Olavo de Carvalho
12 de julho de 2001
Esse menino, Felipe Coelho, andou freqüentando meus cursos e ali cumpriu seu papel de alcoviteiro a serviço de seu guru Orlando Fedeli, acreditando que com isto alcançaria a salvação da alma. Por isto julguei conveniente publicar aqui mais esta sua fofoca eletrônica, distribuída em 15 de julho de 2001 a seus ex-colegas doSeminário de Filosofia. Não imagine o leitor que o signatário entre na peleja como alguém que, tendo-a observado de longe e com neutralidade, finalmente toma partido. Se fosse isso, sua opinião poderia até valer alguma coisa, e essa é a impressão que ele talvez procure dar aqui, mas desde o início este garoto foi o principal instrumento de ação do sr. Fedeli, tendo na sua folha de serviços alguns notáveis feitos de difamação bem conhecidos de seus ex-colegas. Sem grave imprecisão ele poderia até declarar: “Orlando Fedeli, c’est moi.” Esta mensagem, de fato, não é a primeira. É apenas a seqüência do renitente assédio de e-mailscom que os agentes do sr. Fedeli cercam meus alunos, a mando dele, no intuito declarado de tirá-los do Seminário de Filosofia e levá-los àquilo que ele imagina ser o céu. O empreendimento não obteve grande êxito, pois só foram para os braços do sr. Fedeli os dois ou três que tinham vindo de lá. Durante um tempo representaram o papel de meus alunos só para depois poderem encenar uma “ruptura” escandalosa. No ambiente de cursos livres, em São Paulo, “operações” desse tipo são coisa endêmica, mas, por mais que as veja repetir-se desde a década de 70, não me acostumo com elas, e sempre me pegam desprevenido. Segue, pois, a amostra, com alguns comentários meus em vermelho. – O. de C.
Carta aberta de um ex-aluno a Olavo de Carvalho, sobre sua gnose
Felipe Coelho
Enquanto meu professor, Orlando Fedeli, não comenta o último protesto do Sr. Olavo de Carvalho contra a denúncia de sua gnose, eu, Felipe Coelho, Católico, ex-aluno deste último, comentarei brevemente alguns pontos de sua tentativa de resposta, entitulada “Mais um golpe de teatro do charlatão Orlando Fedeli”.
O texto do Prof. Orlando Fedeli, como o próprio título indica, não trata apenas do Sr. Olavo de Carvalho, mas também de René Guénon, de modo que o Sr. Olavo não deveria ter ficado tão lisonjeado com sua extensão. O que o Prof. Fedeli de fato fez foi aproveitar a deixa para dar uma mini-aula de gnose, a partir dos “quatro itens da gnose” do “Aviso 2” do Sr. Olavo, com o objetivo principal de esclarecimento dos alunos deste que porventura sejam ou possam vir a ser Católicos.
A incapacidade de distinguir sentido reto e oblíquo é característica do leitor enlouquecido pelo ódio e pelo medo. A lisonja a que me referi foi dita cum grano salis, mas a sutileza escapou tanto a Fedeli quanto ao fedelho.
Acrescente-se ainda uma citação do próprio Sr. Olavo de Carvalho corroborando este procedimento: “Não discuti com eles em meu livro nem vou fazê-lo agora, porque vigarice (intelectual ou qualquer outra) é coisa que não se discute: vigarice se denuncia, e pronto” (Olavo de Carvalho, “Por uma Esquerda Melhorzinha”, inO Imbecil Coletivo, 2ª ed., Rio de Janeiro, Faculdade da Cidade, p. 390). Foi o que fez o Prof. Fedeli: desafiado, denunciou e provou a gnose de Guénon e Carvalho.
Chegamos assim ao cerne da questão: afinal, do que o Sr. Olavo de Carvalho está sendo acusado? É óbvio que não é de ser um seguidor das doutrinas de Valentino, Basílides, do gnosticismo dos primeiros séculos.
