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Sionei Ricardo Leão entrevista Olavo de Carvalho

“O PT já nasceu corrompido.” (Olavo de Carvalho)

Entrevista concedida a Sionei Ricardo Leão 

Jornal de Brasília, 31 de janeiro de 2010

Os escândalos que atingiram recentemente o DEM em Brasília e o PT na época do Mensalão são resultado de uma degradação da moral e da intelectualidade nacional que vem ocorrendo há duas décadas no País, analisa o filósofo Olavo de Carvalho. “Se o Brasil ficar assim mais cinco anos, ele não se levantará nunca mais”. O filósofo concedeu esta entrevista exclusiva ao Jornal de Brasília por telefone, de Richmond, no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, onde mora desde 2005. Na Academia, Olavo de Carvalho é considerado um crítico impiedoso das esquerdas brasileiras. Para ele, o Partido dos Trabalhadores enganou a sociedade.

“O prestigio do PT cresceu pelo discurso de combate à corrupção. Mas a máquina de corrupção do partido já estava sendo montada há muito tempo”. Nessa avaliação, ele aponta que, no quadro partidário atual, o eleitor não tem opção, pois faltam candidatos que consigam ou sejam interessados em representar os anseios do povo brasileiro, que “é profundamente conservador, sobretudo no aspecto social”.

Da mesma maneira, ele considera que há um monopólio de pensamento político no Brasil. “Isso não pode acontecer num país”. Os desafetos de Olavo de Carvalho o classificam de direitista convicto ou até reacionário, rótulo que ele desdenha. “Qual é o problema de ser de direita? É proibido? Não tem sentido você proibir a direita e ao mesmo tempo falar em pluralismo democrático. Em todos os países, há esquerdas e direitas. Agora, com quem vou debater isso no Brasil? Com pessoas indignas, cuja obra intelectual é zero? Imagine se eu vou querer que essas pessoas me respeitem ou me reconheçam!”

Nos EUA, o filósofo ocupa o tempo com um curso de Filosofia a distância que tem adesão de vários alunos brasileiros. Ele também está preparando uma publicação sobre o pensador Mário Ferreira dos Santos.

* * *

O PT durante anos brandiu a causa da ética. Ao chegar ao poder foi desgastado pelo escândalo do mensalão. O DEM passou a levantar a mesma bandeira, mas foi tragado com o caso de Brasília. A defesa da ética tem alguma maldição?

Em primeiro lugar, o prestígio do PT cresceu pelo discurso de combate à corrupção, mas a máquina de corrupção do partido já estava sendo montada enquanto isso acontecia. Tanto que foi organizado um serviço de inteligência privado do PT, que ficou conhecido como PTPol. A coisa foi denunciada pelo governador Esperidião Amin (Santa Catarina), mas nada se investigou depois. Em 1993, quando houve aquela famosa CPI da Corrupção, a máquina já estava montada, já fazia três anos que o PT fundara o Foro de São Paulo, associando-se a organizações de traficantes e seqüestradores como as Farc (Força Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o Mir chileno ao mesmo tempo em que, em público, pregava a moral e os bons costumes. Todo aquele combate aparentemente moralista era para encobrir o esquema. O PT foi o partido que mais enganou a população, pois ele já nasceu corrompido. Em segundo lugar, a decadência moral dos partidos acompanha a decadência geral do Brasil, que se aprofundou muito nos últimos 20 anos.

Para o senhor a desmoralização partidária é então resultado de um processo mais amplo?

A decadência não se dá apenas no aspecto moral, ela aconteceu intelectualmente. Nossos estudantes invariavelmente tiram os últimos lugares nos testes internacionais, abaixo de gente que vem de países muito mais pobres. Note que a produção de trabalhos científicos no Brasil aumentou bastante nos últimos anos. Mas as citações de pesquisas internacionalmente diminuíram muito, mostrando que a produção nacional tem cada vez menos valor para o progresso da ciência no mundo. A produção de trabalhos científicos tornou-se mera empulhação quantitativa para facilitar a caça às verbas. Compare o Brasil dos anos 50 a 70 com o atual. Tínhamos então uma infinidade de escritores e pensadores de nível mundial. Hoje, “intelectual” é o Jô Soares, é o Luís Fernando Veríssimo, é o Emir Sader. É comparar Atenas com a Baixada Fluminense. No campo moral, até se você usar como referência líderes de esquerda do passado como Carlos Marighella e Luiz Carlos Prestes, não há qualquer menção de que eles tivessem se envolvido com negociatas, com corrupção. Tanto que recentemente houve o episódio de a filha do Prestes negar-se a receber qualquer indenização do Estado, porque para ela isso mancharia a imagem do pai. Até os esquerdistas eram mais decentes naquele tempo. Agora, esse pessoal que está aí, descaradamente, assalta os cofres do Estado. Eles também apelam à violência. Veja as mortes dos prefeitos de Santo André e de Campinas.

