Olavo de Carvalho
20 de março de 2000
Rascunho para uma conferência
Convidado a participar do Seminário Internacional “Novo Mundo nos Trópicos”, realizado no Recife de 21 a 24 de março de 2000 em homenagem ao centenário de nascimento de Gilberto Freyre, comecei a tomar umas notas que, prolongando-se muito além do que poderia caber nos 20 minutos ali reservados a cada expositor, acabaram sendo abandonadas e cedendo lugar a comunicação completamente diversa, reproduzida em outro lugar desta homepage. Como essas notas, no entanto, não fossem totalmente destituídas de interesse, julguei que seria útil colocá-las também à disposição dos visitantes. — O. de C.
Certas condutas típicas de um povo são tão repetitivas que acabam por receber um nome e uma explicação padronizados. Conduta, nome e explicação formam assim a unidade de uma auto-imagem que, ao tornar-se um lugar-comum, um topos, reforça os três ao mesmo tempo: a conduta é agora um ato consciente, a reincidência voluntária num modo de agir que tem nome e se conhece a si mesmo. Independentemente de receberem uma valoração positiva ou negativa, o understatement inglês, a meticulosidade germânica, o teatralismo italiano, a ranhetice francesa, o praticismo americano, o sentimentalismo russo, a modéstia japonesa, a melancolia judaica são reconhecidos num relance, tanto pelo observador quanto pelo agente mesmo, de modo que o primeiro saiba o que fazer e o segundo compreenda o que está acontecendo: o esquema de conduta é ao mesmo tempo um padrão de reconhecimento. A cultura superior, seja sob a forma de expressão literária ou de ciência social, dá a essa síntese a consagração que faz dela um emblema nacional. Aí todo mundo sente que sabe o que está fazendo, sabe do que está falando e sabe, em suma, onde está. Os lugares-comuns servem exatamente para isso e se chamam lugares precisamente por isso. Eles constituem, na selva da linguagem, as clareiras onde as pessoas se reúnem e conversam, pois con/versar não é outra coisa senão versar sobre as mesmas coisas, e des/conversa é quando um sujeito, fingindo falar da mesma coisa, fala de outra, frustrando a comunicação. Sua conduta, aí, já não pode ser explicada pelo padrão convencional: requer a investigação de motivações pessoais ocultas: ele parece estar na clareira mas já fugiu para o meio do mato. Quando a transparência da conversa é nublada pela obscuridade da desconversa, a tranquilidade cede lugar a conjeturas inquietantes. O elo da solidariedade social foi rompido, há alguém conspirando na sombra. Basta esta observação para notarmos até que ponto esses lugares-comuns, essas sínteses autoconscientes de conduta, nome e interpretação, constituem a base da convivência humana.
No Brasil, porém, tem acontecido um fenômeno muito peculiar, que assinala a anormalidade e a ineficácia da nossa conversação nacional.
Algumas de nossas condutas mais típicas e repetíveis têm uma conotação declaradamente negativa, de modo que se torna mais fácil acusá-las nos outros do que reconhecê-las em nós mesmos. Quando dizemos que nosso povo é leviano, fútil, inconseqüente, irresponsável, só podemos usar essas expressões para explicar a conduta alheia, não a nossa, pois confessar-se leviano ou fútil não é explicar a própria conduta e sim problematizá-la. Quando digo que fulano ou beltrano é fútil e irresponsável, cheguei a uma conclusão e, de certo modo, livro-me do sujeito. Se digo que eu próprio sou essas coisas, não posso me livrar de mim mesmo e dar o caso por encerrado. Tenho de fazer alguma coisa: corrigir-me, encontrar alguma justificativa que me tranquilize ou, no mínimo, tentar persuadir-me, se puder, de que o melhor é relax and enjoy. Não cheguei portanto a uma conclusão, mas ao começo de um problema.
