Olavo de Carvalho
10 de julho de 2001
Prefácios a Admirável Mundo Novo e A Ilha, escritos para a reedição dessas obras pela Editora Globo, São Paulo, 2001.
1. Admirável Mundo Novo
Se houve no século XX um escritor que nunca cedeu ao cansaço e ao tédio, que conservou até o fim um apaixonado interesse pela vida e pelo conhecimento, que não cessou de se elevar a patamares cada vez mais altos de compreensão, até chegar, em seus últimos dias, às portas de uma autêntica sabedoria espiritual, esse foi Aldous Huxley.
Como artista, é cheio de imperfeições. Nenhuma de suas obras dá a medida integral da riqueza da sua personalidade ou da solidez de seus recursos intelectuais. Ao contrário, cada uma delas, se tem o brilho de um achado literário premiado por um êxito retumbante, desperta em seguida a suspeita de ter sido apenas um golpe de sorte. Por isto Huxley, amado pelo público, foi com freqüencia visto com certo desdém pelos críticos eruditos (o nosso Otto Maria Carpeaux, por exemplo). Mas a crítica erudita julga livros e não almas. O homem Aldous Huxley, visto na perspectiva integral de sua vida e de suas obras, é bem melhor do que a crítica deste ou daquele livro em particular pode revelar. Nessa escala, o público o enxergou melhor que os críticos. Poucos homens de letras souberam honrar tão bem, pela seriedade de sua luta pelo conhecimento, o amor que o público lhes devotou.
Símbolo e resumo de sua trajetória vital é a luta de décadas que ele empreendeu contra a cegueira. A doença que aos 17 anos reduziu sua visáo a aproximadamente um décimo do normal não foi para ele, como provavelmente o seria para muitos outros escritores numa era de egocentrismo e autopiedade, ocasião de especulações vãs sobre a maldade do destino. Foi a oportunidade de um mergulho nas fontes corporais e espirituais da percepção, mergulho que acabou por fazer dele o autor de reflexões epistemológicas bem mais interessantes do que muitas obras de filósofos acadêmicos sobre o assunto. Algumas dessas reflexões surgiram ao longo de sua experiência com os exercícios do Dr. Bates, um despretensioso oftalmologista norte-americano cujo sucesso na cura de Huxley veio a tornar célebre. O Dr. Bates era um inimigo dos óculos. Achava que todo olho doente tem momentos de sanidade que são estrangulados pela camisa-de-força de uma lente de grau fixo. Muito de sua técnica consistia apenas em restaurar no paciente a curiosidade visual e o amor à luz. Talvez ele nunca tenha atinado com a formidável importância filosófica de sua técnica. Mas Huxley, à medida que recuperava a visão graças aos exercícios de Bates, ia fazendo duas descobertas filosóficas fundamentais. A primeira delas estava sendo elaborada simultaneamente, sem que Huxleu o soubesse, pelo filósofo basco Xavier Zubiri, uma das mais poderosas mentes filosóficas deste e de muitos séculos. Segundo Zubiri, não existe aquela coisa kantiana de dados sensíveis brutos, caóticos, colhidos pelo corpo e sintetizados na mente segundo padrões a priori. A percepção humana é, inerentemente, percepção intelectiva ou, na fórmula zubiriana, “inteligência senciente”. Isto tapava, de um só golpe, o abismo que três século de idealismo filosófico haviam cavado entre conhecimento e realidade. “Realidade”, diz Zubiri, é o aspecto formal que o ser oferece à percepção humana. Não há uma “coisa em si” a ser apreendida para além da percepção, porque, precisamente, o que o ser oferece à nossa percepção é o seu “em si” e nada mais, ou, como diria Zubiri, aquilo que ele é “de suyo”, de seu, de próprio, de real.
Huxley, que nunca ouviu falar de Zubiri (as obras do filósofo só vieram a difundir-se no mundo a partir da década de 70, após a morte de romancista), chegou, pela experiência pessoal da luta pela visão, a conclusões similares. A “arte de ver” (The Art of Seeing, 1943) não consistia no esforço interrogativo que, segundo Kant, equiparava o buscador do conhecimento ao juiz de instrução que inquire ativamente a testemunha em vez de deixá-la falar o que quer. Bem ao contrário, consiste numa aceitação passiva e gentil daquilo que as coisas, “de suyo”, queiram nos mostrar. A redução da libido dominandi intelectual às suas justas proporções fazia do ato de ver uma devoção contemplativa ante a realidade do mundo.
