ser aplicados às ciências sociais, assim como as estratégias de ação revolucionária, o que contribui para empurrar as nações contemporâneas rumo à anarquia. É na perspectiva dessa relevante inflexão do pensamento e da estratégia de importantes setores revolucionários, que deve entender-se uma afirmação do socialista Jean-Luc Melenchon, ministro francês da Educação, durante o 2o. FSM, em um seminário onde se debateu o futuro do socialismo. Ali, sustentou que “não existe mais o determinismo histórico” pois história “não é linear pois a natureza é incerta, casual”. Dessa maneira, fica aberto o caminho para o caos.
Com estas considerações, nosso objetivo foi ilustrar, com base no ocorrido no 2o. FSM e nas declarações de destacados participantes, a bifurcação teórica em curso dentro do pensamento revolucionário contemporâneo entre as correntes clássicas marxistas e as novas correntes de inspiração anarquista. Bifurcação teórica, mas não necessariamente prática, pois ambas vertentes têm sua força e seu estilo de organização própios, que confluem no objetivo de destruir os restos da civilização cristã (cfr. “Fórum Social Mundial e Fórum de São Paulo se dão as mãos”). De fato, a “heterogeneidade” e a “diversidade” são uma “característica saliente” dos atuais movimentos revolucionários, destaca o já citado documento de CLACSO, no qual não se contrapõem nem excluem “velhos” e “novos” movimentos, “mas que aparecem como elementos que podem complementar-se e potencializar-se na ação coletiva”. Ou seja, para conjugar e multiplicar o poder destruidor de ambas correntes, se trata de evitar o tipo de enfrentamento que ocorreu no século XX entre estalinistas, trotskistas e seguidores de Rosa Luxemburgo, segundo foi recordado nos debates durante o 2o. FSM.
Diante dessa gigantesca escalada anticristã em curso – que tem sido ilustrada ao longo de uma série de informes da agência CubDest sobre o 2o. FSM- a Divina Providência não abandonará aqueles que dentro do respeito às leis de Deus e dos homens, em um plano intelectual e publicitário, e ainda com recursos limitados, estão dispostos a apresentar resistência e oposição.