Yearly archive for 2014

Ursos e burocratas

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 23 de setembro de 2014

Meu plano, esta semana, era interromper a série de considerações deprimentes sobre a hedionda política nacional e mundial e oferecer aos leitores alguma coisa mais divertida. Tinha tudo para isso. Aos 67 anos, pela primeira vez na vida fiz uma viagem de recreio e estou em plena floresta do Maine, com meu filho Pedro e meu amigo Sílvio Grimaldo, caçando ursos pretos.

É uma região de beleza indescritível; os guias são pessoas gentilíssimas, de maneira que a gente se sente em família. O alojamento até parece um jogo de casinhas de brinquedo e a comida é de primeira ordem. Todo dia os guias nos levam por uma estrada de terra de onde partem as trilhas individuais que seguem pelo meio do mato até a cadeirinha onde nos encarapitamos para esperar o urso, atraído – espera-se – pela isca plantada num barril aberto.

Meu urso não deu ainda o ar da sua graça, especialmente porque ontem choveu um bocado e urso preto não gosta de chuva, mas vou continuar tentando. Levo uma Browning calibre 300 Winchester Magnum, suficiente para derrubar três ursos em fila, e minha pontaria não é de todo má.

Tinha uma boa oportunidade, portanto, para entreter os leitores com umas histórias de caçadas, mas, porca miséria, até aqui a maldita política globalista já chegou, firmemente decidida a estragar tudo e provar que “outro mundo é possível”. É claro que é possível. Impossível será viver nele sem começar a pensar em suicídio aos trinta anos de idade.

Será um mundo totalmente administrado, sem o mínimo espaço para a espontaneidade humana, onde o último arremedo de emoção consistirá em consumir drogas fornecidas pelo governo e praticar sexo industrializado. Traços desse mundo já se vêem por toda parte, exceto na Rússia, na China e nos países islâmicos, que preferem versões mais antiquadas do inferno.

A situação por aqui é a seguinte. O Maine tem uns trinta mil ursos pretos. Para impedir que comam todos os bebês de alces, é preciso matar uns cinco mil por ano. As leis e regulamentos já complicaram a coisa de tal modo que não se consegue matar nem a metade disso. Em resultado, a caçada de alces, antes um esporte popular, tornou-se privilégio de um punhado de ricaços, e mesmo estes têm de entrar numa loteria e esperar sua chance.

A carne de alce é uma delícia, e no meu modesto entender é muito mais decente comer um bicho  perigoso que você mesmo matou com risco próprio do que devorar cinicamente uma vaca indefesa assassinada a marretadas na ponta de uma baia sem saída.

Mas agora a tal da Humane Society, uma organização gigantesca subsidiada por George Soros e outras criaturas adoráveis, inventou um referendo para proibir a caça com isca, com cachorros e com armadilha, restando só a chamada “still hunting”, que consiste em andar pelo mato até encontrar um urso, o que é quase impossível.

Tom Hamilton, nosso guia, disse que em dez anos só viu assim um único urso, de longe. O urso preto não é metido a valentão como o grizly. É bicho arisco, que se esconde como um ladrão furtivo. Se o voto “Sim” vencer, a superpopulação de ursos vai acabar de vez com os alces, invadir o espaço humano e ameaçar os animais domésticos. Será o perfeito paraíso ecológico.

Durante milênios as comunidades humanas mantiveram-se a salvo de animais ferozes graças a um vasto círculo de proteção constituído de caçadores, guardas florestais, fazendeiros etc. É assim até hoje. O típico cidadão urbano dos nossos dias ignora a existência desse círculo e imagina que é simplesmente natural os bichos ficarem em paz no seu “habitat”, como que obedientes a um imenso Registro Cósmico de Imóveis, só se tornando perigosos quando seu território é “invadido” por malvados seres humanos.

Isso é de uma estupidez monstruosa. O “habitat natural” de um urso ou de um lobo não é um lugar fixo: é onde ele encontra uma comida do seu agrado. Pode ser um galinheiro, uma fazenda de gado ou uma pequena cidade. Se ele não passa daí é porque alguém lhe deu um tiro.

