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Carta de um aluno

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 6 de abril de 2014

          

Professor,

Sou aluno do Curso de Ciências Sociais da (…). Admiro seu trabalho há um ano e estou amadurecendo a ideia de me tornar aluno do Seminário de Filosofia, o que me impede é o tempo. Hoje, na aula de História Moderna, uma colega minha expôs para toda a turma a minha admiração pelo seu modo de pensar, prontamente os colegas começaram a me olhar com olhar de reprovação.

O professor desta disciplina estava presente em sala e, ao ouvir o comentário da minha colega, começou a se dirigir a mim de maneira debochada sobre as denúncias que o senhor faz há vinte anos, com perguntas do tipo: “Você realmente acredita que há uma conspiração revolucionária gramsciana em andamento no Brasil?” ou “Você é tolo ao ponto de acreditar que estamos sob uma ditadura petista?”.

O professor seguiu rompendo com toda e qualquer ética profissional e passou a alvejar a sua pessoa, atribuindo adjetivos como alarmista, fascista e reacionário, e dizendo que o senhor é maluco, mas admitia que é um bom professor de Filosofia e portador de uma erudição ímpar (inclusive ele disse que a mãe dele foi sua aluna).

Fiquei muito constrangido e sem resposta devido ao estado de choque em que me encontrei em ver um professor universitário me admoestando por minhas preferências político-filosóficas.

Um único colega mais conservador (por minha influência) veio em minha defesa, e indagou qual é o problema de gostar do senhor, e sobre a necessidade de alguém esculachar o senhor devido a ideias divergentes – encerrando a discussão e deixando o professor e os colegas mais falantes sem respostas.

Com o ocorrido, pude ter certeza da veracidade de tudo o que é dito pelo senhor a respeito da infiltração esquerdista no meio acadêmico e senti na pele a discriminação praticada por esse grupo (já havia sofrido anteriormente pelo fato de ser Espiritualista e Cristão, mas nunca na intensidade do evento de hoje).

Gostaria de alguma orientação a respeito de como proceder no meu próximo encontro com este professor.

Aluno

RESPOSTA

Prezado aluno X.,

Distribua na classe e leia em voz alta, diante do seu professor, a mensagem abaixo:

Prezado Professor, Não sei sequer o seu nome, mas sua conduta em classe é minha velha conhecida, já que repete fielmente a de milhares de outros professores universitários neste País.

Tenho dito e escrito, vezes sem conta, que há uma diferença essencial entre a ditadura militar e a presente ditadura petista.

A primeira exercia algum controle da opinião pública através de medidas administrativas oficiais e explícitas, como por exemplo a censura nos jornais, feita por funcionários da Polícia Federal.

Esse controle era frouxo, pois havia dezenas de semanários comunistas circulando livremente e as notícias censuradas na grande mídia eram frequentemente liberadas depois. Na esfera editorial não havia controle absolutamente nenhum.

Os vinte e um anos da ditadura foram, segundo comprovam os registros da Câmara Brasileira do Livro, a época de maior expansão e prosperidade da indústria do livro esquerdista no Brasil. Muitas editoras comunistas, a começar pela maior delas, a Civilização Brasileira, conforme me confessou seu próprio diretor, Ênio Silveira, recebiam substancial ajuda financeira do governo, interessado em seduzir uma parcela dos esquerdistas para que se afastassem dos grupos guerrilheiros armados.

Na presente ditadura petista, o controle é exercido por meio de uma rede enorme de militantes e idiotas úteis espalhados por todas as cátedras universitárias, redações de jornais, estações de rádio e TV e instituições culturais em geral, incumbidos de aí criar um ambiente de terror psicológico, por meio do achincalhe, do boicote e da humilhação pública de quem quer que ouse divergir da ortodoxia dominante.

Esse método, em substituição à censura oficial, foi preconizado por Antonio Gramsci e quem quer que o pratique é um agente da revolução cultural gramsciana. É um método eminentemente escorregadio e covarde, que só pode alcançar sucesso, como explicou o próprio Gramsci, camuflando a sua própria existência e dando a impressão de que as opiniões que estão sendo impostas brotam espontaneamente do consenso social, sem nenhuma fonte central ou comando, de modo que pouco a pouco o Partido se torne “um poder onipresente e invisível de um imperativo categórico, de um mandamento divino”.

