Yearly archive for 2011

Fora de páreo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 20 de junho de 2011

Em artigo recentemente publicado no Estadão (http://www.estadao.com.br/noticias/geral,a-direita–o-papagaio-e-o-facao,726992,0.htm), Eugênio Bucci, que se diz professor universitário e, pior ainda, talvez o seja realmente, denuncia, com horror sacrossanto, a emergência de uma nova direita que tem o desplante, a arrogância, a intolerável empáfia de ir além do limite que lhe foi fixado pela esquerda – a defesa da economia de mercado – e externar opiniões até mesmo em assuntos morais, culturais e filosóficos.

Contra esse abuso criminoso das liberdades civis, Bucci não perde tempo refutando argumentos: dispara contra o objeto de sua indignação cívica o arsenal inteiro dos chavões consagrados (“intolerância”, “xenofobia”, “anacronismo”, “sanha persecutória”, “fundamentalismo”, “prepotência”, “extremismo”, “retrocesso”, etc. etc.) e sai todo satisfeito, acreditando que disse alguma coisa.

Incapaz de fornecer um só exemplo concreto de ação ou opinião que mereça esses rótulos, ele apela à clássica inversão revolucionária de ataque e defesa, qualificando de “perseguição aos homossexuais no Congresso” o esforço que católicos e evangélicos têm feito para defender-se de uma lei inventada com o propósito explícito de levá-los todos à cadeia por “crime de homofobia”. Inversão tanto mais insultuosa e ridícula porque, no caso, o perseguido tem a força do governo, da grande mídia, do show business e do establishment universitário, enquanto o perseguidor não tem sequer a totalidade dos púlpitos nas igrejas. O lobo da fábula inventou mil e uma contra o cordeiro, mas não o acusou de persegui-lo.

Esquivando-se ao debate com representantes nacionais da tal direita, dos quais parecia estar falando, Bucci ataca à distância a sra. Marine Le Pen por defender a opinião hediondamente direitista de que o escândalo Strauss-Kahn revela algo da podridão moral da classe política francesa – como se não fosse prática geral, centenária e obrigatória, entre esquerdistas, apontar cada sem-vergonhice pessoal de líderes, governantes ou empresários como prova da ruindade intrínseca do capitalismo.

Chega a ser admirável o despudor com que o articulista do Estadão ostenta em público sua incapacidade (ou recusa) de raciocinar com algum senso de eqüidade, de justiça, de equilíbrio. “O fato de ser acusado de um crime sexual não transforma Strauss-Kahn no representante de uma elite estupradora”, protesta ele (fingindo ignorar que a noção mesma de “elite estupradora” é uma invenção da esquerda feminista), e já dois parágrafos adiante joga sobre nós, os porta-vozes daquilo que ele chama “direita histriônica”, a responsabilidade por “assassinatos de líderes ambientalistas”, como se o fato de escrevermos contra a União Européia ou a PL-122 nos transformasse em mandantes de crimes no interior do Brasil. O desejo irrefreável de imputar culpas mediante associações fantasiosas já é imoral o bastante, mas Bucci soma à calúnia o insulto quando reconhece que os autores daqueles crimes jamais foram descobertos, donde se conclui que, na cabeça dele, a total incerteza quanto aos agentes materiais do delito é fonte de certeza quanto aos seus culpados intelectuais remotos. Será exagero meu dizer que esse professor de moralidade tem um senso moral pervertido, baseado em ódio insano e sem o mínimo controle racional?

Mas, hiperbólico e desgovernado o quanto seja nos seus julgamentos morais, Bucci não é destituído daquele senso de autopreservação que é, na esfera da mesquinharia humana, a versão caricatural da prudência evangélica. Ao fulminar a direita no tom de um Júpiter tonitroante, ele não ousa citar por nome um só teórico ou polemista da execrada corrente. Limita-se a aludir de passagem ao deputado Jair Bolsonaro, que não é nem uma coisa nem a outra e que, sendo pessoa alheia aos debates intelectuais, não lhe oferece o menor perigo de um revide.

