Yearly archive for 2011

Brilhando no Youtube

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 11 de julho de 2011

A facilidade, a leviandade, a segurança de si com que todo imbecil se gaba de ter “opiniões próprias”, de ser “independente de ideologias”, de “pensar com a própria cabeça”, etc., é apenas a prova cabal de que a educação pública, do primário à universidade, não transmite aos cidadãozinhos nem uma migalha sequer daquilo que precisariam saber para poder pensar razoavelmente sobre política, moral e assuntos congêneres.

A linguagem é a armadura do pensamento. O que não cabe nela desaparece da memória em poucos segundos, mesmo na hipótese remota de que por momentos tenha sido percebido com clareza. Excetuada a hipótese de que você seja um Holbein, um Velásquez, um Escher, capaz de fixar em imagens uma intuição complexa, os limites da sua capacidade pensante estão rigidamente delimitados pelo seu domínio – ou falta de domínio – da língua falada e principalmente escrita.

Um pensamento pessoal requer, antes de tudo, uma linguagem pessoal. Não há espetáculo mais patético que o de um arremedo de “opinião própria” expressando-se mediante chavões e lugares-comuns da língua geral, confessando, no ato mesmo de proclamar autonomia, a sua total dependência das opiniões correntes, padronizadas, iguais às da platéia do Faustão.

Observo isso na quase totalidade dos sapientíssimos pareceres que circulam no Orkut, no Facebook, no Youtube e numa infinidade de blogs sobre aquilo que seus autores imaginam ser minhas idéias e opiniões.

Meus amigos, almas sádicas e perversas, enviam-me toneladas desse material, sob a desculpa de me fazer rir. Não sabem o trabalho que me dão. Penetrar os meandros da estupidez humana, compreender o modus pensandi de um cretino, é tarefa mais árdua que a de ler Hegel ou Aristóteles. Hegel e Aristóteles, afinal, são filósofos, o que significa que cada linha de seus escritos remete a um núcleo unitário de preocupações, o qual, uma vez apreendido, esclarece todo o resto – até mesmo os trechos ambíguos e incoerentes.

Já o pensamento de um imbecil é o reflexo do seu estado momentâneo, inspirado por coisas que ele ouviu falar mas das quais já não se lembra. Sua mente é um caleidoscópio de estilhaços, expressão fortuita de uma alma dispersa e fragmentária, cuja pouca e frágil unidade vem apenas dos automatismos consagrados que ele, imaginando serem criações suas e originalíssimas, repete com a fidelidade de um copy and paste. Por trás de cada uma dessas “opiniões pessoais” há uma identidade coletiva que permanece inconsciente e, desde as sombras, manipula o infeliz para fazê-lo acreditar que ele é ele mesmo.

Não espanta que, nessas condições, tudo o que o distinto pode fazer consista nestas quatro coisas, juntas ou separadas:

1. Catalogar minhas opiniões na gama paupérrima das classes estereotipadas que ele conhece, as quais, para ele, constituem tudo o que existe.

2. Fazer a lista daquilo que, no entender da criatura, aprovo ou desaprovo. Ser “a favor” ou “contra”, gostar ou desgostar, é, nessa cosmovisão de jurados de TV, a atividade essencial ou única da inteligência humana.

3. Negar uma ou duas frases minhas ditas num programa de rádio e sair proclamando: “Derrotei o Olavo de Carvalho.”

4. Na impossibilidade de realizar qualquer dos três feitos anteriores, ou na eventualidade de não ter obtido com eles o desejado alívio dos maus instintos, resta a hipótese de repetir, com um tremendo sentimento de originalidade, alguma das rotulações postas em circulação cinco ou dez anos atrás por Sebastião Nery, Janer Cristaldo, Mário Augusto Jacobskind, Rodrigo Constantino ou qualquer outro de idêntico valor e estatura. Dirão então que sou vaidoso, arrogante, fanático religioso, boca-suja, filósofo entre aspas, astrólogo enrustido ou coisa assim. Feito isso, encerrarão o assunto voltando-se orgulhosamente para os lados da cozinha e gritando: “Mãe, olha eu no Youtube.”

