Editorial do ARMARIA
Por L.A.
18 de junho de 2001
Caro Leitor do ARMARIA:
Provavelmente V. Sa. está achando o título desse artigo um tanto quanto alarmista e exagerado. Deixe-me, portanto, recordar um velho ditado: – O otimista é, antes de tudo, um tolo. Se alguém acha que a campanha anti-armas vai parar após a aprovação dessa lei que criminaliza o porte não autorizado e a posse de arma sem registro, está redondamente enganado.
Para entender o porque dessa afirmação tão categórica é necessário conhecer algumas premissas políticas. Primeiro é preciso entender que o controle de armas é, antes de tudo, um controle social. Isto é assim não só no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo. Nos EUA, por exemplo, as primeiras leis restritivas à posse de armas surgiram após a libertação dos escravos (mas foram logo revogadas pela Suprema Corte) e representavam o medo da população branca em ver os pretos armados.
Da mesma forma, no Brasil, a nova lei tem destino certo e não é o banditismo. Olhemos o cenário político/econômico do país para entender a origem do movimento anti-armas. A política neo-liberal adotada pelo governo está levando à falência inúmeras empresas, aumentando a níveis nunca vistos o índice de desemprego da nação (entre outros malefícios). Por outro lado, no campo, um movimento de desempregados cresceu e conseguiu representatividade entre os pobres e respeitabilidade entre a classe média urbana: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O MST tem, hoje, uma penetração na zona rural nunca alcançada por nenhum outro movimento reivindicatório no Brasil. As velhas Ligas Camponesas, de Julião, que tanto amedrontaram as elites no passado pré 64, não passavam de meros exercícios intelectuais de alguns sonhadores. O MST é real, tem força política e congrega gente que não têm nada a perder – o componente básico de qualquer revolução.
Para a situação ficar realmente explosiva, basta agora que os desempregados das cidades façam o seu “Movimento dos Desempregados Urbanos”, aliem-se ao Movimento dos Sem-Teto e comecem a adotar as mesmas táticas de intimidação e invasões que tanto sucesso têm obtido no campo. Daí para uma revolução de fato é um pulo.
A essa altura o Caro Leitor deve estar pensando: “Ah, mas isso não vai acontecer no Brasil. Nós não temos tradição de luta armada”. Cá entre nós, concordo inteiramente com essa opinião. Entretanto, não é este o panorama visto de Washington. Quando Tio Sam olha ao sul do Rio Grande, o que ele vê é o Exército Popular Revolucionário do México, o Exército de Libertação Nacional e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, o Sendero Luminoso no Perú e outros grupos guerrilheiros menos expressivos. Para Tio Sam, o surgimento de um grupo desses no Brasil é apenas uma questão de armas. Isso explica porque de repente, não mais que de repente, toda imprensa servil brasileira, assim como todos os políticos amestrados, começaram em uníssono a toar a ladainha anti-armas, ou será que o leitor achava que tudo isso era indignação pela morte de dois rapazes da classe média-alta de São Paulo? Explica o interesse do FBI em treinar policiais brasileiros nas técnicas do contrabando de armas (?!?!) e na identificação dos compradores sul-americanos de armas nos EUA. Explica, também, porque o governo brasileiro está pressionando os EUA para não exportarem mais armas para nossos vizinhos do MERCOSUL, países onde não há restrições de calibres e as armas que aqui são proibidas, lá são vendidas normalmente para a população.
Ao governo brasileiro é conveniente essa colaboração com os EUA e é importantíssimo que os investidores estrangeiros não se assustem com nosso país. É bom lembrar que o plano Real está fundamentado no capital externo que para cá veio em busca de bons rendimentos. Ao primeiro tiro disparado com conotação política esse capital vai embora da noite para o dia. É o chamado capital volátil. Se isso acontecer a moeda terá de ser desvalorizada. Se isso acontecer o plano Real acaba. Se isso acontecer o país quebra. Se o Brasil quebrar, a Argentina quebra também, e assim boa parte da América Latina pelo efeito dominó.
Observe que se o Caro Leitor, ou seu vizinho, forem assassinados por marginais nada acontecerá com o país. A choradeira de seus parentes e amigos não tem expressão política. Mas, se algum político em cargo de mando for baleado, o país entrará em crise instantaneamente.