A segunda descoberta filosófica de Huxley, no curso de seus exercícios ópticos, filia-o a uma tradiçao ainda mal conhecida no Ocidente de hoje, e praticamente desconhecida no mundo acadêmico do seu tempo. A natureza do mundo objetivo, nas suas experiências, revelava-se essencialmente como luz — luz no sentido físico, sustentada, porém, desde o íntimo, pela luz espiritual. A ativação desta última, no sujeito cognoscente, despertava a sua contrapartida objetiva sob a forma da luz inteligível que se revelava nas coisas vistas, simultaneamente à sua revelação pela luz física. A meditação deste ponto remonta à “filosofia iluminativa” de Shihaboddin Sohrawardi (1155-91) filósofo persa cujas descobertas só encontraram, no Ocidente, um eco acidental e longínquo em observações casuais de Robert de Grosseteste (c. 1170-1253). Huxley soube algo de Sorawardi, anos depois, pois menciona-o de passagem em algum ensaio. Mas, na época em que fazia as experiências relatadas em The Art of Seeing, já estava mergulhado, sem saber, numa atmosfera inconfundivelmene sohrawardiana.
Esses pontos já bastam para mostrar a intensidade filosófica do mundo interior de Aldous Huxley, o que o coloca num patamar intelectual bem superior ao da média dos romancistas do seu tempo.
Mas a especulação vivenciada dos mistérios da percepção levou-o a algumas interessantes experiências no campo da técnica ficcional. Em “Contraponto” (1923), ele esboça a reconstituição da unidade de uma atmosfera emocional pela justaposição de detalhes aparentemente separados. Isso poderia fazer pensar, à primeira vista, na síntese kantiana. Mas, lida com mais atenção, cada cena do romance já traz em si, como em miniatura, o tônus emocional do conjunto. Não se trata, pois, da unificação intelectual de um significado a partir de detalhes insignificantes, mas sim de uma mesma realidade vista em dois planos: de perto e de longe. Mais que “dados” atomísticos kantiano, os episódios de “Contraponto” são mônadas de Leibniz, cada uma refletindo, desde o seu ângulo próprio, a forma do conjunto.
Algo dessa técnica repete-se nas primeiras páginas do “Admirável Mundo Novo”. Flashes da produção de bebês in vitro, do doutrinamento de crianças para a cidadania padronizada, das diversões programadas como parte da disciplina civil, vão recompondo, aos poucos, a imagem global de um mundo do qual a liberdade de escolha foi excluída e onde as criaturas repousam confortavelmente na submissão hipnótica à ordem estatal perfeita. A sociedade futura aí descrita, que o autor situa no século VII d. F. (“depois de Ford”, ou às vezes “depois de Freud”) é aparentemente uma utopia, no sentido definido por Goethe: “Uma série de idéias, pensamentos, sugestões e intenções, reunidos para formar uma imagem de realidade, embora no curso ordinário das coisas dificilmente venham a se encontrar juntos.” Um universo assim construído teria uma constituição nitidamente kantiana: síntese mental de dados que, na realidade, se encontram dispersos. Mas essa não é, definitivamente, a estrutura do romance de Huxley. Nenhum dos elementos da Nova Ordem Mundial que ele nos apresenta pode ser concebido separadamente. Não se pode controlar administrativamente as emoções humanas sem a ajuda química (as pastilhas de soma), nem habituar as multidões à satisfação bovina de uma auto-hipnose permanente sem controle laboratorial de suas predisposições genéticas; nem, muito menos, fazer tudo isto ao mesmo tempo na escala limitada de um Estado nacional, sem o controle simultâneo de todo o globo terrestre. Mundialismo, controle genético, adestramento comportamental e intoxicação coletiva não são dados soltos para a mente construir com eles uma utopia: são órgãos solidários e inseparáveis de um mesmo e único sistema. Onde quer que apareça um deles, os outros o seguirão, mais cedo ou mais tarde. A lógica deste romance imita e condensa a lógica da História.
Por isso mesmo o “Admirável Mundo Novo” é menos uma utopia, uma especulação sobre um futuro possível, do que a percepção imediata do nexo interna por trás de uma pluralidade de modas e escolas de pensamento que floresciam na época em que o romance foi escrito, e que constituem a matriz unificada, não somente do mundo possível no século VII d. F., mas do mundo em que vivemos hoje. Huxley, com efeito, nada inventou. Tudo o que fez foi perceber a unidade subjacente às idéias dominantes do seu tempo, que geraram nosso modo de existir atual. A atmosfera em que vivemos foi, de fato, determinada pelas concepções de Lenin e Ford, Margareth Mead e H. G. Wells, Malinowski e Pavlov. As referências, sutis ou abertas, a estes e a muitos outros “maîtres à penser” da década de 20 abundam nas páginas deste livro, que portanto pode ser lido menos como uma utopia no sentido goetheano do que como um diagnóstico da unidade de sentido por trás de tendências de pensamento que se ignoravam umas às outras no instante mesmo em que, às cegas, concorriam para erguer as paredes de um mesmo edifício: o edifício da Nova Ordem Mundial.
O Sr. Wells, um autor menor que acabou por ser quase esquecido, é mencionado de passagem neste livro como um dos principais construtores da Nova Ordem. Passados oitenta anos, poucos observadores da realidade de hoje se dão conta de quanto ele contribuiu para formá-la, coisa que no entanto já estava óbvia para Aldous Huxley em 1931. O Sr. Wells, no livro “A Revolução Invisível” (1928), foi o primeiro a apresentar o projeto integral de uma Nova Ordem, que parece ter inspirado de algum modo os Srs. Clinton e Blair. Que feito de tão magna importância fosse obra de um autor que representa mais do que ninguém a mediocridade satisfeita do progressismo moderno, é coisa que não deve nos estranhar, pois a Nova Ordem, com seus clones, seus tribunais mundiais e seu controle da internet, não é outra coisa senão a mediocridade materializada em escala global — o mundo onde o Sr. Wells se sentiria tão à vontade quanto Bouvard e Pécuchet.