Não é preciso dizer que esse método é mil vezes mais opressivo e mil vezes mais eficiente do que qualquer censura oficial, já que neste caso as vítimas enxergam claramente o culpado pela situação, e naquele todos se vêm perdidos e desorientados, acossados e intimidados por um poder sem rosto, “onipresente e invisível”.

Sua própria conduta em classe, professor, é a do típico agente desse poder, seja na condição de militante ou, mais provavelmente, de idiota útil. O senhor busca intimidar e humilhar os alunos que não sigam a cartilha oficial, no mesmo ato em que nega cinicamente que essa cartilha exista e que alguém esteja tentando impô-la a quem quer que seja.

Nada poderia ilustrar melhor a técnica de Antonio Gramsci, hoje aplicada persistentemente em todas as instituições de ensino no Brasil. Sua conduta é a melhor prova daquilo cuja existência o senhor nega. Não sei se, malgrado essa conduta dúplice e escorregadia, o senhor ainda conserva no coração algum resto do senso normal de honestidade que o gramscismo destrói em seus militantes, mas peço-lhe que não se vingue desta mensagem no aluno que é simplesmente o portador dela.

O responsável por estas palavras sou apenas eu e não ele.

Atenciosamente, Olavo de Carvalho

Marcel van Hattem entrevista Olavo de Carvalho

“Acabaram com a inteligência no Brasil” – Entrevista com Olavo de Carvalho

4 de abril de 2014

A entrevista exclusiva concedida pelo filósofo e jornalista Olavo de Carvalho foi destaque de capa da Revista Voto deste mês.

“Todo mundo no Brasil é idiota até prova em contrário”, declarou; e advertiu: “sem restaurar a cultura no Brasil, não dá para fazer política”.

Foi um prazer e uma grande honra a oportunidade de entrevistá-lo. Leia a íntegra abaixo!

Olavo de Carvalho: “Acabaram com a inteligência no Brasil”

Entrevistado por Marcel van Hattem

Apesar de assumir rótulos tidos como repulsivos pelo que chama de “establishment esquerdista na mídia, na cultura e na política brasileiras”, Olavo de Carvalho é um fenômeno virtual no país. Residindo há quase uma década nos Estados Unidos, o jornalista e filósofo tem um público fidelíssimo no Brasil – e grande parte dele foi conquistado nos últimos anos, pela internet. Somente no Facebook ele possui mais de 50 mil seguidores em seu perfil. Sua fama na internet intensificou-se a partir de 2007, com o seu Seminário Online de Filosofia. “Eu achava que teríamos uns 100 alunos. Hoje temos mais de 3 mil de todo o Brasil e do exterior também”.

Com vasta obra publicada, seu recente livro “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, organizado por Felipe Moura Brasil e publicado pela Record, continua aparecendo nas listas dos livros mais vendidos. Em entrevista exclusiva à Revista Voto concedida da sua casa na Virgínia, Olavo de Carvalho fala sobre política, cultura e por que não quer voltar ao Brasil. Nunca mais.

O senhor é hoje considerado uma das mais importantes vozes do conservadorismo no Brasil. O senhor tem percebido também um aumento no número de núcleos conservadores no País?
Sim, formidavelmente. Durante muito tempo fiquei totalmente sozinho na mídia. Era um negócio tão esquisito que as pessoas nem entendiam o que eu estava falando. Aos poucos, começaram a ler mais, a se interessar. Hoje é muita gente. Pelas pesquisas feitas pela Folha (de S. Paulo), vê-se que o público brasileiro é acentuadamente conservador. Ele só não tem canais, não tem liderança, não tem porta-voz. Agora já tem alguns – não propriamente na política, mas no jornalismo e na internet, na cultura.