Escrevendo com os típicos esgares patéticos de quem se esmera na ginástica impossível de alegar indiferença superior enquanto gesticula e berra para infundir na platéia o temor de um perigo iminente, ele torna ainda mais problemática essa operação, já de si complexa, ao fundi-la com o esforço teatral de fingir coragem ante adversários que ao mesmo tempo insiste em conservar ausentes, anônimos e abstratos. Quando ele os chama “histriônicos”, é impossível não ver nisso o mecanismo grosseiro e típico da acusação projetiva.

Se o estilo é o homem, Eugênio Bucci está definitivamente fora de páreo em qualquer debate sério. Falta-lhe franqueza, consistência e aquele mínimo de controle autocrítico sem o qual o melhor mesmo é só puxar discussão com entidades genéricas, fugindo ao confronto com interlocutores de carne e osso.

A raposa e o tigre

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 13 de junho de 2011

A opinião de Mário Vargas Llosa, segundo a qual a eleição de Ollanta Humala é “uma grande vitória da democracia”, não tem nem o mais mínimo fundamento objetivo e desperta no observador a tentação de explicá-la por motivos psicológicos, pessoais. Nada, nada neste mundo, exceto um viés subjetivo imantado de forte carga emocional justifica a presunção de que o fujimorismo é mais perigoso para a democracia do que o Foro de São Paulo. No mínimo, no mínimo, há o fato de que Alberto Fujimori foi removido do poder e condenado pela Justiça, e nada de semelhante aconteceu ou pode acontecer jamais aos membros e amigos do Foro, ainda que cometam, como de fato cometem, crimes infinitamente maiores que os do ex-presidente peruano. Também não é preciso ser nenhum Prêmio Nobel de Literatura para entender que o fujimorismo é um fenômeno local, sem extensões fora do Peru, ao passo que o Foro é, por definição, o comando estratégico da revolução comunista em escala continental, apoiado por uma rede de conexões internacionais que vai desde as fundações americanas bilionárias até a KGB e a máfia russa espalhada pelo mundo. Rejeitar Keiko Fujimori e escolher alegremente Ollanta Humala é expulsar a raposa para entregar a gerência do galinheiro a um tigre.

Um tigre não se torna menos tigre por vir de unhas pintadas. Que Humala tenha, para fins de propaganda, preferido copiar antes o modelito soft de Luís Inácio Lula da Silva do que as caretas ameaçadoras de Hugo Chávez é um detalhe cosmético a que só mentalidades frívolas podem dar algum valor. Lula foi o criador e é ainda o mentor do Foro de São Paulo, o comandante-em-chefe de uma entidade proteiforme que, atendendo tão somente às suas necessidades táticas de momento e lugar, alterna com a maior indiferença os meios de ação mais diversos e heterogêneos, da sedução ao assassinato em massa, da camuflagem rósea à intimidação explícita, dos afagos aos seqüestros. O próprio Luiz Inácio já confessou tantas vezes a unidade estratégica do Foro de São Paulo por trás da variação de suas aparências locais, que a recusa de enxergá-la só pode ser obra da mendacidade consciente, de uma burrice política imperdoável ou de uma hábil mistura desses dois elementos.

Como essa mistura se produziu no cérebro de Mário Vargas Llosa é um enigma que deixo para seus futuros biógrafos. O ódio de muitas décadas a Alberto Fujimori, mesmo acrescido do ressentimento de concorrente derrotado nas eleições de 1990, não bastaria para destruir totalmente o senso das proporções em massa neuronal tão privilegiada. Não, a explicação psicológica não resolve. Mais razoável é apelar à sociologia: ao emitir sua opinião insensata, Vargas Llosa talvez estivesse menos expressando um sentimento pessoal do que repetindo um scripttradicional, característico de uma certa classe de pessoas.