The Pivot of History according to Halford J. Mackinder

Olavo de Carvalho

debateolavodugin.blogspot.com
, 6 de julho de 2011

Marginal note to the debate with Aleksandr Duguin

On January 25, 1904, the geographer and political scientist Halford J. Mackinder (1861-1947) presented to the Royal Geographic Society the thesis that Central Asia was the “pivot of History” and that in the following decades Russia, based on that area, was in a most advantageous position to expand its power. [1]


Halford J. Mackinder

With no intention of creating a general theory of History, or of postulating a geographical determinism à la Buckle, and rather recognizing that all he could do was to speculate about “some aspects” of the geographical determinants of the historical process, Mackinder stressed that geography imposed precise limits upon human initiative, favoring some actions and rendering others difficult.

The geographical configuration of the Russian steppe had specially favored the action of nomadic hordes which, coming from the depths of Asia, rode through the area on horseback to invade Western Europe. [2] The consequences of this had been portentous:

“A repellent personality performs a valuable social function in uniting his enemies and it was under the pressure of external barbarism that Europe achieved her civilization.” [3]

“For a thousand years a series of horse-riding peoples emerged from Asia through the broad interval between the Ural mountains and the Caspian sea, rode through the open spaces of southern Russia, and struck home into Hungary in the very heart of the European peninsula, shaping by the necessity of opposing them the history of each of the great peoples around—the Russians, the Germans, the French, the Italians, and the Byzantine Greeks.” [4]

What swayed the tides of fate in favor of the Europeans were two factors. First, the intrinsic limitations of the barbarians’ attack potential:

“That [the barbarian invasion] stimulated healthy and powerful reaction, instead of crushing opposition under a widespread despotism, was due to the fact that the mobility of their power was conditioned by the steppes, and necessarily ceased in the surrounding forests and mountains.” [5]

Secondly, the evolution of maritime technique, which inaugurated the era of the great navigations:

“The all-important result of the discovery of the Cape road to the Indies was to connect the western and eastern coastal navigations of Euro- Asia, . . . and thus in some measure to neutralize the strategical advantage of the central position of the steppe – nomads by pressing upon them in rear. The revolution commenced by the great mariners of the Columbian generation endowed Christendom with the widest possible mobility of power…

“The broad political effect was to reverse the relations of Europe and Asia, for whereas in the Middle Ages Europe was caged between an impassable desert to south, an unknown ocean to west, and icy or forested wastes to north and north-east, and in the east and south-east was constantly threatened by the superior mobility of the horsemen and camelmen, she now emerged upon the world, multiplying more than thirty-fold the sea surface and coastal lands to which she had access”. [6]

But this did not lead to the end of land-power. If this kind of power was concentrated in the East, while the West further developed maritime power, it was not only due to diversity of geographic conditions, but because of a difference of cultures:

“It is probably one of the most striking coincidences of history that the seaward and the landward expansion of Europe should, in a sense, continue the ancient opposition between Roman and Greek. Few great failures have had more far-reaching consequences than the failure of Rome to Latinize the Greek. The Teuton was civilized and Christianized by the Roman, the Slav in the main by the Greek. It is the Romano-Teuton who in later times embarked upon the ocean; it was the Graeco-Slav who rode over the steppes, conquering the Turanian. Thus the modern land-power differs from the sea-power no less in the source of its ideals than in the material conditions of its mobility.”

If the era of the great navigations had favored Europe, in more recent times, the evolution of technique indicated that land-power, hence Euro-Asia, received a fresh invigoration:

“A generation ago steam and the Suez canal appeared to have increased the mobility of sea-power relatively to land-power. Railways acted chiefly as feeders to ocean-going commerce. But transcontinental railways are now transmuting the conditions of land-power, and nowhere can they have such effect as in the closed heart-land of Euro- Asia, in vast areas of which neither timber nor accessible stone was available for road-making. . . The Russian army in Manchuria is as significant evidence of mobile land-power as the British army in South Africa was of sea-power.” [7]

In the medium term, everything favored Russian hegemony:

“The spaces within the Russian Empire and Mongolia are so vast, and their potentialities in population, wheat, cotton, fuel, and metals so incalculably great, that it is inevitable that a vast economic world, more or less apart, will there develop inaccessible to oceanic commerce.”

