Carta da Fundação Valladares

Miami, 26 de março de 2000

Prezado Sr. Diretor,

Agradecemos antecipadamente a divulgação deste artigo de Armando Valladares, poeta, ex-prisoneiro politico cubano e ex-embaixador norte-americano na Comissão de Direitos Humanos da ONU.

Saudações cordiais,

Florentino González, Fundación Valladares, Miami

Fundacion@Valladares.as

O pedido de perdão que não houve: a colaboração eclesiástica com o comunismo

Armando F. Valladares

Nos recentes textos de S.S. João Paulo II e de diversos Cardeais, nos quais pedem perdão pelo que consideram como pecados passados e presentes dos filhos da Igreja, não me foi possível encontrar a menor referência à cumplicidade de tantos eclesiásticos com o comunismo, em Cuba e em outros países do mundo, por ação ou por omissão, durante as últimas décadas; tampouco vi referências às devastações provocadas no rebanho católico pelos “teólogos da libertação” de inspiração marxista.

A constatação dessa lacuna protuberante encheu-me de perplexidade e até de angústia. Com efeito, se se trata de identificar e de admitir culpas, que fato houve de mais grave, neste século XX que termina, do que essa colaboração eclesiástica com uma ideologia “intrinsecamente perversa”, responsável pelo massacre de 100 milhões de pessoas? Assim sendo, — e quanto eu gostaria de ser desmentido, não por desqualificações verbais, mas sim de maneira séria e documentada — como, então, explicar essa omissão?

Em relação a Cuba, como num filme de terror me vêm à mente o apoio público do Cardeal Silva Henríquez e dos “Cristãos pelo socialismo” ao ditador Fidel Castro, em 1971, quando este visitara o Chile durante o regime do socialista Salvador Allende; as declarações em Cuba, em 1974, de D. Agostino Casaroli, artífice da Ostpolitik vaticana, então Secretário do Conselho de Assuntos Públicos da Santa Sé e posteriormente Cardeal Secretário de Estado, segundo as quais “os católicos que vivem na ilha são felizes dentro do sistema socialista” e que “em geral, o povo cubano não tem a menor dificuldade com o governo socialista”, negando frontalmente tantas evidências históricas; as declarações em Cuba, em 1989, do Cardeal Roger Etchegaray — então presidente da Pontifícia Comissão Justiça e Paz e hoje presidente do Comitê Central do Jubileu de 2.000 — de que a “Igreja do Silêncio” já não existia mais na ilha-prisão; também em 1989, a carta do Cardeal Paulo Evaristo Arns, de São Paulo, dirigida a um “queridíssimo Fidel”, na qual afirmava discernir nas “conquistas da Revolução” nada menos que “os sinais do Reino de Deus”; e os reiterados pronunciamentos do Cardeal Ortega y Alamino, Arcebispo de Havana, durante as últimas décadas, em favor de um diálogo de colaboração com o regime comunista.

Quanta coisa mais se disse, de maneira documentada, a respeito da colaboração de tantos eclesiásticos das Américas com o comunismo cubano! Às vésperas do 27º Encontro Interamericano de Bispos, realizado na ilha-presídio de Cuba entre 14 e 16 de fevereiro de 1999, em carta aberta aos dirigentes do CELAM e das conferências episcopais dos Estados Unidos e do Canadá que ali se reuniriam, tive ocasião de afirmar, e hoje o reitero: dificilmente teria sido possível prolongar, durante tantas décadas, a ditadura comunista em Cuba e o martírio do povo cubano, se não fosse, ora por esse silêncio, ora por essa contemporização e até complacência, de tantas figuras eclesiásticas das Américas. Atitudes essas que, em linhas gerais, foram contínuas desde o começo da revolução comunista em Cuba até hoje (cf. Diario Las Américas, Miami, 31-1-1999).

Permito-me acrescentar, no mesmo sentido e num plano mais universal, que inclui o problema cubano, mas o transcende amplamente, um fato que com a perspectiva do tempo resulta estremecedor: a negativa do Concílio Vaticano II de condenar o comunismo, apesar do solene pedido nesse sentido, subscrito por 456 Padres conciliares de 86 países. Durante as sessões do Concílio o Cardeal Antonio Bacci havia advertido sobre a imperiosa necessidade de uma condenação explícita do comunismo: “Todas as vezes que se reuniu um concílio ecumênico, foi para resolver os grandes problemas que agitavam sua época e para condenar os respectivos erros. Creio que fazer silêncio sobre este ponto seria uma lacuna imperdoável, melhor dito, um pecado coletivo. Esta [o comunismo] é a grande heresia teórica e prática de nossos tempos; e se o Concílio não se ocupa dela, poderá parecer um concílio fracassado!” (Acta Synodalia, vol. IV, parte II, pp. 669-670).

De fato, analisar os problemas contemporâneos dos católicos sem referir-se ao comunismo — um adversário tão completamente oposto a sua doutrina, tão poderoso, tão brutal e tão astuto como a Igreja nunca encontrou antes em sua história — seria como se hoje em dia um congresso mundial de médicos se reunisse para estudar as principais doenças sem fazer a menor referência à Aids.

Por todas essas lamentáveis atitudes de tantos e tão qualificados filhos da Igreja, não se pediu perdão de modo explícito. Lamento-o profundamente como católico, como cubano e como uma das incontáveis vítimas.

Desejo manifestar que não me sinto só em minhas perplexidades e críticas a respeito das cerimônias de pedido de perdão. Houve declarações de conceituadas autoridades eclesiásticas e de destacados intelectuais católicos que manifestaram suas dúvidas e até suas discrepâncias sobre aspectos centrais de tais cerimônias, antes mesmo que estas se realizassem há poucos dias. De qualquer maneira, permito-me, uma vez mais, reiterar conceitos expressos aos altos prelados interamericanos reunidos em Havana, em 1999, sobre o direito do católico de manifestar filialmente seus pontos de vista sobre temas tão delicados: a Igreja nunca foi, a Igreja não é, a Igreja jamais será um cárcere para as consciências de seus filhos. Por isso, tenho a certeza de que se saberá compreender estes respeitosos comentários de um fiel católico cubano que, nas masmorras castristas, implorou à Virgem da Caridade do Cobre, Padroeira de Cuba, a graça de rejeitar — ainda ao preço da própria vida — mesmo a menor forma de aceitação da nefasta revolução cubana e a menor aproximação do regime, baseado no ensinamento tradicional da Igreja, que condena o comunismo como “intrinsecamente perverso” e considera “inadmissível a colaboração com ele em qualquer terreno” (Pio XI, Divini Redemptoris).

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Armando Valladares, ex-preso político cubano, foi embaixador dos Estados Unidos junto à Comissão de Direitos Humanos de ONU, em Genebra, durante as administrações Reagan e Bush.

Tel.: (305) 3083573

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