Há aí duas definições da Gnose. Uma, a do gnosticismo dos primeiros séculos, corresponde a um fenômeno histórico definido e a uma heresia condenada pela Igreja. A outra, a de uma Gnose em sentido amplíssimo que abrange praticamente todas as expressões espirituais e religiosas não cristãs (e mesmo as cristãs que apresentem algum parentesco mesmo remoto com elas), é um conceito interpretativo possível, mas a Igreja nem subscreve esse conceito nem emitiu jamais qualquer decreto que condenasse como herética a entidade hipotética aí definida. Logo, sou acusado de que?
(Um terceiro conceito possível de gnose é o de Voegelin. O gnosticismo ou gnose, aí, corresponde a um fenômeno histórico contínuo, especificamente ocidental, cuja evolução se estende desde o gnosticismo dos primeiros séculos até as ideologias totalitárias do século XX. Este conceito, que me parece o único razoável, obviamente exclui do âmbito da gnose-heresia as tradições orientais que o sr. Fedeli nela inclui.)
O próprio estudo do Prof. Fedeli mostra a gnose presente no sufismo, na cabala, no hinduísmo, e em vários autores de diversas origens apontados pelo Sr. Olavo como grandes homens espirituais, ficando claro portanto que a acusação não é de pregar a heresia cristã dos primeiros séculos.
Sempre a confusão entre a “presença” de elementos soltos e a identidade da forma total.
A insistência do Sr. Olavo neste ponto tão evidente é no mínimo estranha. É óbvio também que não se trata de “gnose” como mero sinônimo de “conhecimento”, pois neste caso não haveria razão para se utilizar o primeiro termo em vez do segundo.
Falsificação do sentido de minhas palavras. Uso em geral gnosepara designar o conhecimento especificamente espiritual e não como sinônimo de conhecimento em geral; e gnosticismo para designar o fenômeno apontado na definição de Voegelin. Quando quero me referir ao gnosticismo dos primeiros séculos, uso mais freqüentemente “heresia gnóstica”. Se o sr. Fedeli e seu fiel escudeiro consentissem em interpretar meus termos no sentido que estes têm nos meus textos, e não naqueles que sua própria imaginação projeta sobre eles, tudo ficaria mais claro. Mas isso não serve para quem só pretenda jogar lama na água e tirar proveito da confusão.
A gnose de que o Sr. Olavo de Carvalho é acusado é uma modalidade de conhecimento específica: trata-se da doutrina herética do conhecimento direto e unitivo de Deus pelo homem – ou melhor, por aquilo que haveria de divino no interior do homem -, realizado por meio de uma intuição que eliminaria a distinção entre sujeito cognoscente e objeto conhecido – entre o homem, o mundo e Deus -, pois no fundo só Deus existe, e tudo que há de individual é ilusório.
É absurdo o Sr. Olavo querer dizer que Santa Teresa tinha este tipo de conhecimento de Deus quando lhe aparecia Nosso Senhor. É claro que, ao vê-Lo, ela permanecia Teresa, e Ele, Jesus.
Ora, se citei o exemplo da visão de Sta. Teresa é porque é precisamente esse tipo de conhecimento que tenho em vista ao falar de gnose, e não algum outro tipo de “conhecimento unitivo” hiperbólico e, a rigor, autocontraditório, que não sei onde esse moleque pode ter encontrado nos meus escritos (a não ser que ele confunda o tipo de conhecimento a que me refiro em meus estudos de gnoseologia — como por exemplo “Ser e Conhecer” — com o conhecimento de Deus! Mas isto já seria loucura demais.) Na verdade, essa noção hipertrófica de conhecimento unitivo não se encontra nem mesmo na linha mestra do sufismo, a de Mohieddin Ibn Arabi, metafísico “da unidade absoluta” que, no entanto, proclama claramente que no ápice de todo conhecimento unitivo subsiste a dualidade do fiel e de seu Senhor, unidos tão somente pelo vínculo do amor. Exatamente como na visão de Sta. Teresa. Se essa visão é chamada “unitiva”, é no preciso sentido em que aqueles que se unem pelo amor são um só embora permaneçam existencialmente distintos. Tal é o motivo pelo qual, aliás, Teresa nesse instante diz a Jesus (não lembro se são precisamente as palavras textuais): “Tu és Aquele que é – eu sou aquela que não é” – declaração que afirma, ao mesmo tempo e inseparavalmente (“dialeticamente”, para horror do sr. Fedeli), a dualidade de criatura e Criador e a nulidade da criatura ante o Criador. Não há rigorosamente diferença nenhuma entre essa perspectiva e a de Ibn ‘Arabi, embora haja muita entre ambas e uma perspectiva gnóstico-herética (real ou suposta) na qual a “unidade” fosse interpretada como “identidade”.