Por isto, quando com ou sem justiça usamos essas expressões pejorativas para explicar as condutas de nossos conterrâneos, rompemos a unidade dos lugares-comuns: criamos situações nas quais só podemos sentir que sabemos o que está acontecendo se ao mesmo tempo supomos que aquele de quem falamos não sabe o que está fazendo. Ou então devemos admitir que é um cínico, decidido a relax and enjoy às nossas custas.
Mas, ao mesmo tempo, essas expressões constituem efetivamente lugares-comuns, pois, sempre que usadas, são de inteligibilidade imediata para quem ouve. Só que têm esta peculiaridade: servem apenas para que as pessoas se comuniquem sobre os ausentes, não sobre os presentes. Uma assembléia na qual todos admitissem em voz alta que são levianos ou trapaceiros se dissolveria imediatamente numa anarquia geral, numa troca de socos ou numa efusão de arrependimento coletivo.
Esses lugares-comuns têm portanto a característica peculiar de que só podem reunir uma parte da coletividade à custa de excluir outra. Nós, os responsáveis, conversamos sobre os levianos. Nós, os sinceros e honestos, conversamos sobre os fingidos e cínicos. Se eles entrassem na sala, mudaríamos de assunto na hora ou teríamos de armar uma cena deprimente.
Para facilitar, chamarei a esse tipo de expressões lugares-comuns ambíguos, porque são como a “árvore de dourados pomos” do soneto célebre, que “só está onde nós a pomos e nunca a pomos onde nós estamos”. Ao contrário dos lugares-comuns “normais”, que servem ao mesmo tempo para o reconhecimento mútuo e para o auto-reconhecimento, esses só servem à primeira finalidade se excluem a segunda. Só permitem que saibamos do que estamos falando se, decididamente, não estamos falando de nós mesmos. Só criam uma ponte de comunicação entre o falante e o ouvinte na medida em que erguem um muro entre consciência e autoconsciência. Só lançam uma luz sobre o objeto da conversa quando projetam uma sombra sobre o sujeito que fala. Não são instrumentos para a intercomunicação, mas para a comunicação apenas. São instrumentos para um homem falar sem ser falado. São instrumentos para falar mal.
Ora, em qualquer sociedade é sempre normal, necessário e não raro justo falar mal de alguém.
O que não é normal nem provavelmente justo é que o vocabulário com que conversamos sobre nosso próprio povo se constitua predominantemente de instrumentos para falar mal. Pois aí esse povo nunca pode tomar consciência de si como um todo. Cada cidadão ou grupo só pode falar “do povo” quando se exclui dele. Ninguém pode reconhecer o todo na parte, o coletivo no individual, o genérico no íntimo. A unidade analógica de macrocosmo e microcosmo está rompida. E como essa unidade é, na mente humana, o padrão mesmo do nexo entre autoconsciência e cosmovisão, o resultado é que cada um só pode sentir que conhece a sociedade onde está se, no mesmo instante, se desconhece a si mesmo. E, se é verdade que aquele que se desconhece a si mesmo perde a autoridade para julgar o próximo, um vocabulário no qual cada um só pode julgar o próximo desconhecendo-se a si mesmo é o vocabulário da inconsciência geral que se traduz em geral intercondenação.
Tal é, no momento, o vocabulário da conversação brasileira. Basta ler os jornais, ouvir os noticiários de TV ou conversar com os vizinhos para ouvir diariamente os termos “impunidade”, “corrupção”, “falta de ética”, “sem-vergonhice” usados como descrições apropriadas dos caracteres mais salientes da sociedade brasileira, ao mesmo tempo que, sob a pressão das classes falantes e de campanhas internacionais, se torna elegante e obrigatório negar ou desmoralizar como mentiras ideológicas as mais óbvias qualidades humanas dessa sociedade, como a boa convivência entre as raças, a cordialidade, a tolerância religiosa, o caráter ordeiro e pacífico, etc.