E por que na sua opinião não há conservadores na política brasileira?
Isso começa já no tempo dos militares. Os militares, ao invés de incentivar alguma política liberal ou conservadora, simplesmente mataram a política. Tinham uma ideia tecnocrática, remotamente inspirada no positivismo de Augusto Comte, que dizia que os problemas políticos deveriam ser resolvidos pelo método científico. Mais ainda: todas as organizações da sociedade civil que participaram do movimento de 64 foram definhando e o governo as deixou às traças. Portanto, desapareceram não só a política como também as lideranças da sociedade civil e abriu-se espaço para as lideranças comunistas ocuparem. A guerrilha foi eliminada, mas a esquerda pacífica, entre aspas, ocupou todos os espaços. Podemos dizer sem sombra de dúvidas que a esquerda dominou completamente a mídia e as universidades já durante a época da ditadura, sem que o governo nada fizesse para impedir isso, nem mesmo no embate cultural.
*A hegemonia esquerdista na mídia, a ocultação de fatos inconvenientes à esquerda já vem desde o tempo da ditadura. Em 1965 saiu o livro do Edmar Morel, o “Golpe Começou em Washington”. Se espalhava aí a tese de que o golpe havia sido tramado e financiado pelo governo americano e todo mundo acreditou nisso. Isso é até hoje ensinado nas universidades e é repetido na mídia. Qual é a origem disso? É um mito criado pela KGB em 1964. A tese oficial, da esquerda, é a seguinte: em 1964 tínhamos um governo democrático e não havia perigo comunista algum. Foi tudo um delírio, um pretexto dos golpistas para derrubar um governo legítimo. Mas foi o contrário, tudo comprovado por documentos soviéticos: a penetração da KGB no Brasil era avassaladora. A KGB estava controlando a situação. Havia um perigo comunista manifesto, havia uma presença comunista.

A Petrobras era a 12ª empresa no mundo e hoje é a 120ª e o grande período de decadência tem sido nesses últimos anos. A que o senhor computa isso?
Quando um político revolucionário, comprometido com o movimento revolucionário continental como o Foro de São Paulo, assume o governo do País por vias democráticas, ele tem que atender simultaneamente a dois tipos de compromisso: ele sobe lá com um programa que ele precisa cumprir e, por baixo disso, ele tem uma outra série de compromissos que é com o próprio movimento revolucionário. Esses compromissos com o movimento são muito mais fortes do que os outros. Ele vive em um regime de dupla lealdade. Quando o Lula assume, ele tem um programa econômico, mas por baixo disso tem o plano de implantar o socialismo. Para implantar o socialismo há que se ter uma política dúbia, que por um lado mantém a economia mais ou menos funcionando, para não criar hostilidade popular, mas que por baixo esteja solapando tudo. E criando crise social. Ninguém vai entender o Lula, os governos do PT, se os encarar de uma maneira linear. Raciocinar de maneira dialética, pensar em dois planos, isso é da tradição do movimento revolucionário.

Nesse sentido, o Brasil pode estar seguindo o mesmo rumo da Venezuela?
Pior. Pior porque na Venezuela há uma imensa oposição organizada, ativa, e no Brasil não há nada. No Brasil, os próprios militares desmantelaram a direita brasileira.

E os protestos de junho, não podem ser comparados ao que acontece hoje na Venezuela?
Não, não podem. Pelo seguinte: há uma insatisfação enorme por causa dos impostos, mau serviço público, falta de segurança – o Brasil tem 70 mil homicídios por ano, uma coisa absurda! Os movimentos de junho foram criados pelo próprio governo, pelo pessoal do Foro de São Paulo para acirrar as contradições e encerrar a fase de transição, que foi o governo Lula, e passar para a implantação do socialismo. Esta era a ideia. Botaram a garotada na rua, treinaram uma parte para gritar, outra para fazer depredação. No entanto, uma parte da população saiu voluntariamente à rua, ocupando mais espaço do que a militância treinada. É um acontecimento inédito, nunca houve uma manifestação espontânea desse tamanho em país algum. Não tinha liderança, não tinha organização, não tinha coisa nenhuma. Só o pessoal da esquerda que tinha organização.