At this point came a decisive generalization, which would make Mackinder famous:

“As we consider this rapid review of the broader currents of history, does not a certain persistence of geographical relationship become evident? Is not the pivot region of the world’s politics that vast area of Euro-Asia which is inaccessible to ships, but in antiquity lay open to the horse-riding nomads, and is today about to be covered with a network of railways?
. . . Russia replaces the Mongol Empire. Her pressure on Finland, on Scandinavia, on Poland, on Turkey, on Persia, on India, and on China, replaces the centrifugal raids of the steppemen. In the world at large she occupies the central strategical position held by Germany in Europe. She can strike on all sides and be struck from all sides, save the north. The full development of her modern railway mobility is merely a matter of time.”
[8]

And the prediction that would become so influential on international politics in the twentieth century:

“The oversetting of the balance of power in favour of the pivot state, resulting in its expansion over the marginal lands of Euro-Asia, would permit of the use of vast continental resources for fleet-building, and the empire of the world would then be in sight. This might happen if Germany were to ally herself with Russia. The threat of such an event should, therefore, throw France into alliance with the over-sea powers, and France, Italy, Egypt, India, and Korea would become so many bridge heads where the outside navies would support armies to compel the pivot allies to deploy land forces and prevent them from concentrating their whole strength on fleets. . . . The development of the vast potentialities of South America might have a decisive influence upon the system. They might strengthen the United States…”


Notas:

1. Halford J. Mackinder, “The geographical pivot of History”, The Geographical Journal, No 4, April, 2004, Vol. XXIII, pp. 421-444. 

2. “Thus the core of Euro-Asia, although mottled with desert patches, is on the whole a steppe-land supplying a wide-spread if often scanty pasture, and there are not a few river-fed oases in it, but it is wholly unpenetrated by waterways from the ocean. In other words, we have in this immense area all the conditions for the maintenance of a sparse, but in the aggregate considerable, population of horse-riding and camel-riding nomads.” Op. cit. p. 429. 

3. P. 423. 

4. P. 427. 

5. Id. ibid. 

6. p. 432-433. 

7. P. 434. 

8. P. 435-36.

A glória de Obama

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 4 de julho de 2011

Exatamente como os pomposos negadores da existência do Foro de São Paulo acabaram se revelando uns pobres coitados, indignos de seus salários e de qualquer atenção pública, o mesmo destino aguarda, inelutavelmente, aqueles que hoje se recusam a enxergar a grotesca fraude documental com que um candidato inelegível usurpou a presidência dos EUA.

Pouca diferença há, nesse particular, entre quem faça piada dos birthers, fingindo uma certeza que não tem, e quem prefira a incerteza das meias-palavras, como se fugir à escolha entre a verdade e a mentira fosse prova de meritória imparcialidade.

Ocupando espaço na mídia ou pontificando do alto das cátedras, ambos esses tipos são fanfarrões desprezíveis, sem entendimento nem cultura, vivendo somente de poses e trejeitos, sem a mais mínima condição de compreender a matéria que são pagos para comentar e ensinar.

Não posso dizer o mesmo daqueles que, nos EUA, encobrem propositadamente os fatos, pois esses têm interesse político ou financeiro na manutenção do engodo. Mas seus imitadores brasileiros nada ganham com a mentira exceto a proteção temporária contra um ou outro risinho malicioso, sem suspeitar que este recairá sobre eles mais tarde, inflado em gargalhadas sarcásticas, quando a palhaçada a que serviram com abjeta e gratuita solicitude estourar no ar como uma bolha de sabão.

Nunca a diferença entre quem busca a verdade e quem se acomoda às verossimilhanças convenientes foi tão patente quanto neste caso.