Mas, como o Coelhinho só conhece do sufismo o que lhe diz o sr. Fedeli, é possível que ele imagine que o sufismo é outra coisa.
(Num outro documento, o sr. Fedeli, querendo por toda lei lançar a pecha de herético sobre o esoterismo islâmico, reduz este ao ismaelismo, que é apenas uma seita dentro de uma seita (isto é, do shi’ismo) e nada tem a ver com as ordens sufis tradicionais, que o condenam explicitamente. Mas isto é assunto para outra ocasião.)
Quanto ao demônio, conhece apenas a existência de Deus, não suaessência, e como se viu acima é justamente a essência de Deus que os gnósticos pretendem conhecer.
Curioso. Então por que no sufismo o hadith do Profeta, “Meditai as qualidades, jamais a essência”, é considerado uma regra áurea da prática espiritual? (Por “qualidades”, entendem-se os 99 nomes de atributos de Allah que constam no Corão.)
Quanto à salvação, o Sr. Olavo de Carvalho disse recentemente: “Isso não quer dizer que o Papa esteja errado ao afirmar que o cristianismo é a única via de salvação. Como poderia estar errado, se o conceito mesmo de ‘via de salvação’ não se aplica ao Islã ou ao judaísmo?” (Olavo de Carvalho, “Mensagem de Natal”, O Globo, 23.12.2001). Das duas uma: ou o Sr. Olavo aqui admite que, não sendo vias de salvação, o maometismo e o judaísmo levam ao inferno, e neste caso seria Católico; ou então, como é evidente, o Sr. Olavo adere a uma escatologia não-Católica e gnóstica, e defende também a doutrina de que nem todos precisam ser salvos, que a salvação não exige uma fé determinada e certa, pois bastaria o conhecimento. E isso é gnose.
Non sequitur: “se” não são vias de salvação, “portanto” levam ao inferno. Esse menino é mesmo um traslado fiel da lógica fedélica.
Aliás, Frithjof Schuon, que até muito recentemente o Sr. Olavo de Carvalho considerava “homem espiritual de primeiro plano e formulador do único método válido já concebido para a comparação e aproximação das religiões” (in O Jardim das Aflições, 2ª ed., É Realizações, São Paulo, 2000, p. 308),
(considero ainda, mas, ao contrário de Fedelis e Felipes, compreendo a distinção entre respeitar um homem espiritual e ser seu discípulo)
trata a fé exatamente como o Sr. Olavo, como caminho para a gnose: “A Fé não poderá opor-se ao Conhecimento [de Deus, ou seja, a gnose] da qual é, ao contrário, como vimos, um modo iniciático…” (Frithjof Schuon, Da Unidade Transcendente das Religiões, Trad. Fernando Guedes Galvão, Livraria Martins Editora S.A., São Paulo, 1953, p. 184).
Completa distorção do sentido do texto de Schuon: “modo iniciático” não quer de maneira alguma dizer “caminho para a Gnose”, no sentido em que o caminho deve ser abandonado uma vez atingida a meta.