Ora, se a maior parte das palavras de que disponho para falar sobre o meu povo designa coisas francamente ruins, não tenho mais um vocabulário que me permita falar dele e de mim ao mesmo tempo. Se falo dele, não falo de mim; se falo de mim, não tenho meios de me compreender como caso particular de uma regra geral. Mas apreender o geral no particular e o particular no geral é simplesmente a operação essencial da inteligência humana. Bloquear essa intelecção a pretexto de sanear o panorama político é destruir a alma de uma nação pelo prazer de castigar alguns de seus filhos piores. É atear fogo ao tribunal para punir os réus.
Arrebatada numa torrente de maledicência, nossa opinião pública se vangloria de estar subindo na escala da “consciência crítica” no instante mesmo em que solapa as bases de qualquer consciência possível.
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Um exemplo de lugar-comum ambíguo consagrado não só na mídia como numa enxurrada de trabalhos acadêmicos é o famoso “autoritarismo” da sociedade brasileira. Com isto, não se pretende dizer que o povo brasileiro seja mandão, mas, precisamente ao contrário, que é um povo que tem dificuldade de tomar suas próprias decisões e de agir sem o beneplácito de uma autoridade. O número dos indivíduos autoritários seria na verdade bem pequeno. Eles constituem uma elite que faz e acontece, enquanto a maioria só é autoritária às avessas, isto é, na sua necessidade de obedecer. O padrão autoritário da elite, admite-se no entanto, se repete em escala menor entre o povinho, quando por exemplo um guarda de trânsito ou um caixa de banco age com autoridade ministerial ou mesmo legislativa, improvisando normas que se sobrepoem à lei escrita e impondo-as, sem contestação, ao cidadão atônito que, desconhecendo as leis, tem de admitir como lei a autoridade de ocasião.
Esse fenômeno já foi descrito milhares de vezes na literatura e na ciência social. Ele constitui um topos, mas um topos é uma síntese de conduta, nome e interpretação. A conduta pode surgir espontaneamente dentro da prática diária, mas o nome e a interpretação são criações da classe letrada, da reflexão dos intelectuais. Esse nome e essa interpretação, por sua vez, refluem sobre a conduta, modelando-a, canalizando-a e delimitando as possibilidades de corrigi-la, reforçá-la ou modificá-la quando isto entrar em linha de consideração.
Nesse topos em particular, a primeira coisa que me surpreende é o nome, que subentende uma interpretação rebuscada e indireta. Autoritarismo é mandar. A compulsão de obedecer denomina-se subserviência. Quando um sociólogo denomina “autoritarismo” à conduta do brasileiro que não age sem as bênçãos da autoridade, ele não está nomeando a conduta, mas algo que supõe ser a causa dela. A denominação, aí, subentende que o brasileiro não é subserviente porque é, mas porque o obrigam a ser. E quem o obriga é a elite autoritária. Pode ser até que as coisas sejam realmente assim, mas saber se são ou não são depende de exame, e para quê haveremos de examinar as causas profundas de um fenômeno se o seu próprio nome já nos fornece uma explicação? Para percebermos o quanto esse procedimento denominativo é esquisito e anormal, imaginem como ficaria, por exemplo, o sentimentalismo russo se em vez de ser designado por um nome descritivo já fosse desde logo nomeado pela designação de suas supostas causas. Teríamos de saber o que foi que mexeu com os sentimentos russos e os tornou assim. Eles já não seriam um povo sentimental, mas um povo submetido a situações comoventes. Mas como qualquer um, submetido a situações comoventes, se inclina a tornar-se sentimental, estaríamos com isso dizendo que o povo russo não é mais nem menos sentimental do que qualquer outro, mas apenas que alguém o comoveu. Com isso, a especificidade da sua conduta estaria dissolvida numa conjeturação de causas, e aí não distinguiríamos mais um russo de um japonês.