As contribuições menores não devem porém ser desprezadas. Nossas concepções atuais sobre o prazer sexual ilimitado como um direito a que o Estado deve assegurar o acesso igualitário das massas não teriam sido possíveis sem o relativismo antropológico de Margaret Mead. Se enquanto cientista ela foi tão precária quanto é minguado o talento literário do Sr. Wells, nada mais justo: somente a pseudociência e a pseudoliteratura podem gerar mundos. Sua função, como já dizia Karl Marx, não é a de compreender o real, mas a de mudá-lo. Mas as idéias não precisam ser inteiramente falsas para esse fim. Basta que sejam infladas para além de seus limites razoáveis. Pavlov, por exemplo, descreveu com acerto a psicologia dos cães. O homem não pode ser compreendido integralmente à luz da psicologia canina, mas pode ser integralmente manipulado desde a parte canina do seu ser, transformando-se em algo praticamente indiscernível de um cão, o que dará à psicologia de Pavlov, na prática, um alcance que ela jamais poderia ter em teoria. De modo análogo, todos podemos ser levados a comportar-nos como pacientes psicanalíticos, militantes proletários ou peças de uma linha de produção, dando uma espécie de “segunda realidade”, como diria Robert Musil, às ideologias de Freud, Marx e Henry Ford. Depois disso, contestar essas teorias se tornaria tão difícil quanto tentar provar o valor da vida a um suicida que, tendo saltado do décimo andar, já se encontrasse à altura do sexto ou quinto. A dificuldade que os personagens deste livro encontram para perceber a irrealidade do mundo social que as rodeia é dessa mesma índole: elas constroem essa irrealidade a cada instante, com suas próprias vidas, e se aprisionam nela no ato mesmo de tentar contestá-la em pensamento.
A unidade maciça do pesadelo descrito neste livro não é um produto da mente, construido com indícios esparsos, um vulgar “silogismo imaginativo” eisensteiniano em que, dadas duas imagens reais, o espectador contrói uma terceira, fictícia, e nela crê. É antes a visão real da unidade da atmosfera cultural dos anos vinte e trinta condensada em imagens e projetada — erroneamente — num século futuro. Erroneamente, digo eu, porque o próprio Aldous Huxley, em 1959, confessava seu erro de datas: “As profecias feitas em 1931 estão para realizar-se muito mais depressa do que eu calculava”, afirmou ele em Brave New World Revisited, uma atemorizante coletânea de ensaios sobre lavagem cerebral, persuasão química, hipnopédia, influência subliminar e outras técnicas de manipulação comportamental que, previstas para o século VII d. F., já estavam prontas para o uso na segunda metade do século XX. Passado mais meio século, porém, já transcendemos a época das descobertas técnicas e entramos, em cheio, na da sua aplicação rotineira em escala mundial. Uma boa descrição parcial desse estado de coisas encontra-se no livro de Pascal Bernardin, Machiavel Pedagoge ou le Ministère de la Réforme Psychologique (Paris, Éditions Notre-Dame des Grâces, 1998), que analisa as técnicas educacionais hoje padronizadas em todo o mundo sob os auspícios de governos e de prestigiosos organismos internacionais. As conclusões do seu exame são duas. Primeira, a educação das crianças no mundo de hoje despreza a sua formação intelectual e se dedica quase que inteiramente ao adestramento comportamental dos perfeitos cidadãozinhos da Nova Ordem Mundial. Segunda: as técnicas usadas para esse fim pouco têm a ver com o que que se denominava tradicionalmente “pedagogia”, mas se constituem essencialmente de manipulação pavloviana. Que isso ocorra simultaneamente a experimentos de clonagem humana, à formulação de uma ética padronizada para abolir todas as diferenças culturais e religiosas, à instauração de um poder médico global incumbido de receitar e vetar condutas a pretexto de higiene e saúde, à criação de tribunais mundiais para impor à toda a humanidade o direito penal de Wells, Bouvard e Pécuchet — nada disso é coincidência, nada disso é síntese mental de dados esparsos. É a unidade de um sistema de erros, cujas sementes Aldous Huxley identificou em 1931 e cujo crescimento ultrapassou, em velocidade, os seus mais sombrios diagnósticos.