E, sobre a natureza do conhecimento gnóstico, o mesmo autor afirma: “Acrescentamos que no ponto de vista iniciático esta visão [a Visão Beatífica] pode, e deve até, obter-se ainda nesta vida…” (ibid., p. 179). E ainda: “…até existem métodos para obter esta graça que equivale, em suma, a uma ‘concretização’ da ‘visão beatífica’.” (ibid., p. 157). (O Sr. Olavo deve lembrar-se de ter lido isto, pois, no parágrafo anterior a este último trecho citado, encontra-se detalhada por Schuon a comparação blasfema entre a Virgem Maria e Maomé que o Sr. Olavo resumiu em seu artigo “Mensagem de Natal”, O Globo, 23.12.2000). Registre-se ainda que, como tudo isso é condenado pela Igreja Católica, Schuon refere-se a Ela com total desprezo: “A Igreja latina, com seu idealismo sentimental e irrealista…” (Frithjof Schuon, O Esoterismo como Princípio e como Caminho, Ed. Pensamento, p. 189).
Reconhecer na Igreja o seu elemento de idealismo sentimental e irrealista não é de maneira alguma “referir-se a Ela com total desprezo.” Páginas e páginas de apologia da Igreja escritas por Schuon são aí suprimidas pela tesoura deixada nas mãos de um moleque.
Continuando, é notável que o Sr. Olavo de Carvalho confesse aqui não renegar nada do que escreveu antes de 1995, com exceção de seu artigo sobre a “gnose de Princeton”. Isto significa que não renega o artigo citado pelo Prof. Fedeli em que apóia as doutrinas defendidas por Guénon em O Demiurgo (Cf. Olavo de Carvalho, “O Homem e sua lanterna. René Guénon o Mestre da Tradição contra o Reino da Deturpação”, in Revista Planeta, nº 107, agosto de 1981, p. 17), doutrinas estas que se enquadram até naqueles seus quatro itens da gnose, feitos para mascarar a sua própria gnose.
Afinal, o Sr. Olavo de Carvalho confessa mais uma vez que é gnóstico. Abaixo vai o texto do Prof. Fedeli, seguido da mais atual confissão do Sr. Olavo de Carvalho, ao comentá-lo (o sublinhado é meu):
“Até hoje, ele afirma que há algo superior à fé e às crenças de todas as religiões – a ‘Tradição’ primordial – núcleo comum a todas elas. Esse núcleo ele mesmo o chamou de Gnose. E é esse suposto núcleo que permite a ele dizer-se, ao mesmo tempo, católico-judeu-islâmico.”
Até aqui o Prof. Orlando Fedeli. A seguir, a nova confissão de gnose de Olavo de Carvalho:
“A existência desse núcleo não é uma doutrina: é um simples fato empírico, facílimo de comprovar (cf. Whitall N. Perry, A Treasury of Traditional Wisdom, Pates Manor, Bedfont, Perennial Books, várias edições). Chamá-lo gnose, tradição, sabedoria perene, filosofia perene ou qualquer outra coisa é absolutamente indiferente. Todo homem que, além de conhecer esse fato, admita a veracidade intrínseca e essencial do referido núcleo de princípios é um “gnóstico”, no sentido lato em que porventura caiba chamar-me assim, e por isto mesmo não pode ser um gnóstico no sentido específico em que o sr. Fedeli me acusa de sê-lo, de vez que a heresia gnóstica, por seu dualismo e sua revolta prometéica contra a ordem divina, nega frontalmente esses mesmos princípios.”