Vargas Llosa é, com toda a evidência, um daqueles inumeráveis intelectuais ex-comunistas que não tiveram a coragem de abraçar a causa anticomunista com a mesma intensidade, com o mesmo entusiasmo, com o mesmo comprometimento integral com que um dia serviram ao Partido. Tomar birra da ditadura comunista é uma coisa. Outra, bem diversa, é tornar-se um Arthur Koestler, um Vladimir Bukovski, um Whittaker Chambers. O preço, aí, é alto demais. Muitos são os que não querem pagá-lo. Ao contrário, sua ruptura com o comunismo, parcial, mediada e cheia de reservas, é antes de tudo um salvo-conduto para continuar combatendo “a direita” mais eficazmente ainda, sem poder ser acusados de fazê-lo em proveito de ditaduras de esquerda, ainda que dando força a estas últimas em momentos estratégicos decisivos (como a eleição de mais um pau-mandado do Foro de São Paulo), ungindo-as com o óleo bento do “antifascismo”.

A História já demonstrou mil vezes que isso de “ex-comunista” simplesmente não existe. Ou o sujeito se torna anticomunista professo, aceitando posar de monstro e inimigo público ante a mídia chique, ou apenas muda de cargo na hierarquia comunista, passando de militante a companheiro de viagem. Este último posto tem a vantagem de uma certa liberdade de opiniões, contanto que seu ocupante só fale contra o comunismo em termos doutrinais e genéricos, mas o apóie, com ares superiormente neutros, nas horas de necessidade, entre as circunstâncias reais e concretas da luta pelo poder.

É francamente estúpido argumentar, como o comentarista espanhol Martín Santiváñez Vivanco semanas antes das eleições, que “só na democracia se pode e se deve vencer o terrorismo, porque só assim uma vitória completa alcança legitimidade”. Álvaro Uribe, que combateu o terrorismo preservando a normalidade constitucional democrática, não é menos odiado, nem menos atacado na mídia internacional, nem menos perseguido nos tribunais, do que Augusto Pinochet, que o fez pela ditadura, ou do que a dupla Fujimori-Montesinos, que o fez pela violência somada à corrupção. Fujimori já era execrado por toda parte muito antes que seus delitos viessem a público. Foram suas vitórias contra o terrorismo de esquerda que fizeram dele a “bête noire” em que se tornou, desencadeando contra sua pessoa a fúria investigativa que a grande mídia jamais voltou contra o Foro de São Paulo, a máfia de Havana ou os agentes financeiros da KGB em ação na América Latina.

Qualquer governante, democrático ou ditatorial, honesto ou desonesto, que ouse erguer a mão contra a esquerda armada será necessariamente estigmatizado e hostilizado pela opinião bem-pensante, pelo simples fato de que, se nesta abundam comunistas, não-comunistas e ex-comunistas, nela não há lugar – nenhum lugar – para anticomunistas.

“Panorama Mercantil” entrevista Olavo de Carvalho

Entrevista com Olavo de Carvalho

Panorama Mercantil, 7 de junho de 2011

“Barack Obama é um semi-analfabeto”. Esta é a visão de um dos intelectuais mais polêmicos do Brasil, que conta com o privilégio de analisar o país “do lado de fora”,e ainda diz com uma convicção crua e nua que o leitor brasileiro é bombardeado por análises que dão dó.

