22 de maio de 2001
VICTOR LEONARDO DA SILVA CHAVES
- Coronel –Médico da R/Rm da Aer. CREMERJ 52-12223-0
- Ex-psiquiatra do Quadro de Saúde da Aeronáutica
- Título de psiquiatra conferido pela Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Médica Brasileira em 1970; pelo Conselho Federal de Medicina e Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro em 1986
- Ex-membro da Associação Brasileira de Psiquiatria [1970/1994] e Associação Psiquiátrica do Estado do Rio de Janeiro [1968/1994]
- Licenciado em Filosofia pela UERJ
1. Introdução.
Em princípio do outono de 2001, a imprensa anarco-comunista anunciou que o Congresso aprovara em 27 de março o projeto de lei do Deputado Paulo Delgado [PT de MG], que propunha a extinção de manicômios, tendo sido sancionado pelo executivo em 6 de abril. Há indícios de má-fé, pois tal projeto fora aprovado em 1989, somente na Câmara Federal por voto de lideranças e derrotado no Senado Federal, seguido pelos substitutivos dos Senadores Lucídio Portela e Sebastião Rocha. Ambos modificaram substancialmente o projeto original. Esse último substitutivo é o que foi aprovado nas datas acima, tornando-se a Lei 10 216 de 06/04/01[D.O.U. 09/04/01]. Essa mistificação foi feita pela esquerda que domina os meios de comunicação, pois esse projeto é uma expressão política de uma doutrina de inspiração anarco-comunista, denominada de antipsiquiatria.
2. Definição.
O termo antipsiquiatria passou a ser usado na década de sessenta para designar uma corrente doutrinária na área de saúde mental que tinha por característica principal contestar a validade da Ciência Médica para resolver os problemas de psiquiatria. Seus conceitos propagaram-se para áreas afins, no bojo dos movimentos de protesto das conturbadas décadas de 60 e 70, que julgam não existir doenças mentais e que a nosologia médica psiquiátrica não passa de um conjunto de rótulos, apregoando o fechamento dos estabelecimentos médicos psiquiátricos. Roudinesco [1], em seu Dicionário de Psicanálise, fornece a seguinte definição: Embora o termo antipsiquiatria tenha sido inventado por David Cooper num contexto muito preciso, ele serviu para designar um movimento político radical de contestação do saber psiquiátrico [grifo nosso], desenvolvido entre 1955 e 1975 na maioria dos grandes países em que se haviam implantado a psiquiatria e a psicanálise [grifo nosso]: na Grã-Bretanha, com Ronald Laing e David Cooper; na Itália, com Franco Basaglia; e no Estados Unidos, com com as comunidades terapêuticas, os trabalhos de Thomas Szasz e a Escola de Palo alto de Gregory Bateson. (…) Como utopia, a explosão da antipsiquiatria foi radical, e Cooper sublinhou isso ao discursar em Londres, na tribuna do congresso mundial de 1967, o qual almejava inscrever a antipsiquiatria no quadro de um movimento geral de libertação dos povos oprimidos [grifo nosso] (…) Cooper prestou uma vibrante homenagem aos participantes da comuna de 1871, que haviam atirado nos relógios para acabar com “o tempo dos outros, o dos opressores, e assim reinventar seu próprio tempo” [observe a orientação política anarquista]. Antipsiquiatria é uma ideologia perniciosa, de inspiração anarquista. É formada pela confluência de várias correntes de pensamento que dominaram a sociedade ocidental a partir do final do Século XIX e parece que se adentrará, infelizmente, pelo XXI.
3. Antecedentes históricos.
3.1. A passagem do Século XIX para o XX foi marcada por duas correntes filosóficas: o niilismo de Nietzsche e a fenomenologia de Husserl. O niilismo é uma doutrina iconoclasta que faz apologia do nada. A fenomenologia, inspirada em Kant, afirma a primazia do fenômeno em relação ao númeno. Esse último seria inacessível ao sujeito, portanto, só sendo perceptível o primeiro. Com isso, Husserl quis mostrar a identificação entre sujeito e objeto em vez da interação entre os dois. Querendo ou não, sua doutrina acaba por privilegiar o sujeito em detrimento do objeto, dando margem ao excesso de subjetivismo que caracterizou o Século XX. Essas duas correntes vieram a inspirar o existencialismo fenomenológico de Heidegger, o existencialismo materialista de Sarte, a “filosofia da ambigüidade” de Merlau-Ponty, que sustenta que a experiência humana possui um sentido eminentemente enigmático [2], todas as manifestações estruturalistas, inclusive o descontrutivismo de Derridá, a Escola de Frankfurt e o Círculo de Viena.