Há luz no fim do túnel em outras legendas partidárias?

Os outros partidos são cúmplices. Hoje não se pode falar de esquerda e de direita, o que se tem é um sistema único. Destruíram o quadro partidário do Brasil.

O senhor defende que a polarização entre direita e esquerda ficou no passado?

O Brasil não tem uma direita há muito tempo. Nas últimas eleições presidenciais, os discursos de todos os candidatos eram semelhantes. O Partido Democratas foi inspirado na esquerda americana. Portanto, não pode ser considerado exemplo de partido conservador.

Como o senhor classifica o eleitor brasileiro? Desinformado e provinciano ou consciente, engajado, universalista?

O povo brasileiro é profundamente conservador. Sobretudo no aspecto social. É maciçamente contra o aborto, o feminismo radical, as quotas raciais, o gayzismo organizado. No entanto, não há político que fale em nome do povo: estão todos comprometidos com os lobbies bilionários que protegem esses movimentos.

Então a seu ver, falta hoje no quadro partidário quem traduza ou represente politicamente o pensamento da sociedade?

Não há candidato que defenda os valores em que o povo acredita. Aí fica esse vácuo. E a nossa suposta direita está mais interessada em comer dinheiro do governo. Se só há candidatos de esquerda, então o eleitor vai votar em quem? Durante as eleições, os candidatos camuflam o seu radicalismo, mas depois de eleitos, quando se sentem firmes no poder, tiram a máscara. Na eleição seguinte, o contingente de eleitores novos não sabe o que se passou e confia de novo em candidatos que já enganaram a geração anterior.

Por que os brasileiros votam em pessoas, em lugar de partidos?

O discurso dos partidos não é nítido. Numa eleição na Inglaterra, por exemplo, você tem uma direita e uma esquerda bem definidas. Você sabe quem é quem. Aqui nos Estados Unidos ninguém ignora que a Hillary Clinton é de esquerda, que o Glenn Beck é de direita, tal como todo mundo sabia que Ronald Reagan era de direita e Jimmy Carter era de esquerda. Apesar disso, nas últimas eleições, os americanos parecem que copiaram o Brasil: a postura dos democratas e dos republicanos foi igual, os candidatos ficaram jogando confete um no outro.

Há algum otimismo de sua parte quanto ao futuro do quadro político brasileiro, o senhor acredita em melhoras?

Poder melhorar sempre pode. Mas depende da ação humana. O nível de coragem política diminuiu assustadoramente no Brasil. As novas gerações são muito covardes. Se o Brasil ficar assim mais cinco anos, ele não se levantará mais. Veja o caso do filme que foi lançado sobre a biografia do Lula. Se aqui o governo financiasse um filme sobre a vida do Obama, isso daria em impeachment. No Brasil, a realização do filme do Lula não gerou nenhum protesto organizado. A reação está vindo do povo, que não vai ver o filme no cinema.

No seu modo de ver, como se dará à disputa entre a ministra Dilma Rousseff (PT) e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), nessas eleições presidenciais?

Os dois candidatos vão promover um campeonato de esquerdismo. Como o Serra tem alguns aliados conservadores, talvez ele venha com um discurso mais moderado, e sua eleição dê uma folga para que a direita possa se reconstruir, se ainda houver nela alguém interessado mais nisso do que em bajular a esquerda e participar do banquete de verbas públicas.

Para o senhor a ausência de discursos e de programas de direita empobrece a política brasileira?

O que o Brasil tem é um unipartidarismo disfarçado. Fui contra a exclusão da esquerda, durante o regime militar, como hoje sou contra a exclusão da direita. A normalidade do sistema deve estar acima das preferências partidárias, mas a esquerda se colocou acima do sistema, engoliu o Estado e o transformou em instrumento do partido. Note que nem mesmo os militares fizeram isso: no Parlamento, na mídia e nas cátedras universitárias havia mais esquerdistas naquele tempo do que direitistas hoje. Os milicos foram autoritários, mas não totalitários. Hoje estamos caminhando para o totalitarismo perfeito e indolor.

