Por José Nivaldo Cordeiro
22 de julho de 2002
A entrevista que o deputado José Dirceu, presidente do PT, deu à Folha de São Paulo de hoje, é emblemática da ingenuidade de quem nunca esteve no centro de poder e nunca teve que negociar para valer com os parceiros internacionais. O mote foi o encontro que ele manteve com credores e membros do governo dos EUA na última semana.
Na primeira pergunta, o repórter foi direto: “Afinal, o que Lula pretende fazer com a dívida externa?”. A resposta deveria ser acaciana: “Pagar”. No caso do PT, todavia, as coisas não são bem assim, muito simples. Não falou, em momento algum, que iria pagar. Acenou com um provável crescimento da economia como instrumento alternativo à obtenção de superávit e a um acordo com o FMI.
[É como se essa hipótese existisse para uma economia altamente endividada. FHC está largando o governo com a economia em recessão não porque queira ou seja um Nero da economia, é porque não há escolha. Se a economia crescer, pouco que seja, o déficit no balanço de pagamentos fica inadiministrável, explode. Nada a fazer quanto a isso, a não ser preparar a economia para um crescimento futuro, quando for possível. O mesmo pode ser dito quanto ao FMI: não se assina acordo com o Fundo por gosto ou por masoquismo, mas sim, por falta de alternativa. O fato é que o Brasil está quebrado e os credores já têm todas as razões do mundo para fugirem daqui. A única coisa que os segura aqui é o aval do FMI, que garante um mínimo de racionalidade na política econômica e, portanto, um conforto para os credores. Do contrário, ocorrerá a debandada, mais ou menos como vimos na Argentina. Seria o desastre sem um acordo com o FMI.]
O deputado pede trégua aos credores, como se fosse esse o caso. Quem deveria pedir trégua são os credores, que sempre foram ameaçados com a inadimplência pelos próceres do PT, que até um plebiscito inventaram para saber se deveriam honrar a dívida.
A segunda pergunta é: “Como funcionaria essa trégua?” A resposta não poderia ser mais fora da realidade: “Dar tempo ao Brasil é interesse do próprio governo norte-americano, da própria sociedade norte-americana, dos próprios credores e investidores”. Deus do céu, a sociedade norte-americana nem sabe onde o Brasil está no mapa. O governo Bush está combatendo o terrorismo e não tem tempo para países falidos. E os credores, bem, todos esses anos o que eles fizeram foi nos dar trégua, através dos acordos com o FMI. Quer trégua? Faça o acordo com o FMI, do contrário, paga ou quebra. É simples assim.
Na seqüência afirma que se o Brasil quebrar seria “uma crise sem volta nas finanças internacionais”. Quanta ignorância! Os ativos brasileiros já estão registrados na contabilidade com menos de 30% de seu valor. Estamos no famoso “creli” dos bancos, os Créditos em Liquidação, os recursos aqui emprestados são vistos como prejuízo, perda por emprestar a mau pagador. Quebrados nós já estamos e um agravamento da nossa crise, por imperícia na condução da política econômica, só afetaria a nós mesmos. A fome será só nossa e de mais ninguém.
Pergunta: “O que é exatamente essa trégua?” Resposta: “Não atacar o Brasil, não cortar os créditos do Brasil, deixar o Brasil escolher o novo presidente”. O ato falho aqui merece destaque: deixar o Brasil escolher o novo presidente… Mas banqueiro não vota aqui, nem investidores e, até onde se sabe a soberania do Brasil não se discute, são os brasileiros que escolhem os seus governantes. “Tenho certeza de que o Brasil, crescendo, honrará seus compromisso…” Já vimos que isso não pode acontecer. Entenda-se então que, se não houver crescimento, não haverá pagamento. Se eu fosse um banqueiro, sacaria tudo antes, depois de ouvir isso. Ele sabe que não há como ter crescimento nos próximos anos.
E completa a obra: “Não a partir de juro alto e de privatização, mas a partir do crescimento da economia e da modernização da infra-estrutura e do mercado interno. Isso que eu disse a eles”. Se eu estivesse ouvindo esse papo de quebrado querendo fixar os juros, já ligaria imediatamente para os operadores: vendam tudo!