No entanto, o mundo em que vivemos ainda não se parece, no seu todo, com o Admirável Mundo Novo. A diferença principal é que neste os “selvagens”, isto é, as pessoas que rejeitavam a existência antisséptica na sociedade perfeita e continuavam presas de hábitos bárbaros como ler a Bíblia, rezar e educar seus próprios filhos em vez de entregá-los ao Estado, se encontravam isoladas geograficamente, vivendo em reservas a milhares de quilômetros dos centros civilizados. No mundo de hoje, elas vivem soltas nas grandes cidades, misturadas aos seres humanos normais que só acreditam nos noticiários da TV e que entregam não só seus filhos como também seus pais à guarda do Estado. Por isto a vida moderna não tem a uniformidade tediosa das cidades de Huxley.
Mas isso não quer dizer que, no domínio da estrutura social, ao contrário do que acontece no da tecnologia, o cumprimento da profecia esteja atrasado. Nas últimas quatro décadas, a elite bem-pensante inventou meios tão eficazes de isolar psicologicamente, culturalmente e socialmente os indesejáveis, que separá-los geograficamente tornou-se uma despesa desnecessária. A presença de um crente nas altas cátedras universitárias ou nos cargos de destaque do jornalismo, por exemplo, tornou-se tão inconcebível, que todos os selvagens que poderiam ambicionar esses postos recuam espontaneamente para os bas-fonds da vida social, deixando o palco inteiramente à disposição dos bons cidadãos. A secretária de Estado Madeleine Albright foi até explícita: qualquer americano que contribuísse regularmente para uma igreja e se preparasse ativamente para o Juízo Final se tornariam um virtual candidato a ter sua vida vasculhada pelo FBI. As reservas de “selvagens” não estão nos confins da Terra como no romance. Elas estão entre nós.
Nas suas últimas décadas de vida, Aldous Huxley adotou decididamente uma escala de valores “selvagem”. Mergulhou no estudo das literaturas sapienciais e místicas, adquirindo uma antevisão daquilo que Fritjof Shuonn viria a chamar “unidade transcendente das religiões”, tão diferente do ecumenismo burocrático de hoje quanto as visões de Sta. Teresa ou Jacob Boehme diferiam da leitura de uma circular da CNBB. Com isso, tornou-se estranho e incompreensível, simultaneamente, aos materialistas da linha Wells e aos paladinos de ortodoxias exclusivistas. Aventurou-se mesmo numa tentativa — falhada — de descobrir nas drogas alucinógenas a rota de fuga para fora da percepção padronizada. Mas a experiência fracassada não foi estéril. Se não abriu para quem quer que fosse “as portas da percepção”, despertou Aldous Huxley para a temível realidade da manipulação química do comportamento, que ele denuncia corajosamente em Brave New World Revisited, e para os aspectos falazes e ilusórios da democracia, que ele caricatura impiedosamente em seu último romance, A Ilha, espécie de contrapartida dialética do Admirável Mundo Novo.
Da observação microscópica do mecanismo da percepção até a intuição global dos rumos da história humana, o olhar de Huxley jamais perdeu de vista a unidade do real e, em conseqüência, o senso da integridade humana, que tantos romancistas, seus contemporâneos, cedendo à suprema tentação, não fizeram senão dispersar numa poeira de estilhaços.
Nenhum de seus livros dá conta integral da riqueza de sua experiência do mundo. Mas em nenhum deles está ausente a tensão entre o apelo unificante do alto e as brutais forças centrífugas que tentam dissolver a unidade da consciência para mais facilmente amoldá-la à mera uniformidade exterior de um mundo forjado. Voltar a si, reconquistar perenemente o senso da verdadeira unidade e, com isto, redescobrir a luz do espírito em seus reflexos no mundo exterior — eis o sentido da vida e da literatura de Aldous Huxley. Poucos escritores, no século XX, souberam colocar a ocupação literária a serviço de finalidade tão alta e tão nobre. Por isto a obra de Aldous Huxley, malgrado seu múltiplos defeitos, sobreviverá. Ela tem o interesse permanente de tudo aquilo que se volta para “a única coisa necessária”.
26/3/01
2. A Ilha
Os críticos acusaram freqüentemente os personagens de Huxley de não ser propriamente seres humanos, mas apenas símbolos de idéias.
Contra essa censura posso levantar de imediato três objeções:
1) Mesmo que ela fosse certa, não bastaria para arrasar de vez a reputação de Huxley como ficcionista, de vez que crítica semelhante já se fez a Swift e Voltaire.
2) Ela não é propriamente uma censura, mas a definição mesma do gênero “sátira”, no qual se incluem, de algum modo (já veremos qual), as principais obras de Huxley. Não é possível satirizar os seres humanos naquilo que têm de pessoal e autêntico, mas só no que têm de exterior, de típico, de copiado e de mecânico.
