Por Maria Lucia Victor Barbosa*
30 de agosto de 2001
Para facilitar a compreensão do processo histórico, historiadores utilizaram alguns marcos ou acontecimentos de importância fundamental, a partir dos quais as relações mundiais tanto a nível cultural, econômico e político foram alteradas substancialmente de forma a produzir mudanças significativas para a humanidade em seu conjunto. Se os marcos podem variar, vamos nos ater aos mais tradicionais tendo em vista tão somente a busca de compreensão didática das transformações planetárias.Tomemos então a divisão que considerara como Idade Antiga o período que foi de 300 AC até 476 d.C, ano que assinala o fim do Império Romano. Em 476, inicia-se a idade Média, que irá até 1453, data da tomada de Constantinopla pelos turcos. De 1453 até a Revolução Francesa em 1789, teríamos a Idade Moderna. Em 1789 o mundo ingressa na Idade Contemporânea. A partir deste 11 de setembro de 2001, sem medo de errar, podemos dizer que entramos numa nova Idade mundial que ainda não tem nome, da qual vislumbramos muito pouco em termos de futuro, mas que acabou de chegar com toda sua carga de transformações profundas, de alterações que irão marcar a vida de cada ser humano em todo o mundo.
Note-se que se os marcos históricos aqui apresentados são caracterizados por conflitos de grande envergadura, neste dia 11 de setembro o mundo assistiu chocado ao hiper-terror, algo nunca antes havido e de onde deriva uma guerra globalizada contra um inimigo ainda sem face. Uma guerra que não se sabe como acabará.
Portanto, não há motivo para regozijo com relação ao ataque às torres do World Trade Center de Nova York e aos prédios do Pentágono, símbolos do poder financeiro e estratégico-militar dos Estados Unidos, ataques que na verdade vitimaram milhares de civis americanos e estrangeiros. Assim, algumas críticas feitas na nossa imprensa por certos intelectuais, muitos dos quais já estiveram na Nação norte americana para estudar, trabalhar e usufruir de sua prosperidade, soam rudimentares e anacrônicas no cenário que se desenha no pós 11 de setembro. Mesmo porque, governos do mundo inteiro, incluindo os da Rússia, da China, de Cuba e o próprio Yasser Arafat demonstraram sua consternação e sua solidariedade diante do atentado brutal e monstruoso que, na verdade, enlutou a humanidade e principiou um período que repercutirá, inclusive, na frágil economia brasileira que já vinha sendo abalada com a crise argentina e as perspectivas pouco alvissareiras da sucessão presidencial.
A repercussão do ato hediondo é tão séria, que nenhum grupo extremista quer assumir a responsabilidade pelo mesmo. Até o Taleban, que no Afeganistão hospeda o bilionário Osama bin Laden, garantiu que o inimigo número 1 dos Estados Unidos e quintessência do “islamismo mais enlouquecido”, na expressão de Gilles Lapouge, não está envolvido. Isto apesar de Bin Laden ter advertido há três semanas atrás, que seus seguidores lançariam um ataque sem precedentes aos Estados Unidos. Além do mais, o cabeça do terrorismo mundial parece ser o único a ter condições para dirigir com êxito a coreografia perfeita do horror a que o mundo assistiu estarrecido.
Desfilar agora críticas ao “Grande Satã Branco”, culpar os Estados Unidos pelo brutal atentado a seu povo, é como dizer que Sílvio Santos foi culpado por seu seqüestro porque o seqüestrador é a verdadeira vítima do sistema.
Com essa toada sempre repetida à exaustão, é que conseguimos aperfeiçoar nosso sistema de impunidade e nos tornamos alvos sempre a disposição de seqüestradores, de criminosos de toda a espécie, de traficantes, cujos direitos humanos no Brasil costumam ser defendidos ferozmente.
De todo modo, se os símbolos do poder norte-americano foram atingidos, a estátua da liberdade permaneceu de pé. Em meio à tragédia sem precedentes isso pode ser um bom indício. Pode significar também, que a partir de agora a guerra se dará entre os que defendem a liberdade, a democracia e a prosperidade, e os que defendem o terror, o narcotráfico, os Bin Laden, os Saddan Hussein, as Farcs, a violência, o desrespeito a vida como meio de dominação. Não haverá meio-termo. E é preciso que o governo brasileiro, cheio de bom-mocismo, sempre em cima do muro em termos de sua política externa, tome consciência disso.
*Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga, escritora e professora universitária.
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