Como já se viu, é precisamente da gnose que o Sr. Olavo reconhece defender, e não da heresia dos primeiros séculos, que o Prof. Orlando Fedeli o acusa. Ademais, já foi demonstrado pelo Prof. Fedeli que todos os especialistas no assunto consideram o gnosticismo (a heresia dos primeiros séculos) uma espécie do gênero gnose (substrato ou núcleo de várias heresias). O argumento do Sr. Olavo para negar este fato e defender a “boa gnose”, por meio da alegação de que o gnosticismo seja um “falso conhecimento”, é semelhante ao argumento dos comunistas — que o Sr. Olavo de Carvalho tanto condena, e faz bem de condenar — ao afirmarem que o “verdadeiro comunismo” permanece bom após as experiências genocidas de Stálin, Lênin, Mao e cia., pois estas seriam “falso comunismo”…
A comparação é simplesmente calhorda. O “bom comunismo” é apenas uma promessa jamais cumprida, ao passo que uma gnose sem qualquer comprometimento com a heresia existe há milênios. Nenhum historiador sério aceitou jamais a tese do sr. Fedeli, que identifica hinduismo, budismo, islamismo, judaísmo etc. como o tronco geral de onde sai a espécie de gnosticismo conhecida nos primeiros séculos da era cristã. O sr. Fedeli é que, partindo da definição geral que os historiadores dão, a manipula e a aplica indevidamente a todas essas religiões, criando um elo hipotético entre elas e a gnose-heresia. Ao apelar à autoridade desses historiadores, o sr. Fedeli nada mais faz do que falsificar o sentido do que eles dizem, como falsifica o sentido dos meus textos.
O Sr. Olavo de Carvalho citou recentemente Hans Jonas como “o mais famoso historiador da gnose”, numa breve nota na qual fala em “o rótulo de gnose (no sentido estrito de Hans Jonas)” (Olavo de Carvalho, nota a “A face oculta do mundialismo verde”, de Pascal Bernardin, in<http://www.olavodecarvalho.org/convidados/bernardin2.htm>). Logo, o Sr. Olavo aceita que Hans Jonas usa gnose no sentido estrito, sentido que é condenado pela Doutrina Católica. Veja-se então o que diz Hans Jonas: “Na verdade, houve apenas alguns grupos cujos membros se denominaram expressamente ‘gnósticos’, ‘os que conhecem’; mas já Sto. Irineu, no título de sua obra, usou o nome ‘gnose’ (com o acréscimo de ‘falsamente chamada assim’) para abranger todas as seitas que compartilhavam com eles esta ênfase [no conhecimento como meio de obter a salvação ou ele mesmo como forma de salvação] e certas outras características.
1) Quem usa o termo gnose nesse sentido – que Sto. Irineu considera falso – é o sr. Fedeli, não eu. Sinceramente: essa manipulação de significados já passou de todos os limites do tolerável.
2) Que eu reconheça ser Jonas “o mais famoso historiador da gnose” não implica que eu use os termos no sentido que ele lhes dá.
3) De novo: onde foi que defendi o “conhecimento como meio de obter a salvação”?
Se, de um lado, não sou acusado de pregar a heresia dos primeiros séculos e, de outro, nunca preguei o “conhecimento como meio de obter a salvação”, então, pergunto de novo: de que raio de coisa afinal me acusam?
Neste sentido podemos falar de escolas, seitas e cultos gnósticos, de escritos e ensinamentos gnósticos, de mitos e especulações gnósticas, e mesmo de uma religião gnóstica em geral. Seguindo o exemplo dos autores antigos que primeiro extenderam o nome [gnose] para além da autocomposição de alguns grupos, não somos obrigados a parar onde parou seu conhecimento ou interesse polêmico, e podemos tratar o termo como um conceito classificatório, que se aplica onde quer que as propriedades definidoras estejam presentes.” (Hans Jonas, The Gnostic Religion, 2nd edition, Beacon Press, Boston, 1991, p. 32, sublinhados meus).
Sim, mas uma propriedade definidora essencial – a tal “salvação pelo conhecimento” – está completamente ausente das minhas supostas “confissões”. Quantas vezes será preciso pedir a esses tenazes difamadores que provem esse ponto, que eles mesmos dizem essencial e de cuja demonstração vêm fugindo há mais de 160 páginas?
Não só os especialistas, mas também o já citado Frithjof Schuon, que faz a mesma distinção entre gnose e gnosticismo, admite que o gnosticismo pode ser chamado validamente de gnose — e da gnose que defende! — conforme cita-o o Prof. Fedeli em seu trabalho: “Se nós não ‘reduzimos’ o sentido da palavra [Gnose] a este sincretismo, nós admitimos entretanto que, de toda evidência e por razões históricas, que se chamem de ‘gnósticos’ também os hereges designados convencionalmente por esse termo” (F. Schuon, Comprendre l‘Islam, Ed. du Seuil, Paris, 1976, p. 137, nota 1; apud Orlando Fedeli, A Gnose “Tradicionalista” de René Guénon e Olavo de Carvalho, in<http://www.montfort.org.br/cadernos/guenon.html>).