Por Eder Fonseca

Em um país onde a hipocrisia reina, ter coragem para divulgar e ainda discutir idéias que muitas vezes não são combatidas é quase uma agressão física. Mas para o filósofo Olavo de Carvalho isso não é regra. Homem de grande capacidade intelectual, é um crítico do modo como a política é tramada, não só nacionalmente como no expectro internacional. Para o mesmo,o presidente dos Estados Unidos Barack Obama,não passa de um semi-analfabeto à altura do ex-presidente Lula. Diz também que o deputado mais burro do Parlamento Europeu,comparado aos nossos ministros, deputados e senadores é um Aristóteles redivivo.
Quando perguntado se a grande mídia é de direita, ele afirmou que no máximo ela é tucana, e essa afirmação ele não faz como um leigo no assunto, pois já trabalhou em orgãos da imprensa gigante e mandatária entre os quais podemos distacar a revista ‘Bravo!’, a extinta ‘Primeira Leitura’, além dos jornais ‘O Globo’, ‘Zero Hora’, ‘Jornal do Brasil’ e revista ‘Época’ (desses últimos quatro, ele diz que não foi mandado embora mais sim chutado).

Atualmente ele mora em uma zona rural de Richmond, cidade que fica no estado da Virgínia nos EUA, de lá ele é um dos mentores do site Mídia Sem Máscara (que recebe apoio financeiro da Associação Comercial de São Paulo) (Nota: equívoco do jornalista. O MSM não recebe nenhum apoio financeiro da ACSP), mantém o seu programa periódico de rádio em streaming pela internet, denominado True Outspeak ou traduzido para o bom português ‘Sinceridade de Fato’, com participação do público por telefone, Volp ou email, além de colaborar também com o jornal mineiro Diário do Comércio, onde atua como correspondente internacional.

Escreveu prefácios e posfácios de grandes pensadores como Otto Maria Carpeaux, Mário Ferreira dos Santos entre outros.

Leia a partir de agora,a entrevista desse senhor que é um dos poucos brasileiros que são capazes de criticar o músico e compositor Chico Buarque de Hollanda,endeusado pela maioria do povo brasileiro e que desperta a ira de antigos pares,como o economista Rodrigo Constantino que o chamou de vaidoso,e do jornalista Sebastião Nery, que afirma que ele jamais poderia ser chamado de filósofo, pois lhe falta o diploma dessa ciência.


Panorama Mercantil – Existem muitos charlatães no meio acadêmico brasileiro?

Olavo de Carvalho – Sim, creio que eles são mesmo predominantes nesse meio. Só para lhe dar um exemplo: é quase impossível encontrar hoje em dia uma tese de mestrado ou de doutorado que não venha carregada de erros de português os mais grosseiros e escabrosos. Um sujeito que não domina o próprio idioma não pode, por definição, dominar nenhuma disciplina acadêmica. Deveria ser enviado de volta ao ginásio ou mesmo ao curso primário. Um ministro da Educação que não sabe soletrar a palavra “cabeçalho”, um chefe de departamento universitário que escreve “Getulio” com LH, são exemplares típicos da corja de vigaristas e farsantes que hoje domina o ensino superior no Brasil. Se essa amostragem lhe parece muito pequena, lembre-se do “Dicionário Crítico do Pensamento da Direita”, obra de cento e tantos professores tidos como alguns do melhores nas suas especialidades, onde cada um demonstrou um meticuloso desconhecimento do assunto. Há, é claro, alguma distância entre a mera incompetência e o charlatanismo. Mas a epidemia de incompetência veio junto com um aumento terrível do poder e da autoridade dos professores universitários, que hoje reinam como déspotas sobre multidões de alunos devotos e atemorizados – algo que, para quem chegou à vida adulta nos anos 60, parece de um ridículo sem fim. A incompetência, quando aliada à arrogância e à presunção, não se distingue mais do charlatanismo. Isso é regra geral no Brasil. As poucas pessoas sérias que restam no meio universitário sentem-se isoladas e impotentes, sonhando em sair do país.

Panorama – Os nossos políticos são piores ou iguais aos do exterior?