3) Mas as histórias de Huxley escapam mesmo às limitações intrínsecas do gênero satírico. É verdade que Lenina Crowne ou Bernard Trotsky, em O Admirável Mundo Novo, assim como Will Farnaby, Robert MacPhail ou o embaixador Bahu, em A Ilha, não são realmente pessoas de carne e osso: são encarnações das utopias, sonhos e ilusões da intelectualidade ocidental. Mas se malgrado essa sua origem puramente intelectual seus destinos nos interessam e nos comovem como os de gente de verdade, é pelo fato de que, no século XX, o poder enormemente ampliado da mídia cultural fez com que as idéias passassem a ter uma influência formadora mais direta e decisiva sobre os corações humanos. Símbolos, frases-feitas, emoções e trejeitos mentais criados pelos intelectuais fincaram raízes tão profundas no subconsciente das pessoas, que se tornaram, em muitos casos, indiscerníveis das reações pessoais autênticas. É olhar e ver: muitas personalidades em torno de nós são realmente, literalmente, traslados de modas intelectuais. Esses tipos só são cômicos e artificiais quando vistos do exterior, e nossa reação perante eles é ambígua: não conseguimos nem compartilhar de seus sentimentos ao ponto de sofrer por eles, nem desidentificar-nos deles o bastante para torná-los definitivamente cômicos. Pois todos nós, uns mais, outros menos, macaqueamos as modas culturais, e este é um destino inescapável do homem moderno: nem possuímos mais aquele fundo comum de valores e símbolos que permitia ao camponês da Idade Média ser ele mesmo justamente porque era igual a todos, nem nos tornamos tão prodigiosamente individualizados que possamos inventar nossa própria linguagem. A única autenticidade possível ao homem moderno é um arranjo mais ou menos pessoal de modelos mais ou menos copiados.
É nessa zona indistinta entre o discurso coletivo e a emoção autêntica, entre a macaquice intelectual e a vida pessoal efetiva que Huxley colhe seus personagens. Daí sua maior originalidade como ficcionista – sua capacidade de fazer o leitor vivenciar o jogo das idéias estereotipadas como se fosse um drama humano de verdade. Por isso suas obras não podem rotular-se categoricamente como sátiras, já que participam, a um tempo, da sátira e do drama: sátira das idéias, drama dos erros e sofrimentos humanos que essas idéias geraram ao transformar-se em ações. É precisamente essa visão intermediária entre a sátira e o drama que o habilita a sondar com olhar profético o futuro que se gera no ventre das idéias. Cada um de seus romances é como aquele fantasma do poema de Heine que acordava um homem de madrugada e, de espada em punho, o ameaçava: “Eu sou a ação dos teus pensamentos.”
Muito do que Aldous Huxley escreveu é a dramatização satírica das idéias que se tornaram vida pessoal e tragédia pessoal entre os intelectuais midiáticos, aqueles seres meio cultos, meio ignorantes, que desfrutam do privilégio maior da mediocridade — falar a linguagem média — e que por isto dão o tom dos debates públicos, encarnando a personalidade das épocas. Essas criaturas são as testemunhas principais que o historiador das idéias interroga. Por exemplo, quem queira conhecer a mentalidade do século XVIII não irá sondar as profundezas abissais da ciência de Leibniz, mas deslizar sobre as superfícies brilhantes de Voltaire e Diderot. Os grandes espíritos não pertencem propriamente à sua época: uma parte do seu ser está mergulhada num passado imemorial, a outra projeta-se num futuro inalcançável, e só uma parcela ou recorte deles é visível a seus contemporâneos. Mas a mente do intelectual médio é o ponto de intersecção dos horizontes de consciência da sua época: o que aparece na sua tela interior é aquilo que todos vêem ao mesmo tempo, a coincidência de todos os recortes, a interconfirmação de todas as percepções e de todas as cegueiras. Por isto seu discurso é tão bem recebido por seus contemporâneos, e por isto é tão fácil, das suas palavras, deduzir o que “o público” pensava.
O intelectual médio é ao mesmo tempo o porta-voz e o eco das modas culturais. Mesmo quando as critica, não vai além delas, limitando-se a opor uma moda a outra moda, como aqueles que, hoje em dia, opõem ao socialismo a utopia neoliberal, ou vice-versa, sem ter a mínima idéia do parentesco que os une.
Huxley era um ouvido especialmente atento às conversações dos intelectuais médios, das quais ele não apenas captava com facilidade o “espírito da época”, mas inferia as mais espantosas e acertadas conclusões sobre o rumo que as coisas iriam tomar se aquelas idéias, em vez de esgotar-se como puras futilidades de salão, fossem levadas à prática como modelos do mundo futuro. O Admirável Mundo Novo é o mundo que teria resultado – e que de certo modo resultou – da aplicação das modas intelectuais da década de 30. A Ilha é o mundo criado pelas utopias psicoterapêuticas e orientalistas dos anos 50-60.
Aldous Huxley morreu antes de que essas idéias tomassem corpo na cultura da “New Age” e, partindo das esperanças utópicas de um novo mundo de sanidade e autoconhecimento, desembocasse na tragédia mundial das drogas, das seitas escravizadoras, das experiências psíquicas autodestrutivas. Não obstante, ele captou antecipadamente a loucura por trás de tudo isso, e é precisamente essa antevisão que dá o tema deste romance.