Manipulação de frases, de novo. Se Schuon admite que se use o termo gnóstico também para designar a heresia dos primeiros séculos cristãos, é óbvio que ele dá ao termo, em geral, outro sentido.
Ao mesmo tempo em que agora tenta se desvencilhar de Schuon, o Sr. Olavo de Carvalho aponta a obra principal de Whittal N. Perry como probante da doutrina herética do núcleo comum das religiões, que seria a “boa gnose”. Justo este livro de Perry que o editor da revista guénoniana Symbolos, ao resenhá-lo, diz ser nada menos que “una especie de biblia schuoniana”! (Cf. Federico González, in <http://personal5.iddeo.es/jmrio/libfg26.htm>). E ainda acrescenta: “Este libro es tomado como una enciclopedia casi sagrada de sabiduría por los estudiantes schuonianos de habla inglesa. (…) Sin entrar en la vida privada de nadie diremos que el mismo M. Koslow señala a Perry como el colaborador directo de Schuon y a su esposa como íntimamente allegada a su familia, con quien todo lo comparten; por lo que deben ser considerados como sus portavoces autorizados o los asociados más íntimos del suizo; incluso viven en casas vecinas.” Aí está: Perry é porta-voz de Schuon, e o trabalho citado pelo Sr. Olavo como evidência para seu “ecumenismo radical” é nada menos que uma “bíblia schuônica”. Além disso, o próprio nome da editora do livro de Perry, Perennial Books, é significativo e mostra sua ligação com a seita “perenialista” de Schuon. Acrescente-se ainda que o mesmo Perry afirma que este seu livro foi inspirado no desejo de Ananda Coomaraswamy, amigo de Guénon, de um dia ter uma suma do pensamento gnóstico, obviamente para se contrapor à Suma Teológica, de S. Tomás, pilar da Igreja Católica.
Característica aplicação do método fedélico: mil e tantas páginas de fatos concordantes reunidos no livro de Perry são impugnadas, num estalar de dedos, por meio de fofoquinhas sobre as ligações de família do autor! Mais ainda, o menino aí se revela um bom aprendiz do fabricante de “confissões” que lhe serve de guru. No texto referido, Perry não diz nada do que Felipe Coelho o faz dizer. Ele nem fala em “suma do pensamento gnóstico” nem manifesta qualquer intenção, muito menos uma intenção “óbvia”, de “se contrapor à Suma Teológica de S. Tomás”, da qual, bem ao contrário, vários textos são incluídos na coletânea.
Finalmente, o Sr. Olavo cita dois pretensos erros do Prof. Fedeli, que supostamente trocaria o sujeito de suas frases. Vejamos. No primeiro caso, Olavo afirma: “Digo, por exemplo, que com tal ou qual argumento ele ‘cortou seu próprio pescoço’ – e ele entende que eu estou ameaçando cortar o seu pescoço”. Ora, em seu “Aviso 1” Olavo dissera: “Por enquanto, não há mal em que o sr. Fedeli vá curtindo sua ilusão de ser um novo S. Jerônimo, de ter cortado a língua a um infiel (sic). Logo ele verá que cortou mais é seu próprio pescoço”. E isso não é uma ameaça? Se eu digo a alguém: “Você, ao me acusar, assinou sua própria sentença de morte”, não o estou ameaçando? Por favor.