Onde estão os cinco justos?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 26 de janeiro de 2010

No seu editorial de terça-feira passada, o Estadão choraminga que “a Segunda Conferência Nacional de Cultura, programada para março, foi concebida como parte de um amplo esforço de liquidação do Estado de Direito e de instalação, no Brasil, de um regime autoritário. O controle dos meios de comunicação, da produção artística e da investigação científica e tecnológica é parte essencial desse projeto e também consta do Programa Nacional de Direitos Humanos”.

São verdades óbvias, impossíveis de desmentir. Mas vêm tarde demais. Quem há de deter a ascensão do autoritarismo esquerdista num país onde as facções “de direita” se enfraqueceram tanto que já nem podem lançar um candidato presidencial próprio e só lhes resta escolher o “menos esquerdista”, sem nem mesmo ter a clara certeza de que essa gradação hipotética corresponde a uma realidade ou a uma falsa esperança? Esperança que, diga-se a bem da justiça, o próprio escolhido não pode ser acusado de alimentar em ninguém.

Já passaram por essa mesma humilhação em 2002, e nem isso bastou para alertá-las quanto à gravidade do estado de coisas. Ao contrário, não houve, no meio delas, quem não celebrasse como apoteose da democracia aquilo que foi, com toda a evidência, uma farsa esquerdista calculada e montada para pregar o último prego no caixão da direita com a anuência servil e até festiva da própria vítima. Quando uma facção politicamente destruída não tem sequer a coragem de confessar o desastre, isso significa que internalizou a derrota ao ponto de já nem mais poder pensá-la como tal. Sai da competição e, apegando-se à mentirinha tola de que a surra brutal foi apenas uma brincadeira entre amigos, passa a disputar nada mais que um lugar de sparring na academia do adversário.

Foi precisamente nessa condição que o sr. Alckmin subiu ao ringue eleitoral em 2006: desmanchando-se em demonstrações de polidez e bom-mocismo, omitindo-se de denunciar os crimes do partido adversário, não concorreu com ele senão para ajudá-lo a ocultar sob um manto de respeitabilidade postiça o sangue e as fezes que então, decorridos dezesseis anos da fundação do Foro de São Paulo, já o manchavam até à raiz dos cabelos.

Nunca um candidato foi tão vulnerável, tão fácil de derrotar quanto o foi o sr. Luís Inácio Lula da Silva nos dois últimos pleitos. Para destruir não somente sua candidatura, mas todas as suas ambições políticas quaisquer que fossem, bastaria mostrar, nos debates da TV, o compromisso de ajuda integral que ele assinara com a narcoguerrilha colombiana em 2001 e perguntar se, no governo, ele pretendia ser fiel à sua aliada, traindo os eleitores brasileiros, ou cumprir as leis do país e tornar-se alvo do ódio do Foro de São Paulo inteiro. Se o candidato nominalmente de direita tivesse feito isso uma vez, uma única vez, ele seria hoje presidente da República, e não haveria nenhuma “Conferência Nacional de Cultura” ou “Plano Nacional de Direitos Humanos” para assombrar as noites dos editorialistas do Estadão. Em vez disso, o sr. Alckmin preferiu dar a impressão de que tudo o que o distinguia do seu adversário eram miúdas diferenças políticas entre cidadãos igualmente decentes, igualmente democratas, não separados nem mesmo por alguma divergência ideológica substantiva.

Mas estou sendo injusto com o sr. Alckmin. Ele não foi o único que, sob o pretexto de “manter alto o nível do debate”, elevou aos píncaros a imagem de um inimigo que, já então, chafurdava gostosamente, fazia uma década e meia, no lamaçal da aliança entre crime e revolução, protegido do olhar curioso do eleitorado pelos bons préstimos de toda a “grande mídia”, de todos os partidos políticos, de todos os comandantes militares, de todas as igrejas, de todos os intelectuais, de todos os “formadores de opinião”.

O sr. Alkmin não teve culpa nenhuma senão a de ser igual, em coragem e senso de responsabilidade histórica, a praticamente todos os demais líderes da “direita”. As exceções contavam-se e contam-se nos dedos de uma só mão, mas duvido que a completem. Se há cinco justos na direita brasileira, digam-me quem são eles, e expliquem por que não escolhem um deles como candidato na próxima eleição presidencial.

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