Carvalho – Não há comparação possível. Só para lhe dar um exemplo: desses ministros, deputados e senadores brasileiros que vêm aos EUA, nenhum sabe falar inglês nem o bastante para pedir um cachorro-quente na lanchonete da esquina. Nosso alto funcionalismo público já foi um dos mais competentes do mundo, mas hoje é uma desgraça. Nos EUA, a exigência de boa formação cultural para os líderes políticos é tão implacável, que Barack Obama, um semi-analfabeto digno de competir com o Lula, teve de falsificar um currículo universitário e posar de autor de um livro escrito por William Ayers para poder ser aceito como candidato. Na Europa, então, nem se fala. O deputado mais burro do Parlamento Europeu, comparado aos nossos ministros e senadores, é um Aristóteles redivivo. A diferença é tão vasta, tão abissal, que ela escapa ao horizonte de visão dos brasileiros, até mesmo de classe alta. Ninguém aí percebe o oceano de ignorância, de inépcia e de incompetência em que o Brasil mergulhou, porque, quando o nível baixa, o critério de julgamento baixa mais ainda, ao ponto de considerarem que Dilma Rousseff é “uma mulher culta”. A diferença, de tão imensa, se tornou inapreensível.

Panorama – Existe alguma diferença entre o PT e o PSDB, ou eles são farinha do mesmo saco como se diz no linguajar popular?

Carvalho – Não são bem farinha do mesmo saco, são as duas lâminas opostas e complementares daquilo que Lênin chamava “a estratégia das tesouras”. Cortam por lados opostos, mas produzem uma figura planejada em comum. Veja, por exemplo, essa campanha obscena do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em favor da liberação das drogas. Dirigindo a questão para os aspectos jurídicos e econômicos mais gerais e abstratos, ele camufla o resultado político concreto que a liberação das drogas produzirá fatalmente: a ascensão das Farc à condição de empresa multinacional legítima e partido político legalmente constituído. Isso é a coisa mais clara do mundo. Liberado o comércio de drogas, quem dominará o mercado senão aqueles que já têm o controle absoluto da produção, da distribuição e dos pontos de venda? Transformar-se em empresa e partido, com uma via aberta para a conquista legal do poder, sempre foi o objetivo permanente das Farc, porque guerrilhas, por definição, não visam a uma vitória militar, e sim a uma vitória política. Dar-lhes essa vitória é o objetivo comum do governo e dessa oposição farsesca personificada em Fernando Henrique Cardoso. Não esqueça que PT e PSDB nasceram do mesmo grupo intelectual uspiano que agora domina o cenário político por dois lados.

Panorama – O senhor acredita que a grande mídia nacional é de direita?

Carvalho – A hipótese é ridícula. A grande mídia nacional, é, na mais ousada das hipóteses, tucana. Verifique por si mesmo: quantos jornais e canais de televisão defendem os valores morais tradicionais que são os da população brasileira? Quantos defendem o cristianismo contra os ataques gayzistas, feministas, etc.? A grande mídia apóia integralmente, fanaticamente, o programa cultural, psicológico e moral da esquerda mais radical, divergindo dela somente na questão da “liberdade de imprensa”, que envolve o seu interesse direto. Tal como no caso do PSDB, trata-se apenas de disputa de espaço dentro de um consenso geral esquerdista, e nunca de uma divergência ideológica séria. Pergunte a si mesmo: qual foi a última vez que um cristão conservador dirigiu um jornal ou canal de TV no Brasil? Você vai ter de procurar nos anos 50. Quantos colunistas cristãos conservadores ocupam espaço na grande mídia? Lembre-se da confissão de Luís Garcia, o diretor do Globo: quando o jornal já tinha uma centena de articulistas de esquerda, acharam bom contratar um – unzinho – que lhes parecesse de direita, para disfarçar um pouco, e mesmo assim trataram de chutá-lo fora quando ele começou a falar muito do Foro de São Paulo, numa época em que a mídia inteira jurara fazer silêncio para que essa entidade sinistra pudesse crescer em paz.

Panorama – É verdade que Bill Clinton, quando estudante, se beneficiou de verbas da KGB?