A pergunta seguinte foi mortal: “Sim, mas isso é a trégua do lado deles. E a do PT?”. A resposta, além de suprema ingenuidade, saiu carregada de ameaças: “Escute, se eles querem receber pelos investimentos que fizeram no Brasil, o que é legítimo, e receber os juros da dívida (seria legítimo? NC) o país precisa mudar a política econômica e crescer”. E arremata, de forma bem tola: “É o contrário do que eles pensam”. Ah, bom, esses banqueiros e investidores, donos de bilhões de dólares, nada sabem de economia, mas os militantes “sociais”, os ex-guerrilheiros, os burocratas do Partido é que sabem. Ah, bom, está explicado, devem pensar os banqueiros. E, ato contínuo, ligam para os operadores: vendam tudo!
Depois dessas besteiras, complementa, como se fosse possível: “Isso não significa não honrar contratos, não manter o superávit primário nesse momento” (grifo meu). Mas isso é precisamente a política econômica que está posta em prática! Aí o banqueiro mais brincalhão deve ter rido e dito: “Boa piada. Agora conta outra”.
Pergunta: “O mercado perdeu então o medo do Lula” Resposta: (Supostamente espirituoso) “Precisa ver se aumentou o medo que nós temos do mercado (Risos)”. E, de novo, em pleno delírio irracional: “É um gravíssimo erro do governo e da sociedade norte-americanos, seja investidor, seja credor, tomar o país por esse momento…” Não deveria ser sério, mas foi assim dito, seriamente.
Pergunta: “Como foram as conversas, de uma maneira geral?” Resposta: “Não tive dúvida de falar com franqueza, ainda que de forma respeitosa, que nós: 1- Não vamos manter o Armínio Fraga na presidência do Banco Central; 2- Não queremos ir ao FMI; e 3- Que essa história de BC independente não necessariamente é a solução para o Brasil”. E aquele banqueiro galhofeiro deve ter pensado: “Além de quebrado, esse homem é doido”.
Pergunta: “Qual a reação deles?” Resposta: “Não senti nenhuma surpresa (também pudera, tudo já havia sido dito e escrito nos documentos do Partido), não ficaram estupefatos (sic) e nem acharam absurdo (o deputado aqui tomou a boa educação da platéia como uma concordância). Eles realmente estão ouvindo (ora, foi para isso que ele foi lá). Procurei transmitir que nós temos política, segurança no que propomos, que a única saída é crescer”. De fato, os banqueiros, com essa conversa, ficaram bem seguros que iremos ao fundo… do poço.
Pergunta: “O PT não iria ao Fundo em hipótese nenhuma?” Resposta: “Nós faremos tudo o que for possível para não ir”. E o tal banqueiro galhofeiro: “Já estão”.
O repórter perguntou: “Que medidas (Lula presidente) tomaria?
Resposta: “Nós fizemos a nossa parte. Já votamos a CPMF (que diabos isso tem a ver? Não teria sido melhor cortar despesas? Para os banqueiros, é absolutamente indiferente como o país fará para ter os meios para pagar a dívida. Se preferir esfolar o seu próprio povo, bem, isso se acerta nas urnas, devem pensar – NC). Não vi nenhum deles comentar: ‘Mas essa política de vocês é completamente irresponsável, isso não vai dar certo’. (Será que Dirceu não imagina que esse tipo de assunto é para o segundo escalão, para os burocratas do FMI? Acho que não).
Recomendo enfaticamente, caro leitor, o artigo de Nahum Sirotisky (“Coisa séria para o Brasil”) que está circulando pela Internet. Lá ele relata a opinião de um “think thank” sobre o Brasil, homem de grande influência (Constantine Menges), que, ao contrário dos banqueiros, pode falar livremente, dispensando os protocolos (que o deputado tomou como um assentimento tácito dos banqueiros). O que está escrito é que a elite norte-americana pensa que o Mister da Silva está ligado politicamente aos guerrilheiros da Colômbia, a Hugo Chávez, a Fidel Castro e que o governo dos EUA vê como um perigo a sua eleição para a Presidência do Brasil, pois pode fragilizar a fronteira Sul, inclusive no que diz respeito a possíveis ataques terroristas em solo americano.
Ler a coluna do Nahum – a propósito, um dos grandes talentos jornalísticos de nosso país, com quem muito aprendo da arte de escrever –, junto com a entrevista, dá bem a medida do que o povo brasileiro pode esperar de um possível governo de Mister da Silva. Valha-nos Deus.
O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP