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Autoridades

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 25 de abril de 2013

          

Quanto mais tempo fico nos Estados Unidos, mais nítida se torna, aos meus olhos, uma diferença crucial entre o Brasil de hoje e as nações civilizadas: é a completa ausência, no nosso país, de qualquer debate científico ou filosófico, pelo menos audível em público, ou mesmo de qualquer consciência, entre as classes alfabetizadas, de que esses debates existem em algum lugar do planeta.

Só esse fenômeno, por si, já basta para mostrar que algo aí deu muito errado, que a vida dos brasileiros está indo numa direção francamente regressiva, incompatível com o estado da nossa economia e com a pretensão nacional de representar algum papel significativo no cenário do mundo.

 Nos EUA e na Europa, não há ideia, não há doutrina, não há crença estabelecida, por mais oficial e majoritária que seja, que não sofra contestações e desafios o tempo todo, que não se veja obrigada a buscar argumentos cada vez mais elaborados para defender um prestígio que assim não arrisca jamais congelar-se em ídolo tribal, em tabu sacrossanto.

Qualquer professor universitário ou intelectual público que, desafiado, se feche em copas e fuja à discussão sob o pretexto de que suas crenças são lindas demais para rebaixar-se a um confronto com a ideia adversária, cai imediatamente para o segundo escalão, quando não se torna objeto de chacota. Os próprios correligionários do prof. Richard Dawkins arrancaram-lhe o couro quando ele, afetando inatingível superioridade olímpica, se esquivou a um debate com o filósofo William Lane Craig.

Nem mesmo a classe jornalística, tão burra e presunçosa em Nova York como em toda parte, confunde o consenso escolar – aquele corpo de teorias e crenças que o apoio majoritário consagrou como aptas para ser transmitidas às crianças – com a vida nas altas esferas intelectuais onde tudo, mesmo o aparentemente óbvio, pode e deve ser desafiado, contestado, forçado a buscar novos e cada vez mais sólidos fundamentos.

No Brasil só existe o consenso escolar. Ele impera sobre as cabeças dos intelectuais com a mesma autoridade indiscutível com que se impõe, nas salas de aula, aos trêmulos e indefesos corações infantis.

Basta você questionar de leve algum item do Credo ginasiano, e as reações indignadas mostram o escândalo, o horror que você despertou nas almas virgens, jamais tocadas antes pelas dúvidas que, em outros países, pululam por toda parte e alimentam discussões sem fim.

Especialmente os ídolos da ciência popular, Newton, Galileu, Darwin ou Einstein, adquiriram no Brasil o estatuto de divindades intocáveis, e não só entre meninos de ginásio, mas entre professores universitários, cientistas e formadores de opinião. Critique um desses habitantes do Olimpo, e o tom das respostas lhe mostrará, por a + b, que neste país até mesmo banalidades arqui-sabidas dos historiadores por toda parte são novidades escandalosas e provas incontestáveis de que você é um louco.

Quando mencionei, por exemplo, as consequências nefastas que o mecanicismo newtoniano espalhou na cultura europeia – fato que já é de domínio público pelo menos desde o século 19 –, só não me xingaram a mãe porque não acreditavam que alguém capaz de atentar contra a memória do autor dos Princípios Matemáticos da Filosofia Natural pudesse jamais ter tido mãe.

Quando escrevi que o próprio Charles Darwin fora o inventor do design inteligente, hoje tão abominado pelos evolucionistas – coisa que não pode ser ignorada por ninguém que tenha lido algo mais que as orelhas de A Origem das Espécies –, fui imediatamente rotulado como fanático religioso indigno de ocupar um espaço na mídia.

Quando expliquei que sem o conhecimento do simbolismo astrológico é impossível compreender direito as concepções cosmológicas de Sto. Tomás de Aquino ou a estética das catedrais góticas – o que é a obviedade das obviedades para quem haja estudado o assunto –, passei a ser chamado pejorativamente de “astrólogo” pelos srs. Rodrigo Constantino e Janer Cristaldo, que, como ninguém ignora, são autoridades insignes em História medieval.

Adistância, em suma, entre o que se discute desses assuntos na Europa e nos EUA e o que se sabe a respeito no Brasil já se ampliou de tal modo, que ter algum conhecimento nessas áreas se tornou realmente perigoso: a ignorância completa e radical é hoje a única fonte de credibilidade, o único depósito de premissas onde o opinador pode buscar argumentos com a certeza de que soarão razoáveis ante uma plateia ainda mais ignorante que ele.

Tendo violado essa regra, tornei-me o único comentarista brasileiro de mídia ao qual incumbe, sempre e sistematicamente, o ônus da prova – com o detalhe de que, quando termino de provar tudo direitinho, os fulanos mudam de assunto e encontram outro motivo qualquer para continuar achando ruim.

Às vezes chegam, nisso, a requintes de imbecilidade jamais alcançados antes no universo. Indignados de que, num artigo aliás excelente sobre Otto Maria Carpeaux, o prof. Maurício Tuffani citasse de passagem o meu nome, alguns leitores ofereceram a singela sugestão de que eu fosse excluído para sempre de toda mídia. O autor do artigo, então, com a maior paciência, explicou que no caso isso não era possível, por ter sido eu mesmo o editor de um dos livros de Carpeaux ali mencionados.

 Com toda a evidência, os remetentes prescindiam de ter lido o livro para decidir quem podia ou não podia ser citado num comentário a respeito. Era o argumentum ad ignorantiam elevado às alturas de um mandamento divino: quanto menos você sabe, maior a sua autoridade na matéria.

Profecias do diabo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 22 de abril de 2013

          

Uma vida repleta de ocupações não tem permitido dar às minhas ideias a exposição escrita toda arrumadinha que algumas delas merecem. Espalho-as, de maneira fragmentária e anárquica, em artigos, aulas e conferências, na vaga esperança de que, após a minha morte, alguma alma caridosa junte as peças e as monte em equipamentos mais utilizáveis pelo grande público.
Uma delas é a do poder imanente dos significados embutidos nos símbolos históricos. Ela diz, resumidamente, o seguinte: a história é feita das livres escolhas e decisões humanas, mas, quando os homens se deixam guiar por ideias e símbolos cujo integral significado lhes escapa no momento, esse significado invisível acaba por se manifestar à plena luz do dia sob a forma de fatalidades históricas incontroláveis.
Mesmo depois do fato consumado ainda existe alguma dificuldade em perceber que já estavam enunciadas na formulação originária. Essa dificuldade emana do hábito moderno do pensamento metonímico, que concebe as propostas de ação tão somente por uma parte das suas qualidades autoproclamadas, sem sondar o sentido substantivo da ação planejada, e portanto, sem atinar com suas consequências inevitáveis.
Na história sacra e profética, esses desenvolvimentos anunciam-se previamente de maneira nítida. O Antigo Testamento prevê com clareza o destino tormentoso dos judeus, e o Novo anuncia a autodecomposição da Igreja, que hoje, diante dos nossos olhos, enche de temor as almas dos crentes atônitos.
Na história profana, os símbolos vêm encobertos por densas camadas de confusão metonímica. A progressiva manifestação do seu significado simula, no quadro histórico maior, a evolução de uma neurose desde um trauma de infância longamente esquecido.
Assim como Hegel falava de uma “astúcia da Razão”, que conduzia os homens sem que eles o percebessem, pode-se perfeitamente falar de uma “astúcia do inconsciente”, em que os símbolos carregados de esperança guiam a humanidade em direção a catástrofes e sofrimentos.
Um exemplo é o projeto socialista, que se apresenta como “socialização dos meios de produção”, em nome de uma “sociedade sem classes”. Por trás desses slogans, o socialismo é substantivamente a unificação do poder político com o poder econômico, dissolvendo uma das principais garantias da liberdade na sociedade capitalista e anunciando a formação de uma superclasse governante onipotente e praticamente indestrutível.
A profecia embutida não é discernível só na formulação das teorias e propostas, mas também nos símbolos que as condensam para a imaginação popular. De algum modo, a letra do hino da Internacional comunista, composta em 1871 por Eugène Pottier e posta em música em 1888 por Pierre De Geyter– a qual, até hoje, fascina a mente das multidões militantes com a imagem da bela sociedade igualitária – já contém, na primeira estrofe, o anúncio da debacle apocalíptica que veio a constituir a história do comunismo. Mesmo após a queda da URSS, no entanto, essa profecia continua tão mal compreendida que muitos tentam ainda realizá-la por meios novos, mais inventivos e desnorteantes, enganando-se a si mesmos com  feroz devoção, ainda mais intensa e louca do que aquela que guiou os pioneiros da ditadura soviética.
A o conclamar ao grande empreendimento da revolução socialista os “danados da terra” e os “condenados da fome” (les damnés de la terre, les forçats de la faim), o poema já insinua que quem os convoca à ação é, hegelianamente, “a Razão!, a deusa inspiradora de 1789. Mas de onde vem a voz dessa divindade? La raison tonne en son cratère: a Razão faz-se ouvir como o ronco temível de um trovão que não vem dos céus, mas das profundezas de uma cratera. Ela é aí concebida, com toda a evidência, não como um ideal superior que acena aos homens desde uma altura divina, mas como uma força ctônica, subterrânea, infernal.
Há uma lógica dentro dela, mas é a lógica da astúcia demoníaca, a mesma com que Satanás surpreende o poeta no Inferno de Dante: “Não imaginavas que eu também fosse lógico”. A inevitabilidade interna do processo que inspira e dirige a ação das massas acaba indo, de fato, numa direção imprevista e catastrófica, mas nem por isso menos encadeada, com rigor implacável, a uma premissa obscura e mal compreendida.
Nem mesmo a geração de comunistas que foi levada ao desespero e até ao suicídio pela revelação dos crimes soviéticos em 1956 chegou a atinar, retroativamente, com a lógica trágica imanente ao ideal socialista. Todos explicaram o desastre como fruto acidental de traições e desvios, sem notar que com isso desmentiam no ato  sua própria teoria da necessidade histórica, na qual o acaso e os caprichos individuais contam muito pouco, ou quase nada.
O verso seguinte é ainda mais eloquente: C’est l’éruption de la fin. O fim emerge do ventre de um vulcão. Fim do quê? O verso não diz. A recepção metonímica aceita, sem exame, que é o fim das injustiças. Mas a expressão “o fim”, desacompanhada de um genitivo explícito, anuncia somente morte e destruição.
E as palavras que vêm em seguida ressoam com um tom ainda mais sinistro: Du passé faisons table rase: apagar o passado, falsificar a história em nome de um apelo estimulante,  tem sido, de fato, uma das principais ocupações da historiografia oficial esquerdista, induzindo as massas a entregar-se entusiasticamente à busca de um propósito cuja raiz desconhecem e cujos frutos, por isso, sempre hão de surpreendê-las com o sabor amargo de um enigma diabólico.

Última dúvida

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 18 de abril de 2013

          

Desde que o PT começou a despejar no Youtube os vídeos das assembleias do Foro de São Paulo, só resta uma última dúvida essencial quanto a essa sinistra entidade:

saber se aqueles que durante dezesseis anos negaram a sua existência ou menosprezaram a sua força política fizeram isso por inépcia pura ou por deliberada cumplicidade com uma operação golpista que, na época, precisava desesperadamente do segredo para poder crescer em paz e dominar todo um continente sem que este se desse conta do que estava acontecendo.

Na primeira hipótese, devem ser excluídos de seus altos cargos nos órgãos de mídia, se não da profissão jornalística em geral. Na segunda, devem ser processados e punidos pela maior fraude jornalística da história deste país.

Incluo nessa dúvida cruel aqueles que, quando a ocultação foi se tornando cada vez mais inviável, depois do III Congresso do PT, em 2007, passaram a falar do Foro como se fosse notícia banal e de domínio público, sem nem mesmo pedir desculpas aos leitores por havê-los mantido por tanto tempo na total ignorância daquilo que, nas sombras, ia decidindo o destino político desta nação e de muitas outras – o destino de centenas de milhões de seres humanos.

Porém o mais asqueroso nessa história não é que esses indivíduos tenham assim procedido. Incompetentes nasceram para errar, mentirosos nasceram para mentir. Como na piada do escorpião e do pato, está na sua natureza.

O mais asqueroso é que os leitores, sabendo-se ludibriados, cientes do proveito político e financeiro que tantos obtiveram do engodo, não se mobilizem nem mesmo para exigir uma explicação, quanto mais para punir os que os enganaram.

Por que, depois de receber tantas provas de uma desonestidade jornalística completa e pertinaz, continuam comprando, lendo e até acreditando em jornais que não servem nem como papel higiênico, pois sujariam os traseiros em que se esfregam? Por que não enviam ao menos uma queixa, por modesta que seja, à Delegacia do Consumidor? Por que se deixam engabelar tão servilmente, quase alegremente, pelo mais cínico e monumental dos engodos, ao mesmo tempo que se dizem tão inconformados, tão indignados quando um deputado ou vereador lhes impinge uma treta imensuravelmente menor e menos danosa?

Por que reclamam tanto do Mensalão, quando é patente que os lucros totais da trama continental urdida em silêncio ultrapassam milhares de mensalões e que sem ela não teria podido haver Mensalão nenhum?

 Por que falam tanto mal da ditadura implantada por Hugo Chávez, contrastando-a com a linda democracia brasileira, quando o próprio sr. Luís Ignácio Lula da Silva confessou que o Foro de São Paulo, sob o seu comando, foi o criador dessa aberração e o responsável pela sua manutenção no poder?

Quando um povo perde tão completamente o senso das proporções na avaliação dos delitos e traições, é porque já não tem nenhuma capacidade de governar-se a si mesmo, é porque já perdeu a vergonha de entregar-se, inerme,  sonso e dócil, nas mãos dos embusteiros e vigaristas que aprendeu primeiro a temer, depois a respeitar, por fim a amar e idolatrar. E, quando chega a esse ponto, já não há mais como defendê-lo. Para ocultar a culpa do crime que comete contra si mesmo, ele se voltará contra quem se erga em sua defesa – e o devorará.

ARITMÉTICA

O sr. Eduardo Galeano louvou recentemente  como suprema realização de Hugo Chávez a alfabetização de dois milhões de crianças. Realização tão majestosa, diz ele, que despertou contra o ditador venezuelano o ódio dos Estados Unidos.

Deixemos de lado a hipótese, entre insana e pueril, de que o governo Obama tivesse interesse vital no analfabetismo venezuelano. O pitoresco no episódio é o aspecto quantitativo. O jornalista uruguaio, que escreve como um ginasiano, prova que em aritmética não passou do primário, se é que esteve lá. Dois milhões de crianças, em quinze anos de governo, são rigorosamente nada. O Brasil, que não é nenhum primor em matéria de educação, alfabetiza mais de dez milhões por ano.

MACHISTAS

A ânsia perversa de criminalizar quem não podem vencer num confronto de ideias é, como já assinalei, uma das marcas mais características das mentes esquerdistas. Numa revistinha muito chinfrim, chamada Fórum, uma repórter de QI 12 me apresenta como mentor influentíssimo de um grupo de machistas psicóticos que adoram tratar mulheres a tapas e pontapés – o mesmo grupo que há alguns anos expulsei da minha comunidade no Orkut precisamente porque insistia em invadir aquele espaço para ali ensinar essa mimosa prática.

Em comentário, uma feminista enragée informa até que estou sendo investigado pela Polícia Federal pela minha participação – telepática, suponho – nessa quadrilha de patetas furiosos. Se fosse verdade, seria boa notícia: antes a polícia vir me procurar do que eu ter o trabalho de ir até lá para prestar queixa contra as duas.

FEMINISTAS

Uma coisa notável nas feministas mais brabas é sua crença cega de que quem quer que critique o seu movimento é um machista, virtual agressor de mulheres, no mínimo um adorador do próprio pênis. Nenhuma delas parece ter a menor noção de que, do ponto de vista cristão – o mais conservador, e portanto a seus olhos o mais abominável -– tanto o feminismo quanto o machismo são pecados abjetos, de vez que não passam do bom e velho “orgulho da carne” apresentado em duas versões aparentemente antagônicas.

Mutatis mutandis, o mesmo aplica-se a “orgulho gay” e “orgulho hetero”.  Tudo isso são marcas de uma doença moral horrível, sintoma de uma época que cultiva a baixeza como um título de glória.

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