Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 01 de março de 2007

Perguntinha inicial, só a título de exemplo: se a Alca é um plano do “imperialismo ianque” para se tornar mais poderoso às nossas custas, por que tantos americanos a denunciam como atentado globalista à soberania dos EUA?

Sim, a hostilidade à Alca é tão grande em Washington e Nova York quanto no Rio ou em Brasília, mas por motivos simetricamente inversos. Alguém aí está radicalmente enganado. Para adivinhar quem, basta notar que os inimigos americanos da Alca sabem o que os brasileiros dizem dela, mas a recíproca não é verdadeira. No Brasil a mera sugestão de que a Alca não é boa para os EUA é recebida com incrédula surpresa e escândalo, quando não com a repulsa automática que acusa o mensageiro de “agente do imperialismo”, “vendilhão”, “traidor”, “apátrida” etc. etc.

Sim, há pessoas – oficiais superiores das Forças Armadas, por incrível que pareça – que até garantem saber quais agências do governo americano me pagam e quanto me pagam. Já pedi a essas sapientíssimas criaturas que me repassem a informação, para eu saber onde retirar o dinheiro, mas elas se recusam a me ajudar nisso. Consideram a fonte das minhas riquezas ilícitas um segredo esotérico ao qual nem eu mesmo devo ter acesso. Quando lhes digo que isso é injusto, batem no peito fazendo-se de mortalmente ofendidas e despejando sobre si mesmas uma quantidade tal de elogios que não lhe encontro medida de comparação senão na carga de acusações escabrosas que simultaneamente me fazem, às vezes acompanhadas da ameaça de resolver nossas desavenças “a bala”. Qualquer hora vou publicar tudo no meu website, com nomes e patentes. Eu sou mau.

Profundamente imbuídas do dogma esguiano de que “interesses nacionais” movem o mundo, essas elites pensantes (gulp!) não percebem nenhuma contradição em advertir contra os perigos do globalismo e ao mesmo tempo ignorar a existência de forças supranacionais, aptas a usar Estados e governos como meras cartas de baralho num jogo que transcende os interesses de qualquer nação, sobretudo os dos EUA. Raciocinando mecanicamente com base em estereótipos, essas mentes preguiçosas insistem em desenhar o futuro do Brasil num mapa de 50 anos atrás. Tão fora do universo se encontram, que acreditam que a aproximação com vizinhos belicosamente anti-americanos é uma estratégia boa para a “defesa da nossa soberania”, quando o mais assanhado desses vizinhos já anunciou que em resultado da ascensão do socialismo continental todas as soberanias locais serão dissolvidas na Pátria Grande, a “República dos Estados Unidos da América do Sul”.

Adianta avisar que alguns patriotas estão lutando pelo contrário do que desejam? Eles têm ouvidos mas não ouvem. Confundem patriotismo com patriochavismo. Não que gostem muito de Hugo Chávez. Mas seus projetos se encaixam tão bem nos dele, que nem precisam fazer nada com o intuito expresso de ajudá-lo. Ajudam-no pela mera incapacidade – ou recusa – de enxergar mais longe que ele. E, quando os chamo de burros, respondem que não são comunistas. Concordo: nem isso são.

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