Carvalho – Não sei. O que é certo é que ele favoreceu o quanto pôde a espionagem chinesa nos EUA e, com a tal “Operação Colômbia”, ajudou as Farc a conquistarem o monopólio do comércio de drogas na América Latina. E recebeu milionárias contribuições de campanha do governo chinês. Perto disso, embolsar dinheiro da KGB quando estudante seria apenas um pecadinho de juventude.

Panorama – Barack Obama é um fantoche de Wall Street e das grandes corporações norte-americanas?

Carvalho – Não. Barack Obama é um fantoche da elite globalista, a qual não é a mesma coisa que “as grandes corporações”. Essa elite compõe-se de grandes fortunas que já se libertaram há muito tempo de toda concorrência capitalista e hoje buscam dominar o mundo por meio de controles burocráticos que a tornam uma aliada natural dos movimentos de esquerda. O “Consórcio”, como costumo chamá-lo, precisa dos EUA como seu apoio militar, mas ao mesmo tempo precisa debilitar o poder nacional americano e subjugá-lo a controles burocráticos internacionais. É uma situação perigosa e ambígua, que tem de ser manipulada com muita sutileza e infinitos cuidados. Na grande mídia brasileira, você não encontrará um só analista político que entenda alguma coisa do jogo de poder nos EUA. Sobretudo a alternância de disputa e ajuda mútua que se vê entre a elite americana e a revolução islâmica. O mesmo governo que gasta uma fortuna imensa para localizar e matar Bin Laden gasta outro tanto para elevar ao poder, na Líbia, no Egito, etc., a Fraternidade Muçulmana, comando geral do anti-americanismo no Oriente Médio. O esquematismo bocó dos nossos analistas políticos, fruto da pseudo-cultura esquerdista que os formou, não lhes permite compreender nada dessas sutilezas. Os leitores brasileiros são diariamente alimentados com uma ração de imbecilidades provincianas que, vista do exterior, é de fazer dó.

Panorama – Por que a filósofa Marilena Chauí é uma professora de ginásio?

Carvalho – Não acho que ela sempre tenha sido isso. Seu livro sobre Spinoza, obra de juventude mal recauchutada na idade matura, mostra que ela tinha algum talento quando começou. Ao longo do tempo, porém, ela se deixou imbecilizar pelos compromissos políticos que foi assumindo, ao ponto de se tornar, já não digo uma professora de ginásio, mas uma animadora pedagógica de escolinha do MST. O que eu tinha a dizer sobre ela já foi dito no meu artigo “O Chicote da Tiazinha”. Leia e veja se estou exagerando.

Panorama – Leandro Konder é mesmo um propagandista barato?

Carvalho – Não. É um homem de talento que se deixou rebaixar a essa condição por comodismo, desejo de afeição, saudosismo e tudo o mais que corrompe um ser humano e faz dele um escravo da sua geração, ou patota de juventude. A intelectualidade esquerdista tem uma capacidade de envolvimento, uma espécie de grude que se cola nas pessoas e destrói suas almas a golpes de lisonja e de chantagem emocional. Até mesmo o grande Otto Maria Carpeaux, um homem de gênio, terminou seus dias como um bobão, um office boy do Partido Comunista que ele intimamente desprezava. Leia a minha introdução ao volume I dos Ensaios Reunidos e verá do que estou falando. Por que o Leandro Konder, uma personalidade muito mais fraca do que o Carpeaux, iria resistir melhor a essa máquina de moer cérebros?

Panorama – O senhor talvez seja um dos poucos brasileiros que dizem que o cantor Chico Buarque é tão significativo antropologicamente quanto à extinta Banheira do Gugu. Como chegou a essa conclusão?