*Essas manifestações espontâneas não foram positivas para o Brasil?
Claro que foram positivas mas foi uma ação completamente difusa, desordenada, não aproveitável politicamente. Isso só nos informa de uma coisa que nós já sabíamos: que o povo estava “por aqui” com o governo. Quem é que não sabe disso? Mas esse mesmo povo não tem canais de atuação. Todas as organizações da sociedade civil, escolas, igrejas, sindicatos, clubes, tudo está na mão da esquerda. Ou seja, a sociedade civil está contra o governo, mas os órgãos que a “representam” estão a favor do governo.

*Como o senhor explica a alta popularidade da Dilma e de Lula nas pesquisas?
É muito simples: você tem que votar entre os candidatos que existem. Mostre-me um candidato que represente a nação brasileira, a nação conservadora, cristã, etc. Não tem nenhum! Então tem-se que escolher entre o que se tem. Veja o pessoal do PSDB: são sempre pessoas inócuas. José Serra, Geraldo Alckmin, Aécio Neves, são pessoas que não dizem nada. Nas eleições temos pessoas de esquerda diluída e outras de esquerda autêntica, como a Dilma. Em um campeonato de esquerdismo ganha o mais esquerdista, evidentemente. O próprio Lula observou que nas últimas eleições só havia candidatos de esquerda. Então, forçados a escolher entre candidatos de esquerda, o eleitor escolherá o mais popular, o mais notório.

Os rumores de que Lula poderia voltar a se candidatar à presidência da república têm fundamento?
É bem possível. Acho que ele quer, quer muito. Ele é isso. Toda a vida dele foi feita para ele virar o que ele virou. Ele não é capaz de fazer outra coisa. O que o Lula vai fazer? Escrever suas memórias? Vai abrir uma empresa?

Seu livro, organizado por Felipe Moura Brasil é intitulado “O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser um Idiota”. Quem é o idiota?
Em princípio, todo mundo no Brasil é idiota até prova em contrário. Por quê? Este é um país que odeia o conhecimento. Há mais de dez anos nossos alunos da escola secundária tiram sistematicamente os últimos lugares em todos os testes internacionais, abaixo de estudantes do Paraguai, da Serra Leoa, de Uganda. Dizer que o brasileiro é o povo mais burro da face da terra não é portanto exagero nenhum, é uma questão de estatística. As pesquisas mostram que entre 35% e 50% dos nossos universitários são analfabetos funcionais. Ou seja: é esse pessoal que está sendo diplomado. Os nossos professores universitários, os nossos advogados, nossos sociólogos, filósofos, todos analfabetos funcionais! Então é claro que é um bando de idiota. Não estou xingando, é uma constatação quantitativa. Isso quer dizer que, com o desaparecimento da alta cultura no Brasil para instalar a máquina de propaganda do PT, acabaram com a inteligência do Brasil.

Muitas pessoas que lerão esta entrevista acharão que o senhor é muito radical e muito pessimista…
Então, está bem! Na primeira vez que foi noticiado que nossos estudantes do secundário tinham tirado último lugar nos testes internacionais, o ministro da educação à época disse: “poderia ter sido pior”. Como assim, tem algum lugar abaixo do último? Isso é que é um otimista no Brasil! Abaixo do último não tem pra onde cair. Quando você chega a 70 mil homicídios por ano o que você espera que aconteça? Quem pode ser otimista diante de uma coisa dessas? Estou discutindo uma questão objetiva, fatos e números. Aí o sujeito vai dizer, “você é muito radical”. Quer dizer que se eu fosse menos radical o número de homicídios diminuiria? Isso é puro raciocínio mágico.

Então qual é na sua opinião a saída para o Brasil?
A única saída possível é o pessoal liberal e conservador começar do começo: tentar começar a organizar a sociedade civil desde as suas bases mais modestas e locais. Experimentem tomar um sindicato, uma redação de jornal, uma organização religiosa. Mas eles não querem. Os comunistas começaram no pequeno, tomando as organizações da sociedade civil há mais de 60 anos, e foram crescendo. Só que os liberais e conservadores não querem fazer isso, querem chegar por mágica, querem dominar o país sem terem dominado a sociedade civil. Isso nunca vai dar certo.

O senhor está há nove nos EUA e não retornou para o Brasil…
Nenhuma vez e não volto mais aí.

