Olavo de Carvalho


Zero Hora (Porto Alegre), 26 ago 2001

Golpe de Estado é uma mudança súbita da ordem político-jurídica, realizada desde dentro do esquema de poder vigente. Quem quer que compreenda essa definição perceberá que a ação conjunta de jornalistas e procuradores para bloquear as investigações do Exército em torno das atividades ilegais do MST, da CUT e de algumas ONGs esquerdistas é nada mais, nada menos, que uma tentativa de golpe de Estado.

O sucesso ou fracasso dessa tentativa depende do que acontecerá nos próximos dias.

Se, convocado a prestar esclarecimentos ao Congresso, o comandante do Exército adotar uma atitude tímida, sacrificando ante o altar da fúria midiática oficiais que não têm outra culpa senão a de alguns excessos verbais cometidos na redação de um relatório, estará repentinamente instaurada neste país uma nova ordem legal, na qual a propaganda e a preparação de guerrilhas estarão sob a proteção do Estado e o que quer que se faça ou se diga contra elas será crime.

Marginalizado o Exército das investigações antiguerrilha, toda a autoridade sobre elas será transferida para a Polícia Federal, que o próprio jornal envolvido na denúncia contra o Exército informava, já em 1993, estar repleta de agentes das entidades agora investigadas.

Em suma, só o MST, a CUT, as ONGs esquerdistas e seus militantes e “companheiros de viagem” na imprensa terão o poder de investigar-se a si próprios, livres de qualquer interferência alheia. O encargo das investigações ficará, oficialmente, entregue à responsabilidade dos suspeitos.

Para impedir que isso aconteça, o comandante do Exército só tem uma atitude a tomar: recusar peremptoriamente qualquer explicação a esses indivíduos, e em vez disso acusá-los de conspiração para bloquear qualquer ação possível do Estado contra os que pretendam derrubá-lo à força.

Afinal, quem são esses procuradores que, no dia 25 de julho, se apropriaram de documentos sigilosos do Exército e, num inquérito conduzido “sob segredo de justiça”, tomaram a iniciativa de convidar um grupo de jornalistas de esquerda para que violassem o segredo mediante escandalosas denúncias estampadas na primeira página de um grande diário paulista?

São pessoas isentas ou são, eles próprios, militantes, simpatizantes ou colaboradores das entidades investigadas pelo Exército? E quem são esses jornalistas? São meros profissionais interessados em informar a opinião pública ou estão entre os 800 que, já em 1993, a CUT reconhecia ter em sua folha de pagamento?

Curiosamente, o próprio jornal, ao fazer-se de escandalizado ante o fato de que o Exército investigasse o que sua missão constitucional lhe ordena investigar, noticiava sem o mínimo espanto, e como se fosse a coisa mais normal e lícita do mundo, que o próprio MST tem seu serviço de espionagem, com “colaboradores informais” infiltrados nas Forças Armadas.

Sem a colaboração desses espiões, como poderia alguma informação sobre o inquérito do Exército ter vazado, seja para os procuradores, seja para os jornalistas?

Uma vez aceitas pelo seu valor nominal as denúncias do diário paulista, estará legalmente consolidado um estado de coisas que legaliza a espionagem esquerdista e criminaliza os serviços de inteligência das Forças Armadas.

Se isso é apenas um escândalo jornalístico e não um golpe de Estado, então as acepções desses termos devem ter mudado profundamente sem que eu me desse conta disso.

De todas as crises políticas já vividas por este país desde 1988, esta é seguramente a mais grave. E o que a torna especialmente mais alarmante é justamente que transcorra sem nenhum sinal de alarma em torno, que toda a população assista aos acontecimentos com a total indiferença de quem não percebe nem de longe o sentido do que se passa.

Aqueles que imaginem que as grandes mutações políticas têm de ser acompanhadas de anúncios espetaculosos e intensa emoção popular esquecem que foi precisamente numa atmosfera de indiferença e desconhecimento que se deu a derrubada do Império, inaugurando a longa série de revoluções e golpes de Estado que fez com que, ao longo do século XX, o Brasil nunca tivesse mais de quinze anos seguidos de ordem e democracia.

Comments

comments