Nova manipulação, agora do sentido de uma figura de linguagem. O fato é que escrevo para pessoas que têm sensibilidade para as nuances de estilo, mas sempre me arrisco a ser lido por um Felipe Coelho qualquer, cuja cultura literária é a de quem escreve “entitular” em vez de “intitular” e “extenderam” em vez de “estenderam”. Duas metáforas em contraponto, sobretudo se compostas de termos que designam um mesmo tipo de objetos e reforçadas por uma alusão literária, são obviamente complementares e têm de ser compreendidas uma em função da outra. À expressão de Léon Bloy, “cortar a língua”, fazem pendant, quase na mesma linha, as minhas palavras “cortar o pescoço”. É evidente que, se a primeira dessas expressões não promete nenhum dano físico, mas apenas desprover o adversário de sua força de agressão retórica, no mesmo sentido, mutatis mutandis, deve ser interpretada a segunda. Mais enfaticamente ainda, a expressão não anuncia que eu vá cortar o pescoço do sr. Fedeli, mas que este vai cortar seu próprio pescoço, o que, no contexto, quer dizer obviamente que vai fazer um suicídio argumentativo. Que se trata de uma alusão literária é coisa que se torna mais patente ainda pelo fato de que as mesmas palavras de Bloy já foram citadas como epígrafe de meu livro O Imbecil Coletivo. Para interpretar isso como ameaça de agressão física, mediante uma comparação descabida com uma sentença imaginária, é preciso uma dose extraordinária de má-fé, aliada à ignorância presunçosa e ao fanatismo cego – ou seja, tudo aquilo que esse menino aprendeu na escolinha do sr. Fedeli.
Nesses detalhes de interpretação é que se revela melhor o tipo de olhar – malicioso, perverso e delirante – com que essa gente lê os meus escritos.
Em contrapartida (veja-se o depoimento anexo de Amilcar Nadu), como haverá o garotinho de interpretar a ameaça fedélica de me “dar um pau”, proferida oralmente e sem nenhuma alusão literária possível? Alegará que ela é “apenas um modo de dizer”, enquanto um elaborado jogo de metáforas deve ser interpretado segundo um literalismo grosso, malicioso e redutor?
E veja-se que o Sr. Olavo, em seu “Aviso 2”, diz ainda que a denúncia do Prof. Fedeli “não habilita o sr. Fedeli a receber outra resposta senão uma que o Código Penal me proíbe: um tapa na cara”. Para piorar, o segundo “erro” consegue ser ainda mais tolo, pois o Sr. Olavo afirma: “Digo que seus alunos estão assustados e perplexos – e ele entende que o estou acusando, a ele, de assustar os meus alunos”. Reparem bem que foi exatamente isso que o Sr. Olavo disse em seu “Aviso 3” (os negritos e o sublinhado são meus): “Respondi às suas acusações, de fato, não por mérito delas ou de seu autor, mas apenas em atenção a dois ou três garotos que, sendo alunos dele, também são meus, e que enquanto o forem terão o direito de obter de mim, na medida em que eu possa dá-las, as explicações necessárias a tirá-los do estado de perplexidade e confusão em que tipos como o sr. Fedeli os jogam para dominá-los.”
Novamente, distorção do sentido das minhas palavras, para produzir uma contradição que não existe. Não foi enquanto meusalunos que esses meninos puderam ser assustados pelo sr. Fedeli, e sim, obviamente, enquanto alunos dele. Aliás o próprio Felipe – o mais perplexo e assustadinho de todos, tão cioso de salvar sua alminha que por ela não hesita em jogar ao lixo as mais patentes verdades – já nem era mais meu aluno, mas, por polidez, fiz questão de tratá-lo como se ainda o fosse.
De qualquer forma, isto é uma questão de pouca importância; fundamental é que ficou provado que o Sr. Olavo de Carvalho não é Católico, nem judeu, nem muçulmano. É gnóstico.
Diante da qualidade de seus argumentos, não surpreende que o Sr. Olavo encha sua “defesa” de “adjetivos” ao Prof. Orlando Fedeli. A mim, quanto mais o Sr. Olavo de Carvalho desce o nível da discussão, mais lamento ter sido um dia seu aluno.
In Iesu et Maria,
Felipe Coelho.
12.07.2001
A mentira proferida em nome de Jesus e Maria, com fé e obstinação, é o caminho que o sr. Fedeli ensinou esse menino a trilhar.