Olavo de Carvalho

Época, 14 de abril de 2001

Agora ela é científica e meticulosa

Comparar a censura dos tempos do governo militar com o sistema gramsciano de controle das informações que a esquerda instalou no Brasil é comparar a gerência de um armazém de bairro com a administração científica de uma multinacional.

A censura militar, desde logo, se apresentava ostensivamente como tal e não fazia o mínimo esforço para ocultar sua presença. Todo mundo sabia que estrofes de Os Lusíadas e receitas de bolos assinalavam fatos suprimidos. Se um jornal, para não se prejudicar comercialmente, maquiava as lacunas com notícias inócuas, fazia-o porque queria. Ninguém o obrigava a isso. A censura reconhecia-se como fenômeno anormal e provisório, sem a menor ambição de manipular as consciências a longo prazo.

Em segundo lugar, seu alcance, ao menos de início, era antes policial-militar do que político. Havia a guerrilha urbana, com seqüestros e atentados por toda parte, e a ordem era impedir que a mídia se tornasse instrumento de propaganda dos guerrilheiros. Hoje sabemos que eles eram poucos e mal armados, mas na época não era essa a impressão que eles próprios disseminavam: se procuravam aterrorizar o governo para induzi-lo a sentir-se acuado por uma guerra civil, era sabendo que a reação de qualquer governo nessas circunstâncias seria implantar um estado de exceção, incluindo o controle das informações. Seu cálculo, como de praxe na estratégia comunista, foi duplo: se o governo não reagisse, arriscava-se a ser derrotado militarmente; se reagisse, poderia depois ser desmoralizado por décadas de gritaria contra a censura. A imensa produção historiográfico-lacrimal de acadêmicos esquerdistas que até hoje impõe à consciência nacional uma visão falseada daquele período já estava nos planos desde então: ela é o aproveitamento político da derrota militar, a continuação da guerrilha por outros meios.

É verdade que mais tarde os cortes se ampliaram, suprimindo notícias políticas sem ligação com a guerrilha. Mas, pelo seu próprio caráter aleatório e despropositado, muitos desses cortes eram o contrário de uma operação planejada: era a loucura geral disseminada entre funcionários ineptos e apavorados que, sem instruções precisas, buscavam desesperadamente mostrar serviço. Em terceiro lugar, a censura agiu exclusivamente sobre a mídia popular, sem interferir na circulação de livros (só uns poucos foram proibidos, porque ensinavam a técnica da guerrilha urbana) e de publicações acadêmicas. Por isso, a época hoje apresentada como a de mais rígido controle estatal do pensamento foi a de maior florescimento editorial esquerdista em toda a nossa História – muitas vezes com ajuda financeira do próprio governo – e a da consolidação da hegemonia esquerdista nos meios culturais e acadêmicos.

Objetivo limitado, renúncia à influência de longo prazo, execução canhestra por meio de funcionários incultos, abstenção quase completa de interferências profundas na esfera superior das idéias e da cultura. Tais as marcas que caracterizaram a censura militar, à qual seria um exagero demagógico dar as dimensões de uma verdadeira manipulação das consciências.

Em contraste, o controle esquerdista das informações, hoje, visa essencialmente ao longo prazo, tem a seu serviço os mais adestrados profissionais acadêmicos, age principalmente por cima, pelo controle das idéias e da visão histórica suscetíveis de moldar o futuro, e, sobretudo, é meticuloso no empenho de apagar suas pistas. O espectro de fatos e idéias cuja circulação ele bloqueia é imensamente maior que o abrangido pela censura militar, chegando a ocultar da população estudantil brasileira praticamente toda a produção dos pensadores liberais e conservadores das últimas décadas e capítulos inteiros da História nacional, como por exemplo a participação de Cuba na direção das nossas guerrilhas, durante 20 anos negada como pérfida mentira direitista e agora comprovada, sob protestos gerais, pelo corajoso estudo de Denise Rollemberg, Apoio de Cuba À Luta Armada no Brasil (Rio, Mauad, 2001).

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