3.2. Esse período caracterizou-se também pelo aparecimento das correntes chamadas de psicologia profunda [Freud, Adler, Jung e outros] que afirmam que a conduta humana é dirigida por uma instância mental irracional, que chamam de inconsciente dinâmico. Esse menoscabo da razão induziu a uma identificação de liberdade com irresponsabilidade. Muitas delas aceitam como parte da mente normal a bissexualidade, a homossexualidade [a criança seria um polimorfo perverso, pois encerraria em latência todas as perversões sexuais dos adultos] e o uso de doença mental (neuropsicoses de defesa) como um meio que a mente tem para se defender dos conflitos. Isso eliminou os limites entre sadio e patológico, e influenciou o Manisfeste du Surréalisme, de 1924, quando André Breton propõe o não-conformismo e a tese do automatismo mental. No primeiro princípio, faz apologia da iconoclastia e, no segundo, defende o aetismo extremo, em que o autor deveria escrever tudo que lhe viesse à mente [patológica, evidentemente], sem a menor censura, mesmo que o conteúdo viesse a escandalizar os bons costumes, tal como incesto, bestialidade ou qualquer outra perversão.
3.3. Na década de trinta [1933], alguns sociólogos americanos cunharam a expressão “psiquiatria social” [3] com a pretensão de transformar a Medicina em sociologia. A revista ‘MÉDICOS’, editada pela USP, apresentou em seu número de dezembro de 1998 [ANO 1, Nº 5, pg. 100] a opinião da socióloga Maria Helena Machado que atribui à Medicina ( saber científico com a finalidade de aliviar a dor e salvar vidas) uma “aliança com o Estado (…) e com a elite dominante”. Esse despautério demonstra o descalabro que a “sociologização” da Medicina atingiu.
3.4. Foi na década de sessenta do Século XX, que explodiu o laxismo [laissez-faire extremo na esfera moral] fomentado por essas doutrinas de pensamento. Começou com o movimento hippie, tendo por fundamento estético o extravagante, o aberrante, tudo que causasse escândalo; criatividade passou a ser sinônimo de extravagância, aberração, escândalo. Na esfera moral o mote foi “paz e amor”: com paz eles queriam dizer ociosidade; com amor, luxúria, devassidão dos costumes. Foi a era da liberação do sexo e tóxico, quando tudo deveria ser permitido, a hierarquia passou a ser risível, a ordem, opressão e a obediência, submissão. A palavra de ordem foi contestar, contestar por contestar, sem o menor fundamento. A única coisa a proibir foi proibir. Esse foi o lema das badernas das ruas de Paris em maio de 1968, lideradas pelo filósofo Herbert Marcuse e apoiadas por vários intelectuais como Sartre, Simone de Beauvoir e outros anárquico-socialistas [4]. Em agosto de 1969, ocorreu o festival em Woodstock, quando imperou a promiscuidade sexual, o abuso de tóxico, a falta de higiene, a extravagância.
4. Formação da ideologia antipsiquiátrica.
4.1. François Dosse [5] afirma que em 1952 a UNESCO encomendou a Levy-Strauss [antropólogo de orientação estruturalista] um estudo sobre “a questão racial perante a ciência moderna”. O autor publica o livro “Race e Histoire” que, querendo derrubar os preconceitos raciais, então ainda tão presentes suas conseqüências funestas [sete anos após a Segunda Guerra Mundial], extrapolou para o extremo oposto, sustentando a ausência de hierarquia entre as civilizações. Uma cultura que ainda exigia sacrifícios humanos estaria no mesmo grau de igualdade como a cultura cristã. Essa ideologia concorreu para incentivar a iconoclastia em curso e resultar na Nova Era [New Age] da década de sessenta.