Esse modo de denominar as coisas é muito rebuscado e esquisito, mesmo porque se a conduta é um dado de experiência acessível a qualquer observador, a conjeturação das causas é um problema científico sujeito a controvérsias sem fim. Denominar à subserviência brasileira “autoritarismo” reflete menos o dado imediato observável do que uma seletividade ou um viés na mente do observador que lhe dá nome. Ora, este observador consiste precisamente nas classes letradas e, dentro delas, especificamente dos cientistas sociais. A denominação escolhida não nos garante a veracidade da causa apontada, mas nos garante que a classe que lhe deu nome tende a enxergar o fenômeno desde um ponto de vista especial, ignorando os demais pontos de vista possíveis. A subserviência brasileira pode ser ou não ser o reflexo de um autoritarismo, mas as classes letradas estão preocupadas acima de tudo com o problema da autoridade e enxergam tudo através dele.
Levadas e de certo modo hipnotizadas pela denominação introjetada sobre o fenômeno, suas investigações estão assim fadadas a tomar sempre a mesma direção: sublinhar cada vez mais o autoritarismo das classes dominantes, excluindo a priori outras causas talvez mais determinantes.
Como, por outro lado, a classe acadêmica e universitária está impregnada de uma mitologia progressista na qual a história caminha para a liberdade crescente, e como não desiste de crer nisso nem mesmo diante do fato brutal do totalitarismo moderno, então é fatal que tudo aquilo que lhe cheire a autoridade coatora deva lhe parecer um resíduo de um passado autoritário, condenado a dissipar-se ao longo da evolução democrática. Deste modo, a subserviência de um cidadão ao guardinha é explicada como “resíduo da mentalidade colonial”, como eco do temor do escravo ante o chicote do sinhozinho, mesmo quando o guardinha é negro e o cidadão que se encolhe é um descendente de altivos poloneses. O ridículo imensurável desta explicação é obscurecido pela sua comodidade e pelo fato de ser repetida em livros assinados por autoridades acadêmicas diante das quais os estudantes se encolhem como o cidadão ante o guardinha.
Se perguntamos por que a classe acadêmica tende a repetir essa pseudo-explicação ao ponto de fazer dela um cacoete, a resposta deve ser procurada na constituição mesma desta classe. Composta essencialmente de jovens de classe média e alta militantes de movimentos políticos de esquerda, repetidamente frustrados em suas ambições pelo governo Vargas e depois pelo regime militar, a classe dos estudantes de ciências sociais comporta um número imenso de pessoas que se dedicaram ao estudo teórico da sociedade e da política por terem sido privadas dos meios de ação. A ciência social é aí um sucedâneo e um complemento da militância, e a situação existencial dessas pessoas se define essencialmente por seu confronto com a autoridade e pela frustração de seu desejo de mandar. Quem se sente sufocado por uma autoridade são os estudantes de ciências sociais, não o povo brasileiro em geral sobre o qual eles projetam ingenuamente sua auto-interpretação.
Mas, para impugnar uma teoria, não basta desmascará-la como projeção ideológica de interesses e preconceitos de classe, porque às vezes as ideologias também dizem a verdade. É preciso mostrar os fatos que essa teoria esconde e que, se levados em consideração, exigiriam substituí-la por uma teoria melhor.
Os fatos que a teoria do “resíduo colonial autoritário” omite são de duas ordens: (1) um autoritarismo, mesmo real, não produz por si a subserviência, mas pode produzir exatamente o contrário: a rebelião e o espírito de independência; (2) uma coisa notável nas origens da sociedade brasileira é a ausência completa de um corpo de normas e valores concensuais legitimados pela religião e entretecidos na vida cotidiana, servindo de padrões de julgamento eficientes e automatizados, seja nas situações da vida pública, seja da vida privada. Encontramos esse sistema de normas vigente com toda a força das certezas inabaláveis, já desde os primeiros passos da república norte-americana. A ideologia da independência e dos Fouding Fathers, com uma imensa retaguarda ética e religiosa, é para os americanos um ponto de referência inabalável nas discussões públicas e nos julgamentos das controvérsias privadas. Não apenas esse conjunto constituiu desde o início uma idelologia coerente e explícita, mas nela se expressavam tanto os anseios da nação quanto os sonhos e ambições dos cidadãos particulares. Tão forte foi aí a solidariedade do micro e do macro que os pais fundadores e seus sucessores no governo da república americana puderam ser cultuados, sem falsificações notáveis, como modelos das qualidades humanas que os cidadãos aspiravam realizar.