Publicado em 1963, este livro foi lido como uma espécie de antítese do Admirável Mundo Novo. Enquanto o romance de 1932 trazia o retrato de uma sociedade opressiva e mecanizada, da qual toda espontaneidade humana tinha sido extirpada em benefício da ordem e da produtividade, a ilha de Pala era como que a materialização dos sonhos de liberdade da geração flower power: amor livre, religiosidade sem dogmas, respeito às diferenças individuais, incentivo à expressão das emoções, tudo num ambiente ecológico de reverência pela natureza.
Sublinhava essa interpretação o fato de que a utopia fosse, no capítulo final, brutalmente destruída pelos tanques da vizinha ilha de Rendang-Lobo, encarnação de tudo o que a juventude dos anos 60 mais odiava: industrialismo, militarismo, religião tradicional, lei e ordem.
Compreendido assim, A Ilha não era senão a tradução ficcional de lugares-comuns da retórica esquerdista da época, mista de “New Age” e “New Left”. Daí o imenso sucesso do livro. Ele parecia dizer tudo o que a geração mais pretensiosa de todos os tempos queria ouvir. Mesmo a derrota da utopia, em vez de ter um efeito deprimente, parecia exaltá-la até às nuvens: Pala fôra destruída por ser boa demais para este mundo, como Che Guevara, derrotado pelo mais pífio exército sul-americano, transcendia no mesmo ato os julgamentos humanos e subia aos céus como um Ersatz comunista de Jesus Cristo.
Êxitos de livraria baseados em equívocos de interpretação não são raros na história da literatura. Na verdade, A Ilha é o mais temível inquérito sobre o auto-engano da geração que o aplaudiu. No ambiente de entusiasmo utópico da época, seria impossível que os leitores o compreendessem. Isso teria exigido deles um realismo cruel, que mesmo à distância de quatro décadas ainda parece difícil de suportar, tão contaminados das ilusões e mentiras dos anos 60 permanecemos hoje. Daí que, deslizando sobre a superfície da narrativa, quase todos os leitores deixassem escapar os detalhes mais importantes, nos quais se esconde o sentido mesmo da última lição de um sábio.
Em primeiro lugar, a destruição de Pala não vem do exterior. É o próprio príncipe herdeiro, Murugan, quem atrai os estrangeiros para ajudá-lo no golpe militar destinado a romper o equilíbrio do paraíso agrícola e colocar o país, pela força, na modernidade industrial. Os ideais da “geração Woodstock”, com efeito, apenas usavam a linguagem do primitivismo agrícola como veículos de expressão de seu ódio à sociedade industrial, mas essa revolta era, ela própria, um fenômeno da intelectualidade urbana e universitária, e supunha uma dose de liberdade de expressão e meios de comunicação que seriam inconcebíveis em qualquer sociedade agrícola. Quando Murugan acusa os governantes de Pala de “conservadores e reacionários”, ele põe o dedo na ferida: os ideais que produziram Pala jamais poderiam ter surgido numa economia como a de Pala. A utopia não é destruída do exterior, mas explodida desde dentro, pela sua autocontradição congênita.
Em segundo lugar, os golpistas, tão parecidos com os militares do Terceiro Mundo nos seus métodos de modernização autoritária, nada têm de conservadores e tradicionalistas na sua ideologia. Murugan, bisneto do Velho Rajá, o fundador de Pala e autor do livro sapiencial em que se inspira o regime da ilha, acaba se voltando contra as tradições locais por influência de sua mãe, a rani Fátima, a qual durante sua formação cultural na Europa recebera a influência dos ensinamentos teosóficos de Helena Blavatsky, tornando-se devota dos “Mestres do Astral”, especialmente um tal Koot-Hoomi — figura inconfundivelmente diabólica segundo todos os cânones da religião tradicional — , em cima de cujas concepções se forma a aliança entre a família real de Pala e os militares de Rendang-Lobo. Ora, teosofismo e mensagens de Koot-Hoomi são elementos inconfundíveis da própria ideologia “New Age”. Embora já um tanto velhos na época, foram reaproveitados na onda geral de orientalismo pop com que o movimento dos jovens atacava e corroía as bases cristãs da sociedade Ocidental.
Os militares de Rendang-Lobo também não são, de maneira alguma, “a direita”. Estão ansiosos para fazer negócios com a Standard Oil só para poder comprar armas do bloco soviético e dar prosseguimento ao seu sonho macabro de “revolução permanente”. Seu chefe, o Cel. Dipa, é uma espécie de Chavez avant la lettre. Seu modernismo revolucionário representa a outra face da ideologia “jovem” dos anos 60: o lado brutal e sanguinário personificado pelos Black Panthers, por Ho-Chi-Minh e Fidel Castro. Pala não é destruída por seus inimigos, mas pela contradição interna da mais mentirosa ideologia de todos os tempos, a ideologia da esquerda norte-americana dos anos 60, que pretendia encarnar o espírito de “paz e amor” ao mesmo tempo que espalhava no mundo “um, dois, três, muitos Vietnãs”.