4.2. O filósofo francês Michel Foucault [1926/1984] deu uma grande contribuição para a formação da ideologia antipsiquiátrica com seus livros iconoclastas: História da Loucura na Idade Clássica [1961], As Palavras e As Coisas [1966], Arqueologia do Saber [1969]. Esse indivíduo é suspeito, pois em 1948, tentou suicídio e foi internado em hospital psiquiátrico. Outro fato de conhecimento público e notório era o de que ele era pederasta e morreu de SIDA [AIDS] em 1984. Os apologistas da antipsiquiatria classificam esses argumentos de mesquinhez e alegam que seu passado psiquiátrico e sua “opção” [SIC] sexual não têm relação com o que escreveu. Pensamos que sim, pois ele denegriu vários saberes e institutos que salvaguardam os valores morais da sociedade.
4.3. Roger Bastide, sociólogo francês de orientação estruturalista, em 1967 afirmou: “não se é enfermo mental, senão em relação a uma determinada sociedade” [6]. É o relativismo que caracteriza o pensamento estruturalista: não existe certo ou errado, verdade ou erro, tudo depende, tudo é relativo. Eles confundem a percepção do fenômeno, que é relativa por ter forte componente subjetivo, com a “coisa em si” ou “númeno”.
4.4. Médicos contaminados por essas tendências “psicologizante”, “sociologizante” e “antropologizante” denigrem a própria Medicina: Thomas Szasz, médico psicanalista norte americano, recusa o modelo médico para as doenças mentais [Ideologia e Doença Mental – Ensaios Sobre a Desumanização Psiquiátrica do Homem e El Mito de Lãs Enfermidades Mentales]; Ronald Laing e Esterton: Loucura, Gordura e Família, 1965; Ronald Laing: La política de la Experiencia, 1967; todos citados por Moreira [7].
4.5. Em 1965, o médico inglês David Cooper, nascido na África do Sul e pertecente ao partido comunista clandestino, juntamente com Ronald Laing, defensor do uso de mescalina e LSD, e Aaron Esterson formaram o movimento antipsiquiátrico internacional. Em 1967, Cooper lança o livro contestador e iconoclasta Psychiatry and Anti-Psychiatry, editado pela Tavistock Publication. Esse dados foram colhidos de Roudinesco [8]. A partir desse período fatídico, a antipsiquiatria passou a ser tema preferido da juventude desajustada, dos portadores de conflitos sociais, mentais, sexuais, dos contestadores contumazes e foi usada como instrumento político de contestação e de desorganização social. Em maio de 1978, o médico italiano, Franco Basaglia, membro do Parido Comunista Italiano [anarquista e gramsciista], conseguiu que o Parlamento de seu país aprovasse a Lei de nº 180 que acabava com os hospitais psiquiátricos. Em 1987, Roy Porter lançou o livro Uma História social da Loucura, repetindo a mesma cantilena antipsiquiátrica.
4.6. Podemos asseverar com segurança que foi na década de sessenta que se forjou a contra-cultura que caracterizou esse final se século.
5. Conseqüência da ideologia antipsiquiátrica.
5.1. Após os desvarios das décadas de sessenta e de setenta do Século XX, a humanidade chegou à de oitenta com uma baixa geral na escala de seus valores morais. A Organização Mundial de Saúde retirou o diagnóstico de homossexualidade da categoria de perversão sexual da Classificação Internacional de Doenças [CID 9 ª revisão, 1975] e a colocou na classificação de desajustes sociais. A 10a. Revisão de 1995 retirou por completo esse diagnóstico admitindo várias “opções” [SIC] sexuais. No meio de saúde mental, já apareceram pervertidos que vêem com certa naturalidade a prática sexual entre seres humanos e animais. Políticos demagógicos ou degenerados defendem a legalização de casamento entre pervertidos sexuais e, o que é pior, isso já não choca mais as pessoas comuns. Apresentadora solteira de programas infantis pela televisão anunciou que se submeteria a inseminação artificial. Aparecem criminosos compulsivos, assassinos desvairados que metralham inocentes nas escolas, nos cinemas. Suicídios coletivos, liderados por um maníaco, tornam-se rotina. A legalização de drogas já está sendo defendida até por pessoas aparentemente equilibradas, mas sem intelectualidade, que se deixam influenciar por essa contra-cultura. Os meios de comunicação só abordam temas sobre violência e erotismo. As religiões perderam o senso de sacralidade: em vez de levar o povo a Deus, querem levar o Sagrado ao profano com apresentações religiosas que se assemelham mais a espetáculo circense do que um ato sagrado.