O idiota urbano, a milhares de milhas, intoxicado de maconha, tagarelice ideológica e programas de TV, acredita-se protegido pela gentileza das feras e pelo milagre do “equilíbrio ecológico”. É preciso ser muito, muito burro para acreditar que, deixada a si mesma, ou mantida como um santuário inviolável pelos cultores do animalismo, a Mãe Natureza resolverá tudo na mais perfeita harmonia.

Essa gentil progenitora já liquidou mais espécies animais do que toda a humanidade caçadora reunida. De todos os fatores naturais, o homem é o menos mortífero. É aliás o único que se preocupa em preservar as outras espécies. Nenhum tigre faz passeata de protesto quando um de seus parentes come quatrocentos indianos pobres e desarmados. Nenhum grizly publica editoriais indignados quando um da sua espécie mata dezenas de filhotes, fêmeas e ursos mais fracos.

Não por coincidência, todo o movimento pela proteção às espécies animais foi uma invenção de caçadores, como Theodore Roosevelt nos EUA e Jim Corbett na Índia. Caçadores sabem o que é bom para os animais, para os seres humanos e para a convivência razoável entre as espécies. Políticos e intelectuais iluminados só pensam em si mesmos e inventam os mais belos pretextos para mandar em tudo.

Façam as contas. No Maine, onde a caça aos ursos ainda é um hábito comum, acontecem quarenta – sim, quarenta – vezes menos situações de risco entre ursos e pessoas do que em Connecticut, onde a caça é totalmente proibida e existem apenas 450 ursos em vez dos trinta mil do Maine. Quem protege melhor a população humana e animal? Os caçadores ou o governo?

P. S – Meu amigo Sílvio matou seu urso na quarta-feira. O meu e o do Pedro não deram as caras ainda. Na foto da página não apareço com a minha Browning, mas com a CZ 550 que emprestei ao Sílvio.

O filho do Imbecil Coletivo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 23 de setembro de 2014

          

O traço estilístico mais constante e saliente nos escritos dos imbecis é a indistinção entre coisas objetivamente diferentes que têm o mesmo nome. Levado pelo potente automatismo da construção verbal separado da percepção, da memória e da imaginação, o sujeito extrai, de premissas referentes a um objeto, conclusões sobre outro objeto completamente diverso designado pela mesma palavra. Isso é o que propriamente se chama “equívoco”: tomar a identidade nominal como real. O estilo característico dos imbecis é um arquitetura de equívocos.

Desfazer um equívoco não é difícil. O problema com o imbecil é que ele não sabe que o é, nem imagina, pois, que deveria deixar de sê-lo; e os equívocos que comete são tantos e tão grosseiros que não é possível desfazê-los sem tornar evidente que o desempenho da sua inteligência está abaixo do normal – um dano à sua querida auto-imagem contra o qual ele se defenderá com todas as suas forças. A imbecilidade, como o segredo esotérico, protege-se a si mesma.

Pessoas normais podem superar seus erros porque apreciam a inteligência superior e desejam aprender com ela, ao passo que o imbecil genuíno não percebe superioridade nenhuma ou, quando a percebe, deseja achincalhá-la ou exorcizá-la para libertar-se de toda obrigação de melhorar.

O imbecil a que aqui me refiro não é o mesmo que o “imbecil coletivo” do qual falei outrora. Este, conforme o defini na ocasião, era “uma comunidade de pessoas de inteligência normal ou superior que se reúnem com o propósito de imbecilizar-se umas às outras”. Decorrida uma geração, o imbecil de agora já é o filho ou produto acabado do imbecil coletivo: não precisa imbecilizar-se porque imbecilizado está. Não tendo participado dos afazeres da alta cultura como o seu antepassado e mentor, nem procura macaquear o exercício da inteligência, porque o desconhece e não imagina em que possa consistir semelhante coisa.

Um exemplo irrisório, típico, veio-me de um rapaz que, diante da minha asserção de que a caça esportiva é hoje o meio mais eficaz de manter o equilíbrio entre as várias populações animais num dado território, proclamou indignado que, nos EUA, os caçadores extinguiram, no século 19, não sei quantas espécies de bichos.

A ira do cidadão contra o símbolo “caça” o impedia de ver que por trás desse nome se ocultavam duas atividades diferentes e antagônicas. Os homens que mataram lobos, ursos, raposas e bisões em quantidade descomunal e obscena, na época da ocupação do Oeste americano, eram eminentemente comerciantes de peles, que esfolavam os animais abatidos e saíam em busca de mais peles, deixando a carne apodrecendo sob a chuva e sob o sol.