Ainda mais significativo é que a origem das concepções utópicas do regime de Pala remontasse à fusão de vagos remanescentes do budismo tântrico com as idéias de evolucionismo biológico trazidas, no século passado, por um médico escocês, meio sábio, meio charlatão, que adquirira prestígio na ilha curando uma misteriosa doença de seu governante por meio do “magnetismo animal”. Essa mistura de budismo heterodoxo, evolucionismo e magnetismo compõe a fórmula inconfundível do teosofismo de Madame Blavatsky. Assim, a raiz do utopismo anárquico de Pala e do modernismo autoritário de seu príncipe golpista é, rigorosamente, a mesma.
Para tornar as coisas ainda mais estranhas, o teosofismo de Blavatsky foi, notoriamente, um instrumento usado pelo imperialismo inglês para corroer as tradições religiosas autênticas das nações orientais e torná-las mais vulneráveis à dominação cultural estrangeira por meio de um entorpecente pseudo-espiritual fabricado em Londres por uma vigarista russa. [1]
Pelo lado da ideologia palanesa, portanto, o lixo ancestral não é menos fedorento que o teosofismo explícito de Rendang-Lobo. Já no segundo capítulo do livro, o náufrago Will Farnaby, traumatizado pelo perigo recente, é curado de seus males pelo método freudiano da ab-reação no curso de uma psicoterapia improvisada… por uma garota de nove anos. Mary Sarojini MacPhail, a garota, neta do atual guru médico da ilha, resume na sua pessoinha os princípios de educação e ética ali vigentes: são os princípios do sincerismo, do “botar para fora”, que os “grupos de encontro” e as técnicas psicoterápicas de “sensibilização” e “liberação” disseminaram no mundo a partir de Esalen, Califórnia, e que marcaram inconfundivelmente a atmosfera dos anos 60. O festival de experimentos psíquicos e “liberações” desembocou no império mundial dos traficantes de drogas e na transformação da delinqüência juvenil (e infantil) numa catástrofe global de proporções incontroláveis. Na época, porém, prometia um novo mundo de espontaneidade e sanidade. Todas as crianças de Pala são versadas em “auto-expressão”, aquela confissão simplória e cínica dos próprios maus sentimentos que, teoricamente, os tornaria inofensivos. O fato é que a “auto-expressão”, ensinada em grupos-de-encontro por psiquiatras e psicoterapeutas “libertadores” nos conventos católicos, suscitou entre as monjas uma epidemia de lesbianismo e de casos amorosos com seus terapeutas, levando praticamente à destruição de várias ordens religiosas. De braços dados com o pseudo-orientalismo, a “libertação” psicoterápica abriu caminho para que milhões de jovens abandonassem o cristianismo e se entregassem às mais tirânicas manipulações psíquicas nas mãos de seitas delinqüenciais como “Love Family”, que, em nome da expressão espontânea das emoções, obrigava crianças de quatro anos de idade a submeter-se, junto com seus pais, à prática de sexo grupal. A imensidão dos danos psicológicos trazidos a essa geração jamais poderá ser medida exatamente. As tristezas e as vergonhas acumuladas são demasiado profundas para vir à tona. Documentos aterrorizantes acumulam-se, em pilhas, nos milhares de clínicas especializadas em tratamentos de egressos de seitas, sobretudo ao longo da Costa Oeste americana — o lugar onde nasceria, segundo a promessa da época, a nova civilização de sanidade, paz e amor. [2]
Os efeitos terrificantes, porém, não nasceram do mero acaso. Fruto e raiz têm sua continuidade lógica. Os “grupos-de-encontro” nasceram da pesquisa militar sobre guerra psicológica e controle comportamental. Um de seus pioneiros, Kurt Lewin, já na década de 40 havia chegado à conclusão de que a pressão sutil e disfarçada do grupo era o meio mais efetivo de produzir mudanças de comportamento. A lição foi bem aprendida por Carl Rogers, Fritz Perls, Abraham Maslow e outros criadores dos “grupos-de-encontro” da década de 60. A “liberação”, em suma, não passava de “engenharia do consentimento”. Lewin e seus sucessores haviam descoberto um tipo de controle comportamental infinitamente mais eficiente e irresistível do que todas as técnicas descritas no Admirável Mundo Novo. Como admitiu um dos praticantes do método, Robert Blake, ex-aluno de Lewin no Tavistock Institute de Londres (a principal academia inglesa de guerra psicológica), “não importa quanto o orientador desses grupos tente ser não-diretivo, ele será ainda sutilmente ditatorial e até mais ditatorial (por causa da sua sutileza) do que o mais rígido adestrador, porque todo o controle está escondido”. [3] Por uma coincidência que neste contexto adquire as dimensões de um símbolo, Blake dirigiu um desses grupos justamente na Standard Oil – a empresa com a qual o príncipe herdeiro Murugan está louco para fazer negócios.
Após presenciar uma sessão de “educação para o amor” das crianças de Pala, Will Farnaby, o visitante trazido pelo naufrágio, protesta: “Isto é puro Pavlov!”. O instrutor, com aquele ar beatífico de tantos lavadores de cérebros da década de 60, responde: “Pavlov usado exclusivamente com bom propósito. Pavlov para a amizade, para a confiança, para a compaixão.”