5.2. Em 13/SET/86, o jornal “O Globo” [Rio-RJ], publicou uma sentença proferida pelo Juiz Titular da 37 ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, Dr. Sérgio Verani, em que afirma a falibilidade do diagnóstico psiquiátrico, baseado no livro “Psiquiatria e Antipsiquiatria” de David Cooper, contrariando o diagnóstico e parecer de dois eminentes psiquiatras, Dr. Talvane Marins maia e Dra. Alva Coeli. Quando o saber jurídico contesta o saber psiquiátrico em obra de duvidosa seriedade científica, envolvida com o anarco-comunismo e os movimentos contestadores da contra-cultura é porque tudo já está perdido. Só resta a fé em um Deus misericordioso que não permitirá que o mal dure sempre. AMEM!
6. A lei Paulo Delgado.
A apresentação do projeto já encerrava malícia, pois usava para os estabelecimentos psiquiátricos a palavra pejorativa “manicômio”. Há muito tempo, já é usado o termo “hospital psiquiátrico” e já havia uma tendência a extinguir não só esse, como os outros estabelecimentos de saúde que tratassem apenas um quadro clínico, como os sanatórios de tuberculosos, de hanseníacos, etc.. A orientação era construir hospitais gerais a fim de que o doente pudesse ser atendido nas intercorrências de outras áreas. Além disso, o avanço da bioquímica veio curar muitas doenças mentais ou torná-las suscetíveis a controle. Foi a química e não a psicologia, a sociologia, a psicanálise ou a política, responsável pela humanização do tratamento psiquiátrico e a redução da necessidade de internação. A aprovação dessa lei mostraria uma postura no mínimo demagógica, se não fosse deliberadamente subversiva, anarquista, corrosiva. A sociedade brasileira enfrentaria os mesmos problemas ocorridos na Itália a partir de 1979: os ricos iam para Suíça ou França internar seus doentes, os pobres tinham que sobreviver à ameaça de seus parentes insanos.
7. Conclusão.
Se esse projeto original tivesse sido aprovado, a sociedade brasileira enfrentaria os mesmos problemas ocorridos na Itália a partir de 1979: os ricos iam para Suíça ou França internar seus doentes, os pobres tinham que sobreviver à ameaça de seus parentes insanos. Esse é o caos almejado pela esquerda anarquista, seguindo seu lema – QUANTO PIOR, MELHOR. Pessoas assustadas falam em fim de mundo. Achamos que já estamos vivenciando os tempos apocalípticos. Não somos místico e não professamos ocultismo, mas a crise moral causa tamanho desespero que nos força a pensar de modo mágico. A famosa besta apocalíptica, tão enigmática, nada mais é do que o aniquilamento moral que a contra-cultura dos anos sessenta nos deixou como herança. Talvez haja até uma relação cabalística entre o número 666 e a década de 60. Seu número, 666 [Apocalipse 13:18], é uma série constituída pela repetição, três vezes, do algarismo “6”. A década de 60 [1961/1970] tem nove vezes o algarismo “6” repetido. Nove é o triplo de três. A década de 60 é o triplo da besta apocalíptica. Que os místicos da Nova Era [New Age] reflitam sobre isso.
Referências Bibliográficas
1] Dicionário de Psicanálise; Roudinesco, E. e Plon, M.; Rio de Janeiro; Jorge Zahar Editor; 1998.
2] Dicionário Básico de Filosofia; Japiassu, H e Souza Filho, D. M.; 1A. Ed.; Rio de Janeiro; Jorge Zahar Editor; 1990.
3] Moreira, M.S.; Notícias Psiquiátricas[Set/90, Nº 198]; Rio de Janeiro; Associação Psiquiátrica do Estado do Rio de Janeiro. p. 4.
4] Chaves, V.L.S.; Falando de Psiquiatria [OMBRO A OMBRO ANO XII, Março de 2000]; Rio de Janeiro; Estandarte Editora e Empreendimentos CulturaisLtda;; .pg. 10.
5] Dosse, F.; História do Estruturalismo, v.1. o campo do signo,1945-1966; São Paulo; Ensaio;Campinas, SP; Editora da Universidade Estadual de Campinas; 1993.
6] Moreira, M.S.; idem, p 4.
7] Moreira, M.S.; ibidem, p. 2.
8] Dicionário de Psicanálise; Roudinesco, E. e Plon, M.; idem.