Nada disso existiu nem existe no Brasil. Desde o início, nossa independência se destaca pela sua absoluta falta de cosmovisão própria, obrigada a costurar às pressas pedaços de discursos franceses e americanos absolutamente deslocados da situação social real e com freqüência incoerentes entre si. Os valores afirmados em público serviam só para ser afirmados em público ou, pior ainda, para criar um arremedo de justificação ante os observadores estrangeiros. Nunca foram convicções profundas que pudessem orientar a construção de uma nova sociedade e muito menos penetrar nas almas dos cidadãos e tornar-se a expressão de seus sonhos íntimos. Os próprios governantes, a um tempo, maçons e fiéis de uma igreja que excomungava a maçonaria, não podiam sequer sonhar em ter um corpo de valores coerente, mas tiveram de exercitar desde o início a duplicidade entre palavra e ação, a duplicidade de motivos que reduz toda a moral pública a um conjunto de pretextos nos quais no fundo ninguém acredita.
Ora, onde as normas são um amálgama confuso de pretextos, ninguém pode acreditar nelas, e aquilo em que não acreitamos não pode ser um guia para orientar nossas ações. Desde o início da nossa vida independente, cada brasileiro vive desprovido de critérios de julgamento, perdido entre nuvens e sombras, tateante e incerto, sem jamais saber se o que faz é certo ou errado, se pode revelar suas motivações íntimas em público ou se deve ocultá-las para não ser ridicularizado. É simplesmente impossível atribuir à mera coincidência o fato de que todos os personagens do escritor mais representativo do Brasil-Império, todos, sem exceção, sejam criaturas de fumaça, vacilantes entre a mentira proposital e o auto-engano inconsciente. Mesmo o melhor deles, o conselheiro Aires, só encontra a unidade da sua alma na contemplação esteticista de um cético melancólico que, incapaz de agir, observa o mundo com uma certa pena que não chega sequer a ser uma decidida piedade cristã.
Ora, a falta de convicções profundas, a ausência da fé normativa só deixa à alma individual duas alternativas: perder-se na hesitação e na incerteza covarde ou, ao contrário, afirmar a vontade própria num ato de arbitrariedade que passe por cima de todas as considerações morais. Daí a divisão dos brasileiros entre o cidadão encolhido e o guardinha autoritário. Na ausência de normas, cada um faz o que pode; tudo depende do acaso que acabará dando sempre a vitória aos mais impudentes e brutais.
O próprio autoritarismo surge daí: é a afirmação da vontade de poder que não reconhece nenhuma autoridade acima de si e, na indeterminação geral, vence ao afirmar suas próprias determinações livremente criadas. Também não pode ser pura coincidência que o nosso mais durável ditador, e ao mesmo tempo um dos nossos mais eficientes governantes, tenha tido como leitura de cabeceira e inspiração constante de suas ações as obras de Nietzsche. No ambiente de incerteza e vacilação geral, fala mais alto a voz do Super-Homem que improvisa suas próprias normas. A famosa “lei de Gerson”, que é senão o reconhecimento de que a única norma vigente é aquela que legitima a vitória do mais descarado?
Em sua permanente revolta contra qualquer resíduo de autoridade ou de moral religiosa, a classe letrada confunde o seu próprio interesse de luta edípica com as necessidades da nação brasileira e, ajudando a destruir o pouco de sentimento moral que resta na família brasileira, promovem aquele mesmo ambiente de incerteza e hipocrisia no qual cada cidadão não tem alternativa senão ceder ante a arbitrariedade do mais brutal ou aprender ele próprio a arte da brutalidade.
As classes letradas e mais especificamente os cientistas sociais no Brasil estão em completo divórcio com a realidade da vida e não conseguem, com seu linguajar onde o pedantismo imita a ciência, senão expressar a imensa distância que existe entre o foco da sua atenção e o alegado objeto de seus estudos.