Essa atividade, cujo análogo residual persiste na África sob a forma do comércio ilegal de marfim malgrado toda a repressão governamental, está rigorosamente excluída da caça esportiva tal como se pratica hoje no Ocidente. Aqui o caçador, ao abater um veado, um alce, um urso, está sobretudo em busca de algo que possa abastecer a sua geladeira, a de seus amigos ou a de alguma instituição de caridade, considerando a pele (ou os chifres) como um bônus ou troféu que atesta sua qualificação no exercício da tarefa.

Isso é assim não apenas por uma convenção unânime entre os caçadores, mas pela força das leis. Leis que não foram instituídas contra os caçadores, mas por eles mesmos e pelas organizações que os representam, e aliás por uma razão muito simples: o controle dos efeitos objetivos da ação humana sobre o meio natural é inerente a toda busca organizada de alimentos, seja na agricultura ou na caça.

Ninguém em seu juízo perfeito, muito menos um caçador esportivo, é louco de destruir as fontes do alimento que procura. Por isso mesmo é que a única exceção à caça como busca de alimentos é a liquidação de predadores que destroem fontes de alimentos. E é também por isso que as associações de caçadores têm sido, desde os tempos de Theodore Roosevelt, as maiores promotoras do conservacionismo.

Você pode, se quiser, chamar de “caça” essas duas atividades opostas: a do destruidor de espécies animais e a do caçador conservacionista de hoje em dia. Contudo, não pode, exceto por imbecilidade, aplicar ao segundo as conclusões daquilo que acha que sabe do primeiro. E, se o faz com eloquência indignada, só acrescenta à inépcia o ridículo da presunção.

A arte imbecil da conclusão equívoca tem ligação profunda e orgânica com outros dois fenômenos de patologia intelectual a que já me referi em artigos anteriores: a verbalização histérica e o pensamento metonímico.

A primeira consiste em o sujeito acreditar em algo, não porque o viu ou dele teve ciência, mas porque conseguiu dizê-lo e porque a mera forma gramatical da frase acabada tem para ele um valor de prova. O pensamento reduz-se, dessa maneira, à autopersuasão barata, em que a ênfase emocional postiça faz as vezes da convicção profunda e séria.

O vício do raciocínio metonímico consiste em tomar a parte pelo todo, ou o instrumento pela ação, mas enxergando aí uma identidade real em vez de uma mera figura de linguagem. No exemplo citado, a “caça” é tomada como sinônimo de “matar o animal”, quando, na realidade, o ato de matar é apenas o instrumento, o meio pelo qual se perfazem duas atividades objetivamente diversas e incompatíveis.

Extinguindo o inexistente

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 11 de setembro de 2014

          

Semanas atrás escrevi no meu Facebook que, se Marina Silva rompesse publicamente com o Foro de São Paulo e prometesse liquidá-lo caso eleita para a Presidência da República, não hesitaria em votar nela e apoiar sua candidatura pelos modestos meios ao meu alcance. Logo apareceu na internet uma entrevista à CNT, na qual a candidata anunciava a intenção de acabar com o Foro.

Dizem que a entrevista é falsa, e até acredito que seja, mas de qualquer modo ela expressa o que os admiradores de Marina querem que os eleitores “de direita” pensem dela, e nesse sentido é muito significativa, precisamente pelos atos falhos freudianos que, por trás da boa imagem pretendida, revelam uma ambiguidade inquietante.

Por um lado, Marina – ou quem pôs palavras na sua boca -– prometia extinguir até “o último vestígio” da maligna entidade, o que é uma notícia animadora. Mas, de outro afirmava que o Foro não existe na prática, jamais tendo passado de uma tentativa do sr. Lula, o que é manifestamente falso. O Foro continua em plena atividade, numa atmosfera de euforia que seus feitos justificam integralmente.