O que faria o senhor voltar?
Nada. Absolutamente nada. Eu não pisarei mais nesse país. Já me esforcei muito por este país e continuo me esforçando. Só que ficar aí dentro é ficar impotente. Daqui de fora dá para fazer alguma coisa, daí não dá para fazer nada. *Não quero ficar deprimido em ver o Brasil. Conheci a cidade de São Paulo nos anos 1950, 1960. Um pouco bagunçada, trânsito terrível, mas era uma cidade bonita. Na época em que eu saí do Brasil, todos os prédios estavam grafitados, via-se mendigo por toda a parte, uma coisa horrível. Pegue uma foto de uma rua do centro de SP nos anos 50 e outra agora. O sujeito fosse ele pobre ou rico, nos anos 1950 estava andando de terno, gravata e até chapéu. Todo mundo vestido decentemente. Agora, não! Estão os caras de bermuda, barriga de fora e chinelo havaiana. Todo mundo! É uma deterioração estética, visual, absolutamente insuportável. A cabeça de uma pessoa que é criada no meio da feiúra, da desordem e da bagunça nunca vai funcionar. A feiúra no Brasil já virou valor. Há a feiúra estética, na indumentária, na música. A feiúra na esculhambação e no esculacho geral. Qual o conceito de beleza do brasileiro? É uma bunda grande e lisinha. Na minha opinião, a personalidade se vê pelo rosto. Você concebe um sujeito apaixonado dizer para a sua amada: “amarei a sua bunda até o fim dos meus dias”? Você vê até que ponto a coisa foi rebaixada?

Mas o que move o senhor a continuar o trabalho relacionado ao Brasil, apesar de estar nos EUA e não querer voltar ao país?
É a minha vida, tudo o que estou fazendo é pelo Brasil. Eu só não quero ser contaminado pela loucura, mas preciso fazer algo pela reabilitação da cultura brasileira. Os escritos de alunos meus que começaram a aparecer recentemente – do Felipe Moura Brasil, do Rafael Falcon, do Gustavo Nogy, do Flavio Morgenstern, e vários outros: esse pessoal está em um nível infinitamente superior ao da média dos universitários e jornalistas brasileiros. Sem alta cultura não dá para fazer nada. Não dá para fazer política. Dizia o poeta austríaco Hugo von Hofmannsthal: “nada está na política de um país que não esteja primeiro na sua literatura”. Sem restauração da alta cultura é bobagem pensar em política.

Nota do entrevistador: Trechos iniciados por asterico (*) e até o final dos respectivos parágrafos não constam da versão impressa por limitação de espaço. Aproveitei o post nesta página do Facebook para mantê-los.

Link: Marcel van Hattem entrevista Olavo de Carvalho

O mal na política

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 30 de março de 2014

          

Muitas vezes o leitor já deve ter-se perguntado como é possível que tantas pessoas, aparentemente racionais, amem e aplaudam os governos mais perversos e genocidas do mundo e se recusem a enxergar a liberdade e o respeito de que elas próprias desfrutam nas democracias ocidentais, ao mesmo tempo que continuam acreditando, contra todas as evidências, que são moral e intelectualmente superiores aos que não seguem o seu exemplo.

Hoje em dia essas pessoas, no Brasil, são a parcela dominante no governo, no Parlamento, nas cátedras universitárias, no show business e na mídia. A presença delas nesses altos postos garante a este País setenta mil homicídios por ano, o crescimento recorde do consumo de drogas, o aumento da corrupção até a escala do indescritível, cinquenta por cento de analfabetos funcionais entre os diplomados das universidades e, anualmente, os últimos lugares para os alunos dos nossos cursos secundários em todos os testes internacionais, abaixo dos estudantes de Uganda, do Paraguai e da Serra Leoa. Sem contar, é claro, indícios menos quantificáveis, mas nem por isso menos visíveis, da deterioração de todas as relações humanas, rebaixadas ao nível do oportunismo cínico e da obscenidade, quando não da animalidade pura e simples.

Isso torna a pergunta ainda mais crucial e urgente. A resposta, no entanto, vem de longe.

