José Nivaldo Cordeiro


25 de dezembro de 2001

Há uma sensação generalizada de que a Argentina encontra-se em um beco sem saída, numa encruzilhada da história: como está não pode ficar, é preciso que as decisões necessárias sejam tomadas para que a crise seja superada Se a decisões corretas não forem tomadas, há possibilidade de piora, com o empobrecimento rápido e generalizado da população. A desordem social já se instalou e a instabilidade das instituições democráticas são visíveis. O que fazer?

A Argentina tem dois dos ingrediente fundamentais para que possa se tornar um país rico: tem recursos naturais e um povo educado, escolarizado. O que lhe falta são as bases políticas para que haja a combinação de fatores humanos e materiais para que chegue a prosperidade. O problema é o como fazer isso.

De um lado, há aqueles que acreditam que só o confronto com a comunidade financeira internacional, a começar pela moratória unilateral, e com o aumento da intervenção do Estado na vida econômica, é que as condições de prosperidade serão reconstituídas. Do outro, há aqueles que advogam pelos ideais liberais, pela normalidade das relações internacionais e pela ação do livre mercado.

Analisemos ambas as abordagens.

A visão esquerdista e populista de que o Estado deve ser o motor do processo econômico é tão antiga quanto a Argentina e está na raiz dos seus atuais problemas. Se o Estado fosse eficaz para a superação dos problemas estes nem sequer teriam surgido, pois ele sempre esteve como motor inspirador e mentor da ação econômica. Na ilusão de que, através de leis e regulamentos, garantem-se direitos, construi-se ao longo do tempo um formidável sistema de subsídios e de privilégios que só puderam ser mantidos enquanto houve financiamento internacional. Ao cessar essa fonte, todos os problemas estruturais vieram à tona de forma irremediável. A decadência Argentina já vinha de anos, talvez desde Peron, em doses homeopáticas, mas a precipitação atual da crise parece demonstrar o completo esgotamento desse modelo. O parque produtivo encontra-se em estado terminal.

É absolutamente falso dizer que a rígida paridade cambial tenha sido imposta de fora para dentro e que ela é um receita neoliberal. O populismo argentino apenas descobriu que a estabilidade do câmbio significava a estabilidade de seus privilégios, daí terem se agarrado a ela de forma quase que religiosa, protegendo assim as suas sinecuras. Essa constitui uma variante ao populismo tradicional, que sempre fez das desvalorizações cambiais o seu instrumento preferido de tomar os recursos da população produtiva. Como lá os populistas já tinham os seus direitos garantidos, elegeram a rigidez cambial como o seu instrumento de momento.

Outra conseqüência desastrosa do populismo econômico foi de ordem psicológica, fazendo crer para a população em geral que riquezas não provêm do trabalho diligente e diuturno, mas de ações e relações políticas. Tudo que as pessoas deveriam fazer é ficar sob a proteção de algum graúdo do Estado para ter a sua própria sinecura e agir como militante sempre que comandado pelo chefe. Isso só pode ser mantido para um pequeno número de pessoas e desde que a maioria continue a trabalhar produtivamente. Na medida em que o número de parasitas cresceu e o número de produtivos diminuiu, a mágica acabou e a crise se instalou. O mandamento bíblico de se ganhar o pão como o suor do próprio rosto ainda continua valendo, a escassez é a condição humana.

É próprio dessa corrente eleger bodes expiatórios para iludir a opinião pública. Assim, o FMI, os banqueiros nacionais e estrangeiros e até mesmo o Brasil passaram a ser objeto dos discursos irados e hipócritas daqueles que sabem muito bem onde está a raiz da crise, na sua própria ação política. Pode-se dizer que o esquerdismo e o populismo são intrinsecamente irracionais e destrutivos quando dispõem do poder de Estado. O desastre argentino será talvez um dos exemplos históricos mais acabados. Dessa vertente de pensamento não é possível esperar qualquer solução, vez que suas ações são pautadas por princípios irracionais, que contrariam a ordem natural das coisas.

Por exclusão, é possível afirmar que a solução liberal, ou algum arranjo inspirado no liberalismo político e econômico, é a única saída para a nação argentina. É preciso despolitizar as relações econômicas; é preciso proteger quem produz. Para isso é necessário a desregulamentação, a redução efetiva do Estado – aí incluindo a redução na carga tributária e, portanto, da despesa – a implantação do realismo cambial, a normalização das relações com a comunidade financeira internacional.

O problema é fazer isso quando a propaganda política de décadas a fio afirmava o contrário e interesses arraigados dos potenciais perdedores poderão lutar até a morte para a manutenção das suas conquistas. A população portenha, provavelmente em sua maioria, não sabe que foi enganada o tempo todo e que existe uma verdade superior à mera tutela do Estado sobre a sociedade civil. Mas não vejo como escapar a esse enfrentamento, alargando a consciência política da população. A Argentina, como país soberano, está encostada na parede. Fora daquilo que é racional e necessário, não há salvação, significando isso a desordem econômica e política e um desfecho imprevisível para as instituições democráticas e para o bem estar social.

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