Tanto pelas suas origens blavatskianas quanto pelos métodos de dirigismo sutil, a ideologia palanesa é irmã gêmea do autoritarismo de Rendang-Lobo. A Ilha não é a tragédia de um paraíso de liberdade destruído pela invasão de militares malvados: é a tragédia da autodestruição de uma utopia intrinsecamente má e mentirosa envolta em belas palavras.
No momento culminante da narrativa, Will Farnaby, finalmente rendido aos encantos da “religião sem dogmas” dos palaneses, resolve experimentar a moksha, a erva alucinógena ritual que, em vez de precipitar somente o consumidor num estado de apatetado bem-estar como o soma do Admirável Mundo Novo, lhe abriria as portas do conhecimento transcendental. Nos primeiros instantes, Will “vê a luz”, ou pelo menos pensa que vê. Mergulha num estado de beatitude indescritível e supõe ter conhecido o próprio Deus. De repente, a visão se transfigura. Abrem-se as portas do inferno: vermes horrendos aparecem misturados à figura de Adolf Hitler que gesticula e berra. A visão de Will mostra a verdadeira natureza da religião palanesa: uma religião de “experiências psíquicas”, incapaz de transcender a dualidade cósmica e elevar-se ao reino da eternidade. É a religião dos “grupos-de-encontro”, o substitutivo postiço que uma estratégia política oportunista quis substituir ao cristianismo. Tão logo Will emerge do transe, ele ouve os primeiros tiros do exército invasor: é a mentira essencial de Pala que se desfaz ao mesmo tempo que a falsa visão espiritual.
Poucos livros foram tão fundo na compreensão do auto-engano congênito da cultura contemporânea. Perto da pedagogia palanesa da ilusão, as técnicas de controle social do Admirável Mundo Novo parecem ingênuas e rudimentares, assim como perto da engenharia comportamental dos anos 60 o totalitarismo explícito da década de 30 parece coisa de orangotangos. O diagnóstico impiedoso do neototalitarismo mental dos anos 60 não pôde ser compreendido por seus contemporâneos. Eles estavam embriagados na mentira nascente, e a antevisão de Huxley passou léguas acima de suas cabeças. Mas, hoje, vivemos no mundo criado por aqueles malditos “jovens idealistas” dos anos 60. As técnicas de controle social e engenharia do consentimento já não são experiências limitadas, efetuadas na privacidade de grupos-de-encontro: são o dia a dia das escolas públicas, onde nossos filhos se encontram à mercê daquilo que Pascal Bernardin chamou “ministério da reforma psicológica”. [4] Tal como Mary Sarojini MacPhail, cada criança, submetida à pressão sutil do grupo, aí adota alegremente as condutas desejadas, sem ter a mínima idéia de possíveis alternativas. Nos EUA, os resultados da adoção maciça dessas técnicas no ensino já são patentes: os índices assustadores de consumo de drogas e a criminalidade infantil nas escolas públicas levam muitos pais a preferir educar seus filhos em casa, enquanto a Prefeitura de Nova York, admitindo-se incapaz de controlar a violência das crianças, privatiza suas escolas como quem entrega um fardo superior às suas forças. No Brasil, esse processo ainda está no começo, mas basta ler os “Parâmetros Curriculares Nacionais” do Ministério da Educação para perceber que a engenharia de comportamento aí predomina amplamente sobre a formação intelectual e a instrução moral honesta. O espírito dos “grupos de encontro” dos anos 60 tomou conta da pedagogia universal, firmemente decidido a “libertar” as crianças do legado da civilização cristã. Quando a “libertação” mostrar sua outra face, quando Pala revelar sua identidade com Rendang-Lobo, haverá choro e ranger de dentes. Mas, como aconteceu com a geração de 60, nenhum dos autores da tragédia reconhecerá suas culpas: cada um deles se proclamará um idealista traído pelos rumos imprevisíveis da História e, revigorado pelo sentimento de inocência, tirará da cartola um novo projeto de “mundo melhor”.
Aldous Huxley escreveu este livro para nos advertir da culpa monstruosa que se oculta por trás da inocência dos idealistas.
22/4/01
[1] V. Peter Washington, O Babuíno de Madame Blavatski, trad. Antônio Machado, Rio, Record, 2000, assim como René Guénon, Le Théosophisme. Histoire d’une Pseudo-Réligion, Paris, Éditions Traditionnelles, 1929 (reed. 1978).
[2] Um documentário impressionante da devastação psíquica resultante dos experimentos psíquicos da década de 60 encontra-se em Flo Conway e Jim Siegelman, Snapping. America’s Epidemic of Sudden Personality Changes. New York, Lippincott, 1980.
[3] Cit. em E. Michael Jones, Libido Dominandi: Sexual Liberation and Political Control, South Bend, St. Augustine’s Press, 1999.
[4] V. Pascal Bernardin, Machiavel Pédagogue ou le Ministère de la Réforme Psychologique, Paris, Éditions Notre-Dame des Grâces, 1995.