Carvalho – Chico Buarque de Hollanda é um sambista que encontrou um dicionário de rimas na biblioteca do pai e fez umas letras que, na terra do Teixeirinha, pareciam sofisticadas. Isso é tudo. Não é um poeta de maneira alguma; está, rigorosamente, fora da literatura. Para perceber isso, é preciso ter lido Mallarmé, Saint-John Perse, Ungaretti, Yeats e, de modo geral, a grande poesia universal. Ele mesmo disse, numa de suas letras de samba: “Quem não conhece não pode reconhecer.” Ele escreve para um público que não tem a menor experiência da grande poesia e que, por isso mesmo, o aceita como poeta. A importância desmedida que se dá a seus escritos é mais um sinal da miséria cultural brasileira, mas essa mesma miséria impede que as pessoas a percebam. Diga você mesmo, sinceramente, se tem a formação literária requerida para distinguir entre poesia e pseudo-poesia. O provincianismo brasileiro chegou àquele ponto em que o caipira não consegue imaginar nada fora da sua província e acha que está em Atenas. O Brasil simplesmente já não tem uma elite intelectual capaz de perceber as coisas com suas devidas proporções.

Panorama – Não existe nada que o senhor goste nas idéias de esquerda?

Carvalho – A pergunta é um pouco simplória. “A esquerda” é uma tradição cultural e política com mais de duzentos anos de existência, coisa de uma complexidade e riqueza quase inabarcáveis, e, mesmo que se esforçasse muito para fazer só porcaria, teria necessariamente de produzir alguma coisa boa nesse ínterim, ao menos por equívoco. Quando penso “a esquerda”, o que vem à minha mente é algo de imensamente mais vasto do que aquilo que se entende pelo termo nesse favelão intelectual que é o Brasil. “A esquerda” é, por exemplo, Charles Péguy, é Jules Michelet, é John Ruskin, é Heinrich Heine, é José Ingenieros. Nem o mais empedernido dos reacionários pensaria em jogar tudo isso fora. Quantas páginas de Lênin, de Marx, de Gramsci, não li com grande satisfação! Faça a sua pergunta a algum cabo eleitoral, não a um homem de estudos.

Panorama – O senhor não considera legítima a luta do MST?

Carvalho – Não é uma questão de legitimidade. É uma questão de receita e despesa. O MST custa uma fábula aos cofres públicos e não contribui em nada nem mesmo para o sustento dos seus próprios membros. Enquanto isso, o tão abominado agronegócio fornece aos brasileiros comida abundante e barata, tapa os rombos da balança de pagamentos e ainda leva pedradas e cuspidas da turma do MST. O MST tem tanto a ver com agricultura quanto eu com a criação de tatus. Aquilo é uma comedeira de dinheiro, uma sem-vergonhice total e, pior, acabou se tornando mais um instrumento para a penetração das Farc no Brasil. “Legitimidade” é um valor abstrato que não tem nada a ver com o caso. No Brasil, “pensar” tornou-se sinônimo de aderir genericamente a símbolos abstratos e ostentar distintivos. Isso é coisa de retardado mental.

Panorama – O que mais prejudicou a humanidade: a ciência, os bancos ou as religiões e por quê?

Carvalho – Faça as contas. O movimento revolucionário, que prometeu nos libertar de todos os males do mundo, matou mais gente, em dois séculos, do que todas as epidemias, terremotos, furacões e guerras desde a origem da espécie humana. Some Revolução Francesa, Revolução Mexicana, Revolução Russa, Revolução Chinesa, etc., e compare com as demais causas de mortandade, incluindo guerras. Nada se compara, em capacidade mortífera, aos construtores de “um futuro melhor”. Não é uma questão de opinião. É uma questão de números. Perto disso, acusar as religiões ou a ciência é de uma hipocrisia sem par.

Panorama – O economista Rodrigo Constantino disse que sua vaidade é maior que o seu fanatismo religioso. O que tem a dizer sobre isso?

Carvalho – Um sujeito que começa uma conferência gabando-se dos belos resultados do seu último regime de emagrecimento não deveria chamar ninguém de vaidoso. Constantino é um moleque bobo e nada do que ele diga sobre o que quer que seja tem a mais mínima importância.

Link: Entrevista de Olavo de Carvalho ao site Panorama Mercantil

 

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