Para complicar a situação, nosso presidente, em sua tática de ofuscar as esquerdas enquanto promove a destruição do Estado, deu uma grande “mancada” com o caso Lamarca. Como convencer, agora, os militares de que eles têm de ir combater a guerrilha para depois serem execrados como bandidos, enquanto os guerrilheiros são louvados como heróis e suas famílias indenizadas? Façamos um exercício de futurologia: Que aconteceria se as Forças Armadas recusassem a combater a guerrilha brasileira? Será que o Presidente pediria auxílio a uma nação amiga?
O projeto de lei relatado pelo Deputado Roberto Jefferson é a consolidação de 22 outros projetos apresentados na Câmara e no Senado. Devemos reconhecer o esforço e o mérito do Deputado em depurar todo lixo preconceituoso existente nos demais projetos e apresentar um texto limpo e enxuto. Se alguém tem alguma dúvida que todos esses projetos de lei têm a política como motivação, basta observar que 90% deles falam abertamente na questão das armas de uso proibido e atribuem penalidades mais rigorosas às pessoas apanhadas com esse tipo de armas. Ora, armas de calibre proibido são considerações de ordem militar. Para o cidadão que é assaltado na rua, pouco importa se ele vai morrer com um tiro de .38 Special ou de 9mm Parabellum. Ninguém morre duas vezes ou fica mais morto com este ou aquele calibre. Os calibres são proibidos em função de seu alcance e poder de perfurar blindagens, considerações estas totalmente irrelevantes quando o assunto é criminalidade ou violência urbana.
O Caro Leitor deve estar se perguntando: Quer dizer que em função dessa paranóia vou ficar sem minha arma para me proteger? Sim! Vai porque o Caro Leitor não tem nenhum peso político. Ou melhor, V. Sa. é apenas um voto entre os oitenta milhões de eleitores brasileiros. Quase nada. Enquanto os “Sem Terra” são personagens de novela e ocupam amplo espaço na mídia, suas cartas aos jornais nem são publicadas, não é mesmo? Alguma instituição de pesquisa, do tipo IBOPE, já o procurou para ouvir sua opinião? Claro que não! Sua opinião é irrelevante.
Por outro lado, militarmente falando, você é um perigo. É uma espada de Damocles sob a cabeça de nossos políticos. Seu perfil é de um cidadão do sexo masculino, provavelmente com educação superior, ocupando alguma função de responsabilidade em seu emprego, fazendo parte de um sindicato, de um clube ou associação, razoavelmente bem informado, com capacidade de discernimento e comando e, ainda por cima, tem uma arma. Percebeu? Já pensou no que aconteceria se você, e outros iguais a você, decidirem se juntar a um desses movimentos reivindicatórios? Não são os bandidos os elementos perigosos. Você é que é o perigo. É você que tem de ser desarmado!
Daí a certeza que o confisco das armas é iminente. Afinal, a nova lei ainda permite a posse de armas por cidadãos. O Projeto de Lei do Dep. Matheus Schmidt, por exemplo (PL 935/95), proíbe a fabricação de armas de uso proibido em território nacional, o que inviabilizaria economicamente as fábricas brasileiras. O projeto do Dep. Ushitaro Kamia (PL 189/95) simplesmente proíbe a venda de armas de fogo à particulares. O projeto dos Deputados Aldo Rebelo e Ricardo Gomyde (PL 741/95), exige exames psicotécnicos anuais para quem tem arma em casa. Perceberam? Quando acabar o prazo dado para que os cidadãos efetuem o registro das armas no SINARM começará a campanha pelo confisco.
O que fazer para estancar esse movimento? Evidentemente que ficarmos parados nos lamuriando não levará a nada. Estimam-se em dez milhões de pessoas os proprietários de armas de fogo no Brasil. É um número considerável. Bastaria um mínimo de organização para transformar essa multidão alienada e desorientada numa considerável força política. Imaginemos que um por cento desses proprietários concordassem em contribuir com apenas R$10,00 por ano para uma organização similar à NRA americana. Teríamos um milhão de reais por ano para fazer campanhas pró-armas na mídia, fazer pesquisas, divulgar o esporte do tiro e, até mesmo, eleger políticos. Aí sim, Caro Leitor, sua opinião seria ouvida. V. Sa. passaria a ser consultado e até mesmo “bajulado” pela imprensa. Suas cartas seriam publicadas e você seria chamado de “formador de opinião”. Não é preciso inventar nada, basta copiar o que os americanos fizeram com tanto sucesso.
Será que não somos capazes disso? Bem, se não formos capazes de nos organizar agora podemos dar adeus às nossas armas.
L.A.