A Declaração Final do XX Encontro, realizado em La Paz, Bolívia, de 25 a 29 de agosto último, deixa isso claro: “Decorridos vinte e cinco anos da criação do Foro de São Paulo, uma das experiências mais bem sucedidas e unitárias da esquerda na região latino-americana e caribenha, o balanço da situação é indubitavelmente favorável às forças que o compõem. Quando o Foro de São Paulo foi criado, um só país dessa região era governado por um partido pertencente a ele, e hoje são mais de dez.” ( http://forodesaopaulo.org/declaracion-final-del-xx-encuentro-del-foro-de-sao-paulo/). Para um agente histórico que “não existe na prática”, essas vitórias são mais do que espetaculares: são mágicas. Na verdade, o Foro continua sendo a maior, mais poderosa e mais eficiente organização política que já existiu no continente latino-americano.

O texto de “Marina” dizia ainda que a ligação do PSB com o Foro de São Paulo “é um boato espalhado em tempo de eleição para confundir leigos” e que “quem fazia parte (do Foro) era uma ala do PSB ligada ao governo, desativada há anos”. Isso também é falso. O PSB ainda é um membro ativo do Foro e participou do seu mais recente encontro (www. psb40.org.br/ not_det.asp?det=5808) em La Paz.

Por fim, vinha a afirmativa de que “esses boatos são plantados pela turma do Aécio Neves”. Isso talvez seja o mais falso de tudo. Tanto o sr. Neves quanto os seus adeptos e, de modo geral, o seu partido, têm-se notabilizado, sobretudo, pelo silêncio obstinado que mantêm em torno do Foro de São Paulo, ao ponto de despertar a suspeita de cumplicidade ao menos passiva.

Que algo nas relações entre o PSDB e o Foro não está claro nem pretende estar, é algo que se percebe sem dificuldade pela reunião discreta entre dirigentes do Foro e o sr. Fernando Henrique Cardoso, na presença de alguns líderes do Partido Democrata americano, realizada em Miami em maio de 1993.

Essa reunião só foi noticiada por um único jornal, o Granma (edição cubana, não internacional), e justamente as cópias dessa edição, quando pus um aluno meu a procurá-las em 2008, haviam desaparecido da Biblioteca do Congresso e das suas subsidiárias. Coincidência ou não, a diretora da seção latino-americana da Biblioteca do Congresso em 2008 era a mesma pessoa que tinha organizado a reunião de 1993.

Quem levantou a lebre da ligação entre o PSDB e o Foro tão logo apareceu a candidatura Marina não foi nenhum emissário do sr. Aécio Neves. Fui eu, que sou tão entusiasta do sr. Neves quanto do consumo de pudim de alface diet. E não puxei o assunto para favorecer candidatura nenhuma, porém, bem ao contrário, para sugerir que a presente eleição presidencial deveria ser suspensa pelo TSE, dada a ilegalidade dos dois partidos mais favorecidos para o segundo turno.

Esta é, seguramente, a eleição mais irregular, mais ilegal que já se realizou no Brasil. A Lei Eleitoral de 1995 é categórica e inequívoca: diz o Art. 28: ” O Tribunal Superior Eleitoral… determina o cancelamento do registro civil e do estatuto do partido contra o qual fique provado… (II) estar subordinado a entidade ou governo estrangeiros.”

Que o Foro de São Paulo é uma entidade estrangeira, multinacional, criada em Havana por Fidel Castro e Lula; que a maior parte das organizações que o compõem são de fala espanhola; e que uma das especialidades do Foro, conforme confessou o próprio Lula, é ajudar os governantes esquerdistas a interferir em segredo na política interna dos países vizinhos – nada disso é coisa de que se possa duvidar razoavelmente.

Pouco importando quem leve a maioria dos votos, se Marina Silva ou Dilma, esta eleição já tem um único vencedor previsto e assegurado: o Foro de São Paulo.

Para piorar as coisas, a candidata que aparece na entrevista com a promessa de eliminar o monstro já vai desde logo acobertando as atividade dele sob o pretexto pueril de que ele não existe na prática. Cabe portanto perguntar se, por “extinguir os seus últimos vestígios”, os autores da farsa não estão confessando, involuntariamente, que Marina, uma vez no poder, vai eliminar só os vestígios, os traços patentes do Foro, deixando que por baixo disso a coisa real continue existindo sob outra identidade, sob outro nome ou sem nome nenhum, mais invisível e onipresente do que nunca.

Afinal, quem pode levar a sério uma promessa de extinguir o que não existe?

Veja todos os arquivos por ano