Se a resistência dos fingidores é vasta, maciça, obstinada e cínica como jamais se viu, as provas contra Obama, por seu lado, são certas e irrefutáveis. A certidão de nascimento que ele mandou publicar, alardeando que com isso tapava a boca de seus acusadores, é falsa como uma nota de 32 dólares. Não tapou boca nenhuma. Ao contrário, deixou boquiabertos dezenas de técnicos que a examinaram, incrédulos ante a grosseria da forjicação, tosca como cola em prova escolar.

Pior: mesmo que conseguisse impingi-la como autêntica a uma platéia de sonsos, Obama estaria depondo contra si mesmo, ao confessar-se filho de um estrangeiro após ter aprovado a decisão unânime do Senado segundo a qual um candidato presidencial, para ser elegível, tem de ser filho de pai e mãe nascidos nos EUA.

Contra o poder do óbvio, Obama tem apelado às forças de uma popularidade declinante e à lealdade de uma tropa-de-choque que vai esgotando rapidamente seu arsenal de desconversas e histrionismos.

Mas há um elemento extra em favor dele. Embora a Constituição dos EUA seja clara em reservar a presidência aos “natural born citizen”, o fato é que nunca se criou nenhum mecanismo legal ou administrativo para verificar se um candidato cumpre ou não esse requisito. Não se criou porque não pareceu necessário. A Constituição americana, como dizia John Adams, foi feita só para homens dotados de séria consciência moral e religiosa, e não pode funcionar para outro tipo de pessoas. Os Founding Fathers simplesmente não podiam prever que algum dia um filho de estrangeiro seria cara-de-pau o bastante para se apresentar como candidato presidencial fingindo ignorar que é inelegível e apostando na possibilidade de que ninguém percebesse esse detalhe. Muito menos poderiam conceber que esse personagem teria o cinismo de usar documentos forjados e encomentar a um hábil ghost writer toda uma autobiografia fictícia para posar, ao mesmo tempo, de vítima do sistema, de alma santa e de grande escritor. Foi nessa brecha que Barack Hussein Obama introduziu sua irrisória pessoinha, aproveitando-se também da chantagem psicológica que carimbava como racista quem quer que se recusasse a votar num candidato nominalmente “negro” (ainda que biologicamente tão branco quanto negro). Se não foi o maior blefe da história humana, foi pelo menos o maior da história eleitoral americana.

Como todo blefe, esse depende da inibição de suas vítimas em denunciá-lo. Aí o medo de ser chamado de racista concorre, em poder paralisante, com a vergonha de reconhecer-se otário e o temor de admitir a vulnerabilidade do sistema político americano ante a investida de um simples vigarista audacioso.

O que não se sabe, o que somente o tempo dirá, é se o truque foi montado no intuito de manter a população no engano até o fim do mandato presidencial, conservando no cargo um inimigo ali posto com a finalidade consciente de demolir o poder nacional, ou se ao contrário foi concebido precisamente para ser denunciado a meio-caminho, lançando o país numa crise constitucional em pleno tempo de guerra. Provavelmente ambas as alternativas foram pensadas – e, se é para danar os EUA, qualquer das duas serve igualmente bem.

Mas, a esta altura, os fatos já não podem ser negados. Quanto mais o homem se remexe, mais se enrosca na rede de provas que o acusam. Judicialmente, não tem escapatória. Mais dia, menos dia, sua única saída será provavelmente a renúncia, seguida de uma longa viagem pelo Quênia, onde merecerá ser recebido como um herói popular: o bandidinho chinfrim que, com uma lorota boba, ludibriou e expôs ao ridículo o Estado mais poderoso do planeta. Bem medidas as proporções, é feito mais notável, pela originalidade e audácia, do que qualquer vitória eleitoral legítima. Se houvesse um Prêmio Nobel de Caradurismo, Obama levaria os de 2008, 2009, 2010 e 2011, todos de uma vez. Essa glória ninguém lhe tira.

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