Sessenta e tantos anos atrás, alguns estudantes de medicina na Polônia, na Hungria e na Checoslováquia começaram a notar que havia algo de muito estranho no ar. Eles haviam lutado na resistência antinazista junto com seus colegas, e isto havia consolidado laços de amizade e solidariedade que, esperavam, durariam para sempre. Aos poucos, após a instauração do regime comunista, novos professores e funcionários, enviados pelos governantes, estavam alterando profundamente o ambiente moral nas universidades daqueles países. Um jovem psiquiatra escreveu:

“nós sentíamos que algo estranho tinha invadido nossas mentes e algo valioso estava se esvaindo, de forma irreparável. O mundo da realidade psicológica e dos valores morais parecia suspenso em um nevoeiro gelado. Nosso sentimento humano e nossa solidariedade estudantil perderam seus significados, como também aconteceu com o patriotismo. Então, nos perguntamos uns aos outros: ‘Isso está acontecendo com você também?’”

Impossibilitados de reagir, eles começaram a trocar ideias, perguntando como poderiam se defender da devastação psicológica geral. Aos poucos essas conversações evoluíram para o plano de um estudo psiquiátrico da elite dirigente comunista e da sua influência psíquica sobre a população.

O estudo prosseguiu em segredo, durante décadas, sem poder jamais ser publicado. Aos poucos os membros da equipe foram envelhecendo e morrendo (nem sempre de causas naturais), até que o último deles, o psiquiatra polonês Andrej Andrew) Lobaczewski (1921-2007), reuniu as notas de seus colegas e compôs o livro que veio a sair pela primeira vez no Canadá, em 2006, e que agora a Vide Editorial, de Campinas, está para publicar em tradução brasileira de Adelice Godoy: Ponerologia. Psicopatas no poder, do qual extraí o parágrafo acima.

“Poneros”, em grego, significa “o mal”. O mal, porque o traço dominante no caráter dos novos dirigentes, que davam o modelo de conduta para o resto da sociedade, era inequivocamente a psicopatia. O psicopata não é um psicótico, um doente mental. É uma pessoa de inteligência normal ou superior, às vezes dotada de uma capacidade incomum para agir no ambiente social. Só lhe falta uma coisa: os sentimentos morais, especialmente a compaixão e a culpa. Não que ele desconheça esses sentimentos.

Conhece-os perfeitamente, mas os vivencia de maneira puramente intelectual, como informações a ser usadas, sem participação pessoal e íntima. Quanto maior a sua frieza moral, maior a sua habilidade de manipular as emoções dos outros, usando-as para os seus próprios fins, que, nessas condições, só podem ser malignos e criminosos. Justamente porque não sentem compaixão nem culpa, os psicopatas sabem despertá-las nos outros como quem toca um piano e produz o acorde que lhe convém.

Não é preciso nenhum estudo especial para saber que, invariavelmente, o discurso comunista, pró-comunista ou esquerdista é cem por cento baseado na exploração da compaixão e da culpa. Isso é da experiência comum.

Mas o que o dr. Lobaczewski e seus colaboradores descobriram foi muito além desse ponto. Eles descobriram, em primeiro lugar, que só uma classe de psicopatas tem a agressividade mental suficiente para se impor a toda uma sociedade por esses meios. Segundo: descobriram que, quando os psicopatas dominam, a insensitividade moral se espalha por toda a sociedade, roendo o tecido das relações humanas e fazendo da vida um inferno. Terceiro: descobriram que isso acontece não porque a psicopatia seja contagiosa, mas porque aquelas mentes menos ativas que, meio às tontas, vão se adaptando às novas regras e valores, se tornam presas de uma sintomatologia claramente histérica, ou histeriforme.

O histérico não diz o que sente, mas passa a sentir aquilo que disse – e, na medida em que aquilo que disse é a cópia de fórmulas prontas espalhadas na atmosfera como gases onipresentes, qualquer empenho de chamá-lo de volta às suas percepções reais abala de tal modo a sua segurança psicológica emprestada, que acaba sendo recebido como uma ameaça, uma agressão, um insulto.

É assim que um grupo relativamente pequeno de líderes psicopáticos